Alemanha, os migrantes e Merkel: as razões da crise política
A chanceler rejeita a principal medida de seu ministro de expulsar qualquer migrante registrado antecipadamente por outro país da União Europeia
AFP
Publicado em 2 de julho de 2018 às 10h49.
As tensões na Alemanha relacionadas à migração provocaram uma grave crise política, quase três anos depois da decisão de Angela Merkel de receber milhares de requerentes de asilo. Veja o que está em jogo:
Quais as razões para o conflito?
O confronto começou em meados de junho, quando o ministro do Interior, Horst Seehofer, que também preside o partido bávaro União Social Cristã (CSU), viu a chanceler Angela Merkel bloquear seu plano de endurecer a política de asilo.
A chanceler rejeita abertamente a principal medida de seu ministro: a expulsão das fronteiras alemãs de qualquer migrante registrado antecipadamente por outro país da União Europeia.
Este conflito tornou-se rapidamente uma questão crucial que ameaça a coalizão formada com grande dificuldade em março deste ano e que uniu a ala direita da CSU, a ala centro-direita da chanceler (CDU) e os social-democratas.
De que maneira a situação piorou?
O ministro não quis se render à sua chefe e chegou a desafiá-la, dando um ultimato à chanceler: a imposição de suas medidas na fronteira por decreto ministerial no início de julho, a menos que medidas muito restritivas e equivalentes fossem tomadas a nível europeu.
Por sua vez, a chanceler continuou a se opor a qualquer forma de expulsão unilateral nas fronteiras de seu país, temendo um "efeito dominó" em toda a Europa que ameaçaria a livre circulação em vigor.
Merkel também negociou na semana passada um acordo político europeu e acordos bilaterais, cujo efeito é "mais do que o equivalente" às medidas que Seehofer deseja.
No domingo, o ministro rejeitou os resultados dessas reuniões com os demais países do bloco europeu e colocou na mesa o destino do governo alemão.
Os migrantes são o único motivo do conflito?
O conflito é muito mais profundo. Os conservadores bávaros e até mesmo alguns líderes do próprio partido de Merkel parecem estar ajustando suas contas políticas com a chanceler. Na verdade, Seehofer e seu partido não pararam de denunciar a decisão de Merkel de abrir as portas do país em 2015 a centenas de milhares de solicitantes de asilo.
Além da questão migratória, a CSU há muito considera que Merkel, em seus 13 anos no poder, deslocou a ala conservadora para o centro.
Por sua vez, a esquerda alemã considera a briga dentro do partido conservador como "um golpe da direita". Vários meios de comunicação alemães também veem neste conflito uma versão alemã do "trumpismo" (pelo presidente americano Donald Trump) porque a CSU, que defende uma "Alemanha em primeiro lugar" sobre os migrantes, é encorajado com a proximidade das eleições regionais na Baviera em outubro.
Nesta região, as pesquisas apontam que a CSU poderia perder sua maioria absoluta como resultado do avanço da extrema direita graças ao seu discurso anti-imigrantes.
Ao final, a questão da implementação das expulsões na fronteira é em grande parte simbólica. As chegadas de migrantes estão em queda livre. Na Europa em geral e na Alemanha, em particular, as políticas de acolhimento foram endurecidas e a luta contra a imigração ilegal reforçada.
Quais os cenários possíveis?
Seehofer propôs sua renúncia no domingo à noite, mas depois suspendeu a decisão para permitir uma última sessão de negociações com Merkel nesta segunda-feira à tarde.
O ministro do Interior delineou três cenários: poderia se juntar às fileiras, ou passar por cima das objeções de Angela Merkel e impor as expulsões fronteiras, resultando em sua demissão do cargo e uma possível dissolução do governo de coalizão. A terceira opção possível seria uma renúncia. Ele mencionou que dentro de um período de "três dias" anunciará sua decisão.
Por sua vez, a chanceler não pode ceder a Seehofer, se não serão os social-democratas que atacarão o governo.
Se a maioria do governo desmoronar com a saída do CSU, Merkel poderia tentar um governo minoritário ou formar uma maioria com outros parceiros, ou optar por eleições antecipadas.
Também não se descarta uma saída do poder da chanceler.