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A jornalista que bagunçou a política chilena

A jornalista esquerdista Beatriz Sánchez levou 20% dos votos. Seu papel daqui pra frente vai ser decisivo para o resultado do segundo turno

BEATRIZ SÁNCHEZ VOTA EM SANTIAGO: "somos uma força que irrompe no cenário político" (Reuters)

BEATRIZ SÁNCHEZ VOTA EM SANTIAGO: "somos uma força que irrompe no cenário político" (Reuters)

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EXAME Hoje

Publicado em 21 de novembro de 2017 às 19h03.

Última atualização em 21 de novembro de 2017 às 19h04.

Santiago — A surpreendente votação no domingo da candidata de esquerda Beatriz Sánchez complicou bastante a vida do ex-presidente Sebastián Piñera, de centro-direita. Antes favorito no segundo turno da eleição presidencial chilena, dia 17 de dezembro, Piñera tem dois desafios pela frente: atrair uma parte dos votos dados a Sánchez e conquistar apoio no Congresso para governar, se eleito.

Piñera venceu o primeiro turno com 37% — bem menos que os 44% previstos na principal pesquisa, do Centro de Estudos Públicos (CEP). Sánchez chegou em terceiro lugar, com 20%, encostada no segundo colocado, o senador Alejandro Guillier. Candidato da presidente Michelle Bachelet, do Partido Socialista (PS), Guillier teve 23%. A pesquisa da CEP indicava 20% e 8,5% para Sánchez.

Outras sondagens menos citadas, no entanto, indicavam uma disputa mais acirrada entre ambos. A da Faculdade de Governo da Universidade Central do Chile, por exemplo, dava 21,3% para Guillier e 19,3% para Sánchez, embora mantivesse Piñera com a folgada vantagem de 44%.

Ao mesmo tempo em que festejou seu desempenho, Sánchez, conhecida jornalista de rádio e de TV, que só se lançou à política em março, mostrou-se irada com os institutos de pesquisas: “Não se pode mais acreditar neles. Se não fossem eles, eu teria ido para o segundo turno”. Muitos eleitores de esquerda desiludidos com Bachelet que preferiam Sánchez como alternativa podem ter depositado um voto útil em Guiller para evitar a vitória de Piñera.

Feminista de 46 anos, Sánchez se lançou pela Frente Ampla (FA), uma aglomeração de cerca de 20 grupos de esquerda, alguns mais, outros menos radicais. Ela defende o direito ao aborto em quaisquer circunstâncias. Por iniciativa de Bachelet, foi aprovado o direito no caso de estupro, risco de vida para a mãe ou inviabilidade do feto.

Apesar da resistência de alguns dos movimentos que a apoiam, ela fala em negociar apoio a Guillier no segundo turno, em troca de concessões programáticas.

Sánchez e seus seguidores consideram o governo socialista de Bachelet e o programa de Guillier excessivamente liberais, embora a plataforma do candidato esteja até um pouco à esquerda da presidente. Bachelet aprovou a concessão de bolsas de estudos integrais no ensino superior para os 60% mais pobres. Ela encerra o governo com uma cobertura de 50%.

Não há universidades gratuitas no Chile: mesmo as públicas, que abrangem 15% das matrículas, são pagas. Guillier, também jornalista, que entrou para a política há quatro anos, quando se elegeu senador, promete estender o benefício a 80%. Já Sánchez e a Frente Ampla defendem ensino superior gratuito para todos.

A previdência foi privatizada em 1980, durante a ditadura de Augusto Pinochet. Mas os benefícios para os aposentados de mais baixa renda não são suficientes para sua sobrevivência. Bachelet e Guillier propõem aumentar o teto das contribuições, de 10% para 15%.

Já Sánchez é a favor de criar um novo sistema previdenciário, no qual a contribuição dos trabalhadores diminua e a dos empresários aumente, e as contas individuais de capitalização, nas chamadas AFPs (Administradoras de Fundos de Pensões), se tornem complementares, como no Brasil. Sánchez também defende o perdão das dívidas hipotecárias com a moradia, um tema que segundo ela não foi abordado por Guillier.

“Vamos a uma conversação”, disse a ex-candidata, ao festejar sua votação, na noite de domingo, sob sinais de desaprovação de muitos dos presentes. “Mas não vamos barganhar, porque já temos nosso programa e somos uma força que irrompe no cenário político.”

A Frente Ampla nasceu das grandes manifestações dos estudantes secundaristas, em 2006, e universitários, em 2011. Esses movimentos jovens ainda formam grande parte de sua militância e do eleitorado que depositou seus votos em Sánchez.

Nas eleições de 2009, vencidas por Piñera, também houve um fenômeno de esquerda, que se apresentava como alternativa à Concertación (coalizão que reunia os socialistas e democrata-cristãos). Naquele ano, o cineasta e então deputado socialista Marco Enríquez-Ominami deixou o PS, fundou o Partido Progressista (PRO) e também ficou em terceiro lugar na eleição presidencial, com 20% dos votos.

Entretanto, MEO, como é conhecido no Chile, tem diminuído de tamanho. Em 2013, ele também ficou em terceiro, mas com apenas 11%. No domingo, obteve 5,71%, conformando-se com o sexto lugar.

Para Fernando García Naddaf, professor da Escola de Ciência Política da Universidade Diego Portales, no entanto, a comparação não é justa. MEO é diferente de Sánchez por dois motivos, disse García a EXAME.

Primeiro, porque “não logrou uma estrutura de poder efetiva no Congresso, enquanto que Sánchez vai ter uma bancada importante, com 20 deputados e um senador”. Portanto, terá voz nos debates, “se conseguir liderar essa bancada”, pondera o especialista, considerando que ela é nova na política e a FA é um grupo heterogêneo.

Em segundo lugar, analisa García, “MEO assumiu um perfil mais populista tentando estabelecer uma comunicação direta com o povo”. Já Sánchez “está à frente de um conglomerado de movimentos sociais organizados”.

O analista admite que Sánchez não tem os mesmos atributos de liderança de MEO: falta-lhe carisma, empatia, e pareceu um pouco nervosa durante a campanha, ressentida com a derrota por pouco e a má vontade das pesquisas. “Mas na noite de domingo ela fez um discurso triunfante, apesar da derrota, e começou a falar com o coração e com a cabeça, que é o que se espera de um político.”

A negociação de Guillier com Sánchez será dura, porque a FA não é um grupo que se conquista, por exemplo, com cargos públicos, observa García. Além disso, o candidato do PS tem o desafio de conquistar votos do centro para derrotar Piñera, enquanto que a FA exige que ele se desloque mais para a direita. O consolo de Guillier é que a vida de Piñera ficou ainda mais difícil.

Os eleitores mais óbvios do bilionário investidor de centro-direita são os do deputado José Antonio Kast, que defende o legado de Pinochet, e ficou em quarto lugar, com 8% dos votos. Mas, observa García, no esforço de atrair esse voto radical de direita, Piñera poderia perder os eleitores de centro. Parte deles votou na candidata da Democracia Cristã (DC), Carolina Goic, que ficou em quinto, com 5,88%.

Tradicional parceira do PS na Concertación, a DC rompeu com os socialistas depois que Bachelet atraiu o Partido Comunista para seu governo. Entretanto, analisa o cientista político, a DC tem integrantes mais à direita e mais à esquerda, de maneira que seu apoio não deverá se deslocar em bloco para um ou outro candidato.

A coalizão de Piñera, Chile Vamos, elegeu 73 deputados; a Força da Maioria, de Guillier (socialistas e comunistas), obteve 43; a Frente Ampla, 20; e a DC,13; o PRO, de MEO, elegeu apenas 1, assim como os blocos Regionalista Verde e Independentes.

Apenas metade do Senado foi renovada nessas eleições. Chile Vamos manteve 5 senadores da legislação atual e elegeu outros 12. A Força da Maioria somou os 6 atuais com mais 7 eleitos. A DC elegeu 3 que se somam aos 8 que já tinha. A Frente Ampla fez o seu primeiro senador.

“Essa votação de 37% deixou Piñera muito fragilizado”, conclui García. “Guillier arrancou do primeiro turno em melhores condições que ele, tanto para vencer o segundo quanto para governar.” E o Chile, de maneira geral, emergiu como um país mais complexo, com um Congresso e um eleitorado fragmentados.

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