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A impotência da filosofia

O filósofo e neurocientista Joshua Greene defende um modelo de cooperação mundial que envolva todas as sociedades. Mas seu argumento tem limitações

Reunião do G7 no Canadá (Yves Herman/Reuters)
DR

Da Redação

Publicado em 9 de junho de 2018 às 08h13.

Última atualização em 9 de junho de 2018 às 09h38.

Moral Tribes: Emotion, Reason, and the Gap Between Us and Them

Joshua Greene

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Editora: Penguin Press

422 páginas

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O filósofo , psicólogo e neurocientista (profissões que tendem a caminhar cada vez mais juntas) Joshua Greene esteve em São Paulo no fim de maio que passou para participar de eventos do programa Fronteiras do Pensamento. Greene trouxe ao público brasileiro uma discussão central dos nossos tempos, que é também o tema de seu livro mais recente (de 2013), Moral Tribes: Emotion, Reason, and the Gap Between Us and Them (“Tribos Morais: emoção, razão e a lacuna entre nós e eles”, numa tradução livre).

Em poucas palavras, trata-se de encarar a dificuldade da cooperação entre diferentes grupos humanos – países, por exemplo –, que não raro trazem valores e culturas muito distintos. O mundo depende de conseguirmos fazer que a humanidade inteira coopere para evitar riscos potencialmente catastróficos como desastres ambientais e guerras de destruição global.

O indivíduo humano, argumenta Greene, é razoavelmente bom na tarefa de cooperar com seus vizinhos. Vivemos o tempo todo o dilema entre o bem individual e o bem coletivo, e sabemos que, no longo prazo, todos os indivíduos estarão melhores se forem capazes de abrir mão de alguns interesses individuais em prol da sociedade.

Quem desempenha essa tarefa para nós é a moral: todas as religiões, culturas e ideologias propõem normas de condutas que limitam em alguma medida o desejo individual e priorizam o coletivo. Generosidade, honestidade e justiça não são meras palavras vazias: Greene mobiliza uma série de experimentos da psicologia para mostrar como os indivíduos cooperam mesmo sem esperar nada em troca. Mais do que isso: em algumas culturas, a cooperação é a resposta automática, o padrão. O pensamento individualista requer mais tempo para raciocinar.

O problema – ainda seguindo o argumento de Greene – é que esse módulo moral que nossa mente usa para coordenar os indivíduos dentro de uma sociedade nada tem a dizer sobre como coordenar as relações entre diferentes sociedades. Ou sobre como gerir decisões coletivas numa sociedade em que não haja um consenso cultural ou moral. Para resolver o impasse, sugere Greene, precisamos de uma “metamoralidade”, um conjunto mínimo de regras que permita resolver os conflitos morais e as situações em que nossas intuições morais – formadas pela cultura – falham.

A parte mais interessante e marcante do livro, na minha opinião, são justamente os experimentos psicológicos e os dilemas de filosofia moral que mostram que nossas intuições são bastante arbitrárias e inconsistentes. Um conjunto de dilemas, especialmente – conhecidos na filosofia como trolley problems (“o dilema do bonde”) – envolve decisões acerca de salvar uma ou cinco vidas que estão ameaçadas por um trem em movimento. Com pequenas variações nas condições do dilema, somos levados a respostas completamente diferentes sobre o que é certo ou errado.

Para nos salvar dos erros e conflitos da moral de senso comum, Greene propõe a filosofia moral do utilitarismo: devemos sempre priorizar o máximo bem-estar para o maior número de pessoas. Não cabe aqui uma discussão desta importante corrente da filosofia moral, mas sim uma crítica à abordagem geral de Greene. Em tempos nos quais a opinião pública direta, não mediada por nenhuma elite, se torna mais poderosa, ele espera que o grosso da população mundial vá se interessar e discutir teorias abstratas de filosofia moral?

Além disso, é preciso reexaminar uma das premissas do livro: a de que nosso pensamento moral não lida com a relação entre grupos. Na verdade, toda cultura e toda religião tem algo a dizer sobre quem não faz parte dela. Qualquer identidade coletiva inclui, necessariamente, uma consideração sobre o outro, alguém que é diferente e, portanto, rival. Mesmo uma torcida de futebol só existe enquanto torcida na medida em que existe uma torcida rival; sem isso, não haveria pelo que torcer.

O conflito é tão resultante de nossos módulos morais quanto a cooperação. E isso não é o resultado da reflexão filosófica – algo que será sempre de poucos – e, sim, da identificação com certos símbolos, valores e práticas que constituem um grupo humano. O problema dos dias de hoje é que, dentro de uma mesma sociedade, as pessoas estão se fragmentando em subgrupos que se odeiam. Se nada for feito, a luta pelo poder (que é a finalidade por trás dessa divisão em grupos) apenas se tornará mais irrestrita, colocando em risco nosso futuro.

Greene tem consciência e sabe nos despertar para o tamanho do problema, mas sua confiança – na minha opinião, ingênua – na capacidade da razão de solucionar o problema do conflito humano o faz simplificar demais a natureza do desafio à nossa frente: como constituir grupos humanos maiores – de preferência, global – se a existência de um inimigo é essencial para a identidade do grupo e se hoje a tecnologia minou a capacidade de grandes narrativas dominarem toda uma população? Por enquanto, parece valer a máxima pessimista: a paz na Terra é possível, mas só depois de descobrirmos uma civilização alienígena.

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