DUJOVNE, NOVO MINISTRO DA FAZENDA ARGENTINO: o gradualismo não assegurou o crescimento pretendido pelo governo / Marcos Brindicci/ Reuters
Da Redação
Publicado em 5 de janeiro de 2017 às 10h30.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h37.
Lourival Sant’Anna
Comprometido a organizar a economia argentina depois de 12 anos de experimento kirchnerista, e de um desgastante primeiro ano de governo, o presidente Mauricio Macri entra em 2017 com uma nova equipe econômica. Seu desafio, como gostam de dizer os economistas, “não é trivial”: cortar o déficit público, domar a inflação e ao mesmo tempo tirar o país da estagnação, em um ano de importantes eleições parlamantares, para um governo de minoria no Congresso. A receita do novo ministro da Fazenda, Nicolás Dujovne, é uma combinação de melhora na gestão e redução da carga tributária.
Ex-economista-chefe do Banco Galicia e representante do ministro da Economia no Conselho do Banco Central na década passada, Dujovne esteve em junho em São Paulo, em um seminário da Fundação FHC, e em seguida almoçou com o repórter de EXAME Hoje. Sua cartilha para a Argentina é ortodoxa: defendeu cortes nos gastos públicos e o que no Brasil se convencionou chamar um “choque de gestão”.
Em entrevista ao jornal La Nación, na segunda-feira 2, o novo ministro disse que vai propor uma “reforma tributária integral”. “Minha obsessão é conseguir baixar o nível de informalidade da economia argentina”, disse ele. Segundo Dujovne, a informalidade representa 35% da economia, porque alguns setores não conseguem enfrentar a carga tributária. “Os impostos sobre o trabalho são ridículos. Temos uma sobretaxa de 40% por cima do salário no bolso, entre as contribuições pessoais e patronais.” Sobre isso, o empregado ainda paga imposto de renda, assinalou o ministro.
Ao apresentar seus planos à imprensa na sexta-feira 30 em Buenos Aires, Dujovne disse que tentará reduzir o déficit público previsto no Orçamento de 2017, de 4,2%. Mas afirmou que seguirá esse Orçamento, o que significa que, tecnicamente, não haverá “aperto fiscal” maior do que o já acertado. Além dos ganhos de gestão, o ministro conta, para isso, com a receita extra advinda de um programa de anistia para ativos não declarados ao Fisco. No ano passado, o programa, chamado de “blanqueo de capitales”, rendeu 103 bilhões de pesos (6,4 bilhões de dólares) aos cofres públicos. Este ano, Dujovne estima que ele poderá proporcionar uma receita extra de 0,3% do PIB.
Dujovne assinalou que o primeiro ano de gestão de Macri foi marcado pela saída do controle cambial, a eliminação das “travas” à importação (a necessidade de autorizações do governo) e o controle da inflação. Depois de registrar 38,6% em 2014 e 26,4% em 2015, último ano de Cristina Kirchner, a inflação teve um repique de 40,6% no ano passado, por causa da retirada dos subsídios aos preços controlados, sobretudo de energia, como parte do ajuste do governo Macri. Neste momento, segundo o Banco Central argentino, a inflação anualizada está em 19,6%. O governo prevê índice de 17% para 2017, e um crescimento do PIB de 3,5%, depois de uma recessão estimada em 2,4% no ano passado. “Agora, como as circunstâncias mudaram, o desafio passa por melhorar em que se gastam os recursos do Estado”, analisa Dujovne.
O novo ministro disse que pretende reduzir o déficit sem contingenciar as despesas previstas no Orçamento. Com a maior eficiência no gasto e a redução da carga tributária, considerada a maior do mundo, Dujovne pretende “duplicar as exportações em poucos anos”. Para isso, ele conta também com uma política de desvalorização do peso, que hoje vale 15% menos do que há um ano, e com melhorias na logística dos portos implementadas em 2016.
O fim do gradualismo
Macri demitiu o ministro das Finanças, Alfonso Prat-Gay, na segunda-feira 26, em função de discordâncias sobre a condução da política econômica, segundo o chefe do gabinete do presidente, Marcos Peña. O ministro tinha um perfil mais moderado que o de Dujovne. “Com Prat-Gay, Macri demonstrou que não ia ser o presidente da ultra-ortodoxia, de um corte brutal no gasto público, via demissões de servidores ou programas assistenciais”, explica Carlos Reymundo Roberts, colunista do La Nación.
Entretanto, esse gradualismo não assegurou o crescimento econômico prometido por Macri para o segundo semestre do ano passado. O resultado foi uma combinação de déficit e inflação altos e continuidade da estagnação — o pior de dois mundos. Daí a guinada do presidente à ortodoxia de Dujovne.
Macri dividiu o Ministério das Finanças, entre Fazenda e Economia. Para essa segunda pasta, que seria equivalente à do Planejamento, no Brasil, o presidente nomeou o então secretário das Finanças, Luis Caputo.
A ele caberá administrar a crescente dívida argentina, que saltou de 43,5% do PIB em 2015 para 54,8% no ano passado. É um patamar relativamente confortável: na zona do euro, o teto aceito da relação dívida-PIB é 60%, e vários países estão acima disso. No Brasil, a relação é de 70,5%. A folga se deve à exclusão da Argentina do mercado de crédito nos últimos anos. O país passou por uma traumática moratória em 2001, e um grupo de fundos credores de Nova York, apelidado de “abutres” por Cristina Kirchner, não aceitou uma renegociação conduzida entre 2005 e 2010, que envolveu descontos de 70%.
No ano passado, o governo Macri renegociou e pagou a dívida perante esses fundos, no valor de 12,5 bilhões de dólares. Segundo Caputo, o país precisará de 22 bilhões de dólares para financiar sua dívida neste ano, e de outros 21 bilhões para refinanciamento. “Não há nenhum problema de sustentabilidade da dívida”, garantiu o novo ministro.
“A mudança produzida pelo presidente Macri é muito positiva”, disse a EXAME Hoje Ernesto Sanz, líder da União Cívica Radical, que apoia o governo. “Chega em um momento em que o governo deve intensificar os esforços para diminuir o déficit fiscal e encarar o ataque final contra a inflação, depois de um ano de transição muito duro para a economia pública e privada. Nesse contexto, a figura de Prat-Gay estava desgastada para dentro, por diferenças com a equipe presidencial, e para fora existiam dúvidas sobre sua capacidade de encarar os desafios do novo ano.”
Sanz observa que será um ano “melhor nos grandes números da economia, mas contaminado pelas eleições de outubro, em que um governo não peronista passará por sua prova de fogo”. Nas eleições, serão renovados um terço do Senado e 127 das 257 cadeiras da Câmara. Atualmente, Macri governa com o apoio de apenas 17 dos 72 senadores e 87 dos 257 deputados. Enfrentar este ano com uma equipe econômica que prima pela ortodoxia é, antes de tudo, uma prova de coragem. Além de convicção, claro.