QuintoAndar: do aluguel para marketplace de serviços para moradia
Maior empresa de aluguel de imóveis no país amplia a vocação: oferta de produtos e serviços para moradia, vendas e atendimento eficiente são prioridades em 2021
Marcelo Sakate
Publicado em 23 de dezembro de 2020 às 06h05.
Última atualização em 8 de junho de 2021 às 11h16.
2021 vai ser um ano de transformação para o QuintoAndar , empresa que se tornou a maior plataforma de aluguel de imóveis do país. A startup fundada pelos empreendedores Gabriel Braga e André Penha em 2013 planeja se transformar de uma companhia de tecnologia voltada para aluguel e venda de imóveis em uma dedicada para soluções de moradia de modo abrangente, por meio de um marketplace. Para tanto, a aquisição da startup SíndicoNet em novembro foi um primeiro passo para viabilizar a nova estratégia.
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"Nós somos uma empresa de tecnologia. Mas não mais só para o aluguel, e sim de tecnologia para moradia. Imagine que você está no seu apartamento e precisa de um serviço. E que você possa chamar pelo aplicativo do condomínio. Nós queremos que isso se torne possível", afirmou André Penha, um dos sócios-fundadores do QuintoAndar e executivo-chefe de Tecnologia (CTO) da empresa, à EXAME Invest .
O plano estratégico para 2021 também prevê aumentar a eficiência no atendimento ao cliente, por meio de soluções como inteligência artificial. O investimento nessa área deve chegar a 50 milhões de reais. Será um passo fundamental não só para melhorar a experiência do usuário como para permitir que o QuintoAndar continue a ganhar escala e a se expandir geograficamente -- atualmente são 30 cidades, incluindo dez regiões metropolitanas.
A transformação da startup é um passo natural para uma empresa que se tornou dominante no seu mercado original -- o de aluguel -- e que atravessou o teste sem precedentes dos efeitos provocados pela pandemia saindo maior do que entrou. As receitas em 2020 serão mais do que o dobro do que foi registrado em 2019.
A companhia encerra o ano com mais de 30 bilhões de reais sob gestão. Um imóvel é alugado na plataforma digital do QuintoAndar a cada 6 minutos, o que representa aproximadamente 7.200 imóveis por mês.
"2020 foi um ano de aprendizado e de teste, em que tivemos que nos adaptar rapidamente. Nós já nos considerávamos uma companhia ágil, mas, neste ano, tivemos que nos provar mais ainda. Saímos mais fortes", diz Penha.
O empreendedor disse que a empresa está se preparando para uma eventual abertura de capital, embora isso não esteja no radar de forma concreta no momento. E revelou planos de uma nova forma de atuação, um modelo híbrido entre o aluguel e a compra do imóvel.
"Quem sabe um fundo imobiliário não possa ter imóveis que sejam alugados na liquidez do QuintoAndar, e a pessoa terá frações desses imóveis. Isso seria algo interessante. Outra hipótese é que talvez a pessoa queira fazer um test drive de imóvel: alugá-lo por um tempo e depois decidir que quer ficar mais tempo, o que pode render até uma venda", afirmou.
Veja a seguir a entrevista de André Penha, do QuintoAndar, à EXAME Invest:
Quais foram os aprendizados do ano e da pandemia para o QuintoAndar?
Foi um ano de aprendizado e de teste, em que tivemos que nos adaptar rapidamente. Nós já nos considerávamos uma companhia ágil, mas, neste ano, tivemos que nos provar mais ainda. E a aprender a corrigir depois e a criar mecanismos para isso. Aprendemos, por exemplo, como viabilizar as visitas aos imóveis com as medidas de isolamento e a intermediar as negociações entre inquilinos e proprietários para evitar que os imóveis ficassem vazios.
O teste foi conseguir garantir o pagamento em dia de todos os proprietários apesar das dificuldades financeiras de muitos inquilinos por causa da crise. Conseguimos cobrir o equivalente a mais de 100 milhões de reais durante a crise. Foi um teste ao mecanismo de proteção do QuintoAndar em caso de atraso de pagamentos.
Mas o saldo foi que saímos mais fortes da crise. Vamos encerrar 2020 com mais do dobro das receitas de 2019.
Também começamos em janeiro a nossa operação de vendas em São Paulo. Agora estamos nas regiões metropolitanas de São Paulo e do Rio de Janeiro. Já vendemos um imóvel a cada três horas. Ainda é relativamente pouco perto do que esperamos, mas é um sinal de que podemos crescer substancialmente na venda.
Os atrasos de pagamento com a crise exigiram ajustes no modelo de análise de crédito?
Nós somos suficientemente cautelosos para ficar dentro do modelo e isso significou que não precisamos fazer ajustes. O que aconteceu foi o contrário. Algumas variáveis que o nosso modelo avalia pioraram muito, como a capacidade média de crédito do brasileiro, sobretudo de quem não tem emprego CLT. Pensamos no que tínhamos que fazer para obter uma taxa de aprovação razoável. Criamos mecanismos de avaliação de garantia para pessoas que não conseguiram ser aprovadas, mas que estavam quase lá.
O que mais vocês estudam para ampliar o público potencial do QuintoAndar, seja aluguel ou venda?
Uma grande parte do que estamos fazendo em investimento em tecnologia é nas máquinas de decisão de crédito e de análise de risco. Nós temos um volume muito grande de dados que analisamos para tomar a decisão de aprovar ou não. Nós temos três grandes times de tecnologia olhando para essas máquinas. Nossa intenção é que um número maior de pessoas consiga ser aprovada para ter acesso à proteção do QuintoAndar sem precisar pagar por isso. Segundo, queremos tornar a proteção do seguro-fiança mais robusta.
E, terceiro, queremos possibilitar que proprietários consigam antecipar uma parte do aluguel se precisarem de dinheiro. Eles clicariam em uma opção no aplicativo e receberiam seis meses de aluguel de forma antecipada pagando uma taxa de juros. É um crédito de certa forma. É um produto que já lançamos e que não está disponível para todos os proprietários, mas que vamos expandir nos próximos meses.
E quais são os planos e as prioridades para 2021?
Nós compramos uma companhia chamada SíndicoNet, que é um grande portal de informações e serviços para condomínios. A empresa nos impressionou pela qualidade das informações e a assiduidade de condôminos, síndicos e administradores no portal. Isso é o primeiro passo para que possamos estar perto dos moradores. Se ele for nosso cliente, ótimo. Se não for, queremos também oferecer bons produtos de tecnologia para esse público.
Nós somos uma empresa de tecnologia, mas não mais só para o aluguel, e sim para moradia. O QuintoAndar será uma plataforma que as pessoas poderão procurar para comprar, para vender e para alugar. E, já adiantando, no futuro podemos oferecer algo entre a venda e a o aluguel, achamos que tem um espaço de mercado nesse meio. Podemos desenvolver tecnologia para condôminos e condomínios e eventualmente até para administradoras.
Não temos intenção de ser administradora de condomínio. O SíndicoNet já tem um marketplace de serviços e pode ser o vetor da nova empreitada. Imagine que você está no seu apartamento e precisa de um serviço. E que você possa chamar pelo aplicativo do condomínio. Nós queremos que isso seja possível. É um dos três pilares para 2021.
Quais são os outros dois?
O primeiro pilar continua a ser o aluguel. Estamos investindo dezenas de milhões de reais em tecnologia para ter ainda mais escala do nosso produto e capacidade de atendimento com qualidade. Isso vai nos permitir operar em mais cidades, com uma expansão geográfica.
Temos muitos engenheiros trabalhando em desenvolver inteligência artificial para facilitar o atendimento. Quanto mais capacidade tivermos de prever o que o cliente quer, mais rápido podemos transferir para a pessoa certa e reduzir o tempo de atendimento. E isso melhora a vida do usuário. Queremos também que ele seja capaz de resolver mais as suas demandas por meio do aplicativo.
E o segundo pilar é tornar a operação de vendas mais proeminente, como é o de aluguel. Queremos que a solução do QuintoAndar seja a melhor que existe para quem vende, assim como hoje é para quem aluga.
Muitas empresas estão acertando parcerias para buscar sinergias e ampliar a recorrência de uso no conceito de ecossistemas. O QuintoAndar planeja algo nesse sentido?
Nós não vamos entregar todos os serviços por conta própria. Senão daqui a pouco vamos ser um banco, uma empresa de engenharia civil e por aí vai. O marketplace permite justamente entregar mais serviços por meio de uma plataforma. O cuidado necessário é como manter a qualidade dos serviços de maneira automática por meio de SLA (sigla em inglês para Acordo de Nível de Serviços). Quem vai entrar para prestar o serviço ainda não sabemos, porque estamos construindo o conjunto de indicadores para avaliar.
O que é esse modelo híbrido entre o aluguel e a venda que você mencionou?
Tem gente que quer investir em imóvel sem ter que comprar um. Quem sabe um fundo imobiliário não possa ter imóveis que sejam alugados na liquidez do QuintoAndar, e a pessoa terá frações desses imóveis. Isso seria algo interessante que podemos fazer. Outra hipótese é que talvez a pessoa queira fazer um test drive de imóvel: alugá-lo por um tempo e depois decidir que quer ficar mais tempo, o que pode render até uma venda. Nós estamos discutindo como ficaria a questão do financiamento. Estamos estudando e seria uma alternativa tanto para o investidor como para o morador.
Eu acho que o mercado de aluguel no Brasil vai mudar radicalmente em cinco anos. Em países onde os juros são muito baixos, como Estados Unidos, Alemanha e Japão, os donos de imóveis não são pessoas físicas, mas bancos, fundos de investimento. Alguns possuem 400 mil, 500 mil imóveis. Isso profissionaliza o mercado de imóveis para aluguel, porque são empresas com uma quantidade de informações e melhores condições de saber o valor de um aluguel, de definir uma reforma, ou seja, de tomar decisões mais inteligentes.
Como vocês estão de capital? Diante de um mercado com tanta liquidez de capital, um IPO está no radar?
Nós temos que estar cada vez mais prontos para uma eventual abertura de capital, mas isso não está no radar. Estamos investindo em compliance, organização, cuidando para que as margens sejam saudáveis, para que os clientes fiquem satisfeitos. Se eventualmente decidirmos abrir o capital, ter esses números prontos vai ajudar bastante.
Vocês entraram no mercado para atacar as dores de quem buscava alugar um imóvel. O que ainda falta resolver?
Vou falar de uma dor interna. Somos uma companhia que tem processos inteligentes, estatisticamente definidos. Quando há uma exceção muito grande, como o inquilino ter que sair do imóvel por algum motivo não previsto, é muito difícil quebrar o processo e abrir uma exceção. Mas agora, com o tamanho que alcançamos, o número de exceções também aumenta e precisamos colocar processos para tratar delas.
Vou dar um exemplo: a pessoa estava no sexto mês de contrato ainda e teve que sair do apartamento por causa da morte de um parente com covid. Essa pessoa conversa com o proprietário, que concorda em não cobrar a multa a que teria direito. Mas eles chegam até nós e levam algum tempo para efetivar porque isso não estava previsto nos processos. Boa parte do investimento do qual falei em tecnologia é para criar processos para lidar com as exceções de forma consistente e escalável.
Número dois, precisamos resolver o problema de venda de imóvel no mercado. É um sofrimento muito grande e há uma assimetria de informações entre as partes. O vendedor não sabe se pediu o preço certo, e o comprador, se ofereceu o valor adequado. Quem compra não sabe o que aconteceu no imóvel historicamente, se corre o risco de perdê-lo se houver uma ação trabalhista. Como podemos criar um sistema que possa deixar as duas partes -- vendedor e comprador - tranquilos?
Na minha opinião, nós conseguimos resolver o problema da experiência com o aluguel. Nossa meta agora é resolver esses problemas com a venda de imóveis.
E a terceira é atender as pessoas que estejam em casa, precisem de um serviço e hoje não têm algo algo à disposição por meio do condomínio.