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Rumo ao passado

Em mais uma tentativa para aumentar participação de mercado e lucros no Brasil, a Coca-Cola apela para as velhas garrafas de vidro. Vai funcionar?

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h54.

Um velho hábito dos brasileiros que parecia pertencer definitivamente ao passado pode estar voltando: levar garrafas de vidro vazias de Coca-Cola aos supermercados e padarias para ser trocadas por cheias. Durante quase uma década o consumidor se habituou ao conforto da garrafa de plástico descartável, que não entulha os armários, e eliminou aquele vaivém infernal de embalagens. Por que, então, a Coca-Cola decidiu ressuscitar as velhas garrafas de vidro? Pode parecer surpreendente, mas essa é a nova arma com que a companhia pretende combater os refrigerantes populares, as chamadas tubaínas.

Desde maio deste ano as garrafas de vidro passaram a ser comercializadas em 4 000 pontos-de-venda nos subúrbios da região metropolitana do Rio de Janeiro. A meta é atingir 7 000 pontos até o final do ano. O clenc-clenc dos cascos barulhentos também começou nos bairros mais populares de algumas cidades de Minas Gerais. Nesses mercados, a Coca-Cola está distribuindo as novas velhas garrafas de 1,25 litro em bares, padarias, mercearias e supermercados de menor porte, onde a concorrência com as tubaínas é maior. Outro produto que está sendo lançado agora, também em versão retornável, é a garrafinha de 200 mililitros, que será vendida a 50 centavos.

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A estratégia foi traçada pela matriz, em Atlanta, nos Estados Unidos, em meados do ano passado, e é mais uma tentativa de melhorar os resultados da operação no Brasil. Com um volume de vendas anual de 6 bilhões de litros de refrigerante (incluídas aí todas as suas marcas) e faturamento de 5,5 bilhões de reais, a Coca-Cola brasileira é a terceira maior operação da empresa no mundo, só atrás de Estados Unidos e México. Em termos de rentabilidade, porém, está na 20a posição no ranking da corporação. Cansada de esperar que a operação brasileira produza resultados mais expressivos, o comando da Coca-Cola escalou para o Brasil o executivo americano Brian Smith, de 47 anos, braço direito do vice-presidente mundial, Brian Dyson. "A lucratividade no Brasil está muito abaixo do que poderia ser", diz ele. Formado em administração de empresas pela Universidade de Chicago, Smith desembarcou no Brasil em agosto do ano passado com a missão de fazer a subsidiária da Coca-Cola ganhar mais gás. É a terceira vez, em seis anos, que a empresa tenta achar uma solução para a crise do mercado brasileiro. Smith é o terceiro presidente a passar pela operação desde 1997. Como o renascimento do casco pode ajudar? Em teoria, baixando os custos e o preço do produto, atraindo um público ávido por ofertas e assegurando lucros maiores. Tudo o que, aliás, os antecessores de Smith tentaram fazer, sem grande sucesso no longo prazo.

Hoje as Cocas da embalagem de plástico (também chamada de PET) de 2 litros chegam ao supermercado a um preço médio de 2,20 reais. Na garrafa de vidro, uma Coca de 1,25 litro está sendo vendida por 1,10 real, preço semelhante ao praticado pelos refrigerantes talibãs, vendidos em PET. "Nossas pesquisas revelaram que o consumidor de menor renda só não compra a Coca-Cola por causa do preço", diz Smith. "Dessa forma a vantagem das tubaínas desaparece."

Com uma logística de distribuição muito mais simplificada do que a exigida pelas garrafas de vidro, as embalagens PET, introduzidas no mercado por iniciativa da Coca-Cola, foram uma das chaves para que os fabricantes de refrigerantes talibãs abrissem as portas para entrar nos grandes varejistas. "A embalagem não retornável foi um tiro no pé da Coca-Cola brasileira", diz Francis Liu, analista do mercado de refrigerantes da consultoria Booz Allen Hamilton. Nos últimos dez anos o número de fabricantes de tubaínas passou de 55 para 750 e hoje eles são donos de 35% do mercado do país.

"Nosso problema não é apenas combater as marcas talibãs", diz Smith. "Mas fazer isso sem comprometer as margens das engarrafadoras franqueadas." Foi aí que veio de Atlanta a decisão de reeditar as garrafas de vidro. Os custos do vidro, segundo os fabricantes da Coca-Cola, bem menores que os da embalagem PET, permitiriam baixar os preços sem reduzir a rentabilidade. "Estimamos que nossos custos diretos com embalagens retornáveis possam ser um décimo dos das descartáveis", diz Ricardo Vontobel, presidente da Associação dos Fabricantes de Coca-Cola e do grupo Vonpar, fabricante do refrigerante no Rio Grande do Sul. "A conta é simples. A garrafa PET só pode ser usada uma vez. Já a retornável pode ser usada 20 vezes, o que faz com que a garrafa de vidro saia muito mais barata, mesmo considerando a logística e os custos com lavagem."

Segundo Smith, ao contrário das outras opções, o custo do vidro não sofre com as variações cambiais nem com as do preço do petróleo. As PET são feitas de resina, cuja principal matéria-prima é o petróleo. E as latas -- outra opção -- são feitas de alumínio, matéria-prima cotada em dólar. "Uma alta nessas duas variáveis, como as ocorridas no ano passado, pesam no custo", diz ele. Num momento em que o preço final ao consumidor da Coca-Cola já não está competitivo, o fabricante tem medo de repassar integralmente os aumentos para as prateleiras. "Tínhamos receio de afugentar ainda mais os consumidores e aumentar a desvantagem em relação às tubaínas", diz Vontobel.

Segurar os preços permitiu à Coca-Cola recuperar, de dois anos para cá, sua participação no mercado para os níveis históricos de 50%. Em 1999, no auge da crise da concorrência com as tubaínas, sua fatia no mercado caiu para 48,4%. Mas o preço da estratégia foi alto: a redução da lucratividade da subsidiária brasileira, algo que não vem sendo mais tolerado pela matriz, em Atlanta. "Para chegar ao resultado, precisamos também arrumar a casa", diz Smith, num espanhol mesclado com português. (Embora tenha vivido quatro anos no Brasil, seu antecessor, Stuart Cross, só se comunicava em inglês, com exceção de uma palavra: tubaína.)

O organograma da empresa foi redesenhado. No começo deste ano, 50 executivos da sede da companhia, na praia de Botafogo, no Rio de Janeiro, foram demitidos. Com isso, Smith quis reduzir os níveis hierárquicos que aumentavam as distâncias da sede com os fabricantes e dar mais rapidez à tomada de decisões. Foram escalados executivos para trabalhar diretamente com os engarrafadores. As áreas de marketing, planejamento estratégico, novos produtos e operações foram fundidas numa mesma vice-presidência, sob o comando do alemão Hendrik Steckhan, que ocupava, desde o ano passado, a diretoria de planejamento.

ESSA É A REAL
Nos últimos anos a Coca-Cola vem conseguindo recuperar
a participação de mercado perdida para outras marcas
Volume vendido (em bilhões de litros)
19985,2
19995,3
20005,7
20015,8
20026
Participação no mercado (em %)
199848,5
199948,4
200049,7
200150,3
200250,4
DESCARTÁVEL PESADO Participação das garrafas
de plástico nas operações da Coca-Cola em alguns países (em %)
Estados Unidos99
Brasil90
Argentina70
Alemanha50
México20
Fonte: empresa

O paradigma de sucesso para Atlanta é a operação mexicana, a segunda maior do mundo em volume de vendas e em rentabilidade. No ano passado, os mexicanos tomaram 12 bilhões de litros de Coca-Cola -- o dobro do Brasil. O consumo anual per capita do refrigerante no país, de 487 copos, supera até mesmo o dos Estados Unidos, de 436 copos, e é três vezes o brasileiro, de 146 copos. No México, 80% do mercado é formado por garrafas retornáveis. No Brasil, mais de 90% das vendas são de garrafas PET. A Coca-Cola quer que nos próximos dois anos pelo menos 25% das garrafas no Brasil sejam retornáveis.

Enquanto as vendas da subsidiária brasileira caíram 6% no primeiro semestre deste ano em relação ao primeiro semestre de 2002, as do refrigerante em garrafas de vidro cresceram 10% nos últimos três meses. "Agora podemos reconquistar as classes C e D", diz Osório Adriano Neto, presidente da Brasal, engarrafadora franqueada localizada no Distrito Federal. "O maior trunfo da Coca-Cola é a marca", diz Adalberto Viviani, presidente da Concept, consultoria paulista especializada em bebidas e alimentos. "Se o consumidor perceber que pode comprar o produto a um preço quase igual ao da tubaína, ele certamente vai preferir a Coca-Cola." A Cisper, fabricante de garrafas de vidro, estima que até o fim do ano sua produção de vasilhames para a Coca-Cola deva crescer 20%. "Estamos nos preparando para o boom que vai acontecer", diz Julio Barbedo, gerente de vendas da Cisper. Será? A volta do casco encontra forte resistência dos grandes varejistas. Nelson Sendas, presidente da rede carioca de supermercados Sendas, uma das maiores do país, afirma que é inviável pensar em dar esse passo rumo ao passado. "É uma operação trabalhosa tanto para o supermercado quanto para o cliente", diz. Os especialistas em logística e em distribuição para os canais de varejo estão observando os movimentos da Coca-Cola com atenção. "É verdade que o custo do vidro é menor", diz Giovanni Fiorentino, vice-presidente da consultoria de estratégia Bain & Company. "Mas a logística de manuseio das garrafas, que precisam ser transportadas de volta, lavadas e armazenadas, tende a anular essa vantagem."

Os concorrentes também estão céticos sobre a substituição do plástico por vidro -- se ela seria capaz de reduzir tanto os custos da Coca-Coca a ponto de viabilizar os preços cerca de 25% menores que vêm sendo praticados. "Isso é impossível", diz um executivo do setor. "Os preços devem estar sendo subsidiados, e o objetivo das garrafas de vidro pode ser fidelizar o consumidor." Smith sustenta que a estratégia foi toda montada para reduzir custos e aumentar a rentabilidade do sistema. "Nossas margens não permitem subsidiar preços", diz Vontobel. Para alguns técnicos que acompanham o setor, a explicação é outra. "A Coca simplesmente cortou os preços para concorrer com as tubaínas", diz um especialista. "Como não era possível fazer isso apenas em alguns locais, a saída foi inventar uma versão diferente, de vidro."

De pedra a vidraça

Desde que começou a enfrentar a concorrência das tubaínas, a Coca-Cola colocou-se na posição de vítima de uma disputa desleal. Sua alegação sempre fora que a maior parte desses fabricantes sonegava impostos, o que lhes permitia vender seus produtos a preços bem menores do que o das marcas líderes. Agora a companhia deixou de ser pedra para virar vidraça.

No final de agosto, Laerte Codonho, dono dos refrigerantes da marca Dolly, de São Paulo, entrou com representação no Conselho Administrativo de Direito Econômico (Cade) pedindo a apuração de práticas de concorrência desleal e de abuso de poder econômico por parte da Coca-Cola. Sua acusação tem como lastro uma série de fitas de vídeo com depoimentos de Luiz Eduardo Capistrano do Amaral, ex-diretor de compras estratégicas da Panamco -- a maior fabricante da Coca-Cola no Brasil, comprada, no final do ano passado, pela mexicana Femsa. Capistrano, sem saber que estava sendo gravado, teria revelado, durante conversa com Cadonho, qual seria a estratégia da Coca para tirar a Dolly do mercado. E comprometeria o então presidente da Panamco, o argentino Jorge Giganti, ao acusá-lo de ser o mentor da estratégia.

Um dos planos postos em ação, segundo Cadonho, foi a distribuição de um e-mail acusando os refrigerantes da marca Dolly de causar câncer. Os e-mails teriam sido impressos e distribuídos em pontos de ônibus e hospitais. "Eles queriam estrangular a Dolly", diz Cadonho. O caso foi parar na 3a DP de Diadema, na Grande São Paulo, onde estão correndo os inquéritos policiais. Em depoimento às autoridades, Capistrano negou as acusações. O comando da Coca-Cola no Brasil não quis se pronunciar sobre as denúncias. Em nota à imprensa, a empresa afirma estar sendo alvo de denúncias que não condizem com seu "padrão ético" e que está estudando medidas judiciais contra a Dolly.

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