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Retorno, liquidez e a teimosia dos investidores

O investidor brasileiro quer produtos financeiros que oferecem o combo rentabilidade e acesso rápido ao dinheiro, mas não é possível

Se o objetivo é liquidez, o que o investidor precisa mirar nos produtos de menor custo e complexidade possível (Patricia Monteiro/Bloomberg/Getty Images)

Se o objetivo é liquidez, o que o investidor precisa mirar nos produtos de menor custo e complexidade possível (Patricia Monteiro/Bloomberg/Getty Images)

Juliana Machado*

Juliana Machado*

Publicado em 28 de outubro de 2021 às 09h57.

Uma das coisas mais comuns para quem trabalha com finanças no Brasil é ouvir de investidores dúvidas sobre produtos que oferecem o combo rentabilidade e acesso rápido ao dinheiro. Além de ser uma das dúvidas mais comuns, essa também é uma das coisas mais difíceis de responder, porque a resposta passa por convencer a pessoa de que ela deveria abandonar esse barco. Sim, se você é a pessoa que gostaria de investir em alguma coisa que seja rentável e, ao mesmo tempo, permita a você acessar o dinheiro a qualquer momento, reveja suas premissas de investimento, porque elas podem prejudicar (e muito) a sua carteira.

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Quando falamos de objetivo financeiro ao investir, tem a ver justamente com esse tema. Na reserva de emergência, por exemplo, não estamos buscando rentabilidade, e sim liquidez, um jargão do mercado para acesso rápido aos recursos. Se o objetivo é liquidez, o que o investidor precisa mirar nos produtos de menor custo e complexidade possível – a meu ver, os fundos DI com taxa zero, que alocam 100% em títulos do Tesouro indexados à Selic.

Se o foco é liquidez, é incorreto querer que essa fatia entregue também rentabilidade alta, quiçá acima da média. E isso porque, se você pode acessar os recursos a qualquer tempo, vai correr o risco de vender/pedir resgate no pior momento do mercado, assumindo perdas. Logo, a fatia de liquidez deve ser destinada aos produtos mais conservadores possíveis do mercado, e não aos que vão entregar retornos. É por isso que sempre dizemos que investidores fundamentalistas e de fundos precisam abrir mão da liquidez para obter maior rentabilidade, seja para investimentos em crédito privado, seja para ações, seja para o que for que tenha níveis de risco adicionais.

Não dá para casar liquidez elevada com rentabilidade. Até os fundos de investimento utilizam essa premissa. Neles, carregar um caixa elevado (aplicações muito conservadoras para pagar os cotistas que pedem resgate) é um detrator de performance e eficiência. Por esse motivo, quando as boas casas de gestão ativa o fazem, é por tempo limitado, quando a convicção e visibilidade está baixa no mercado – e, ainda assim, sempre cuidando para que a posição não seja muito grande.

Se o fundo começa a ter muitos saques, vai precisar vender suas posições ao preço que o mercado estiver pagando para fazer frente aos pedidos de resgate. Não é preciso ser um expert para entender como isso é um veneno para qualquer estratégia. E é por isso que fundos de ações oferecem liquidez em 30 dias ou até mais. Você pode achar que o mercado no Brasil é líquido e não precisa disso, mas a gestora sabe o que ela é capaz de entregar. É do jogo.

Nos fundos de crédito privado, sempre subestimados e lembrados em períodos de crise, isso também se repete. Assim como outros de gestão ativa em outros mercados, esses fundos precisam ficar alocados por um tempo nos títulos para que a rentabilidade se multiplique. Eles frequentemente vendem e compram títulos nos mercados primário (novas emissões) e secundário (de outros credores), mas precisam de tempo para que as estratégias deem resultado. É por isso que tais fundos oferecem um resgate acima de 30 dias ou até mais. Não é para tutelar você, cotista. É para zelar e controlar o passivo (saída de cotistas) e a estratégia do fundo.

Liquidez adequada é um troço tão importante para a rentabilidade dos produtos que os fundos de crédito privado que operam o segmento high yield, o chamado crédito estruturado, ou seja, de emissores com maior risco de calote (maior risco de crédito) ou com dívida estressada, oferecem uma liquidez ainda menor. Essa dívida tem menos volatilidade porque não é negociada no mercado secundário, como ações e títulos mais líquidos, e oferece retornos maiores porque o risco associado é maior. Logo, a equação só vai fechar com liquidez reduzida: volatilidade baixa com retorno alto depende de prazo longo. Aqui, para se ter uma ideia, estamos falando de fundos com saída permitida em 6 meses ou até mais. É o certo.

Como analista de fundos e com visão fundamentalista da coisa, naturalmente o meu viés de longo prazo me impede de alcançar a necessidade enfadonha do investidor de acertar a todo momento a hora de entrar e sair de algum ativo. Entendo momentos de estresse, falta de visibilidade do mercado, pressão sobre os ganhos. Mas é justamente por isso que educadores financeiros insistimos tanto em diversificação e adequação dos investimentos ao perfil: o investidor fará alguns ajustes na carteira, via novos aportes em fundos que tenham oportunidade ou que equilibrem o portfólio, mas vai evitar a correria e o quebra-quebra de períodos de crise. E o melhor, vai passar com menos danos por esses momentos.

Uma coisa é diminuir o risco de uma carteira porque o cenário que se desenhou está pior – como é o caso atual do Brasil. A outra é tentar maximizar o retorno buscando o momento certo de entrar e sair – ou, pior ainda, querer comprar ou vender algo porque está todo mundo fazendo alguma coisa.

Quem investe via fundos deveria ter ainda menos propensão ao comportamento “curto-prazista”, já que, nos fundos, a incidência de impostos é maléfica com quem faz negociações de curto prazo. Mas qualquer investidor que queira preservar e maximizar seu patrimônio deveria fugir dessa armadilha e começar a gastar energia onde precisa: nos bons investimentos, na diversificação e nas boas estratégias. Essa é a lei da sobrevivência no mercado para nós, pequenos peixes, num mundo de tubarões.

*Juliana Machado é analista CNPI e integra o time de análise de fundos de investimento do BTG Pactual digital. É jornalista formada pelo Mackenzie, com pós-graduação em economia brasileira pela Fipe-USP. Atuou com análise e seleção de fundos de investimento na EXAME e escreveu por quatro anos para o Valor Econômico, nas áreas de governança corporativa e bolsa de valores. Escreve para a EXAME Invest quinzenalmente.

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