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O preço e o valor de doar

Meu desafio primordial é exatamente adequar os recursos dos meus clientes aos seus valores pessoais

Sigrid Guimarães: Se eu olhasse para os meus clientes apenas como investidores, só me restaria tentar dissuadi-los dos seus melhores propósitos (Alocc Gestão Patrimonial/Divulgação/Divulgação)
Sigrid Guimarães

CEO da Alocc Gestão Patrimonial

Publicado em 10 de julho de 2023 às 13h47.

Você caminha por aí, alguém pede uma quentinha, você olha e acredita que ir comprá-la no boteco da esquina é realmente a coisa certa a fazer. Você conhece uma instituição que faz um trabalho incrível e fica sonhando em participar. Você se entusiasma arquitetando intimamente um projeto para mitigar a miséria, promover igualdade de oportunidades, liberdade, cultura, sustentabilidade ambiental... ou  apenas sonha poder ajudar um conhecido que precisa de uma mãozinha.

Se eu olhasse para os meus clientes apenas como investidores, só me restaria tentar dissuadi-los dos seus melhores propósitos. Do ponto de vista dos investimentos, nada que implique abrir mão de recursos a fundo perdido pode ser um bom negócio. Diferindo apenas pelo valor, uma Lamborghini, um jantar nos restaurantes mais caros do mundo, uma quentinha ou uma polpuda doação à mais nobre das causas entrarão na mesma coluna da planilha: “gastos”. Por essa ótica míope, é melhor substituir o filé por um ensopadinho de chuchu e passar indiferente pelo mundo ao seu redor. Ocorre que esse raciocínio aritmético, simples e objetivo não dá conta das nossas ambições, complexas e subjetivas. Não impede que as vendas da Lamborghini cresçam ano a ano nem que restaurantes estrelados tenham listas de espera. Felizmente, tão pouco evita que milhões de brasileiros, inclusive e talvez principalmente gente bastante humilde, doem bilhões, todos os anos, das mais diferentes formas e para as mais diversas causas. É prova de que seres humanos continuam a ser humanos e a construir hierarquias pessoais de valores, sem correspondência imediata com o preço do dinheiro.

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Por sorte, não sou diretora de banco, mas sim de um Family office, posso e devo enxergar o que está além das cifras. Afinal, meu desafio primordial é exatamente adequar os recursos dos meus clientes aos seus valores pessoais. Não me cabe estabelecer a hierarquia, mas, na medida do possível, viabilizá-la e, principalmente, informar meus clientes sobre o que suas escolhas representam em termos materiais. Para ficar num exemplo singelo, um jantar num restaurante com três estrelas no Michelin ou 150 quentinhas consumirão aproximadamente um dia do orçamento anual de alguém que pretenda viver com R$ 500 mil por ano. Não tenho meios para saber nem o direito de julgar o que importa mais a cada um a cada momento, mas fico tranquila sabendo que meus clientes têm parâmetros para decidir.

Toda doação implica uma renúncia, mas ela pode se expressar diferentemente para quem já conta com recursos suficientes para bancar sua vida e para quem ainda está formando patrimônio. Contrabalançar a generosidade com a redução proporcional de outras despesas é uma alternativa em qualquer caso. Contudo, quem já vive de renda mais do que o suficiente para os seus presumíveis anos de vida pode manter seu padrão de vida reduzindo a duração do seu patrimônio e seu possível legado, enquanto quem ainda está acumulando pode optar por aumentar seu tempo de trabalho e acumulação.

O risco de não dispor dessas informações é avaliar mal o seu prazer. No final das contas, ter que trabalhar alguns meses a mais pode ser preço caro demais a pagar pela euforia fugaz do luxo. Já um ano de trabalho pode sair barato diante da alegria duradoura de ter ajudado alguém a sair do fundo do poço, contribuído para preservar nosso planeta, incentivado as artes ou a ciência ou oferecido oportunidades a crianças que jamais as desfrutariam se você não tivesse se feito presente na vida delas. – Naturalmente, essa alegria é inacessível a quem encare uma doação como investimento em relacionamentos profissionais, prestígio social ou direito de vassalagem. Esse doador/investidor será levado a comparar continuamente os resultados da sua doação para si mesmo à rentabilidade de alguma outra aposta. Em casos assim, seria melhor negócio ficar com os investimentos tradicionais ou com os clássicos objetos de status.

Isso posto, conhecer o impacto das doações sobre o seu patrimônio importa especialmente a quem está comprometido ou pretende se comprometer com uma contribuição regular. Ser surpreendido pela necessidade de cessá-la pode significar deixar na mão e, quem sabe, destruir os planos de quem contava com você, e frustrar-se a si mesmo.

De fato, é bastante normal sentir-se inseguro em relação ao melhor destino para suas contribuições e quanto à capacidade de mantê-las. Também para isso, é útil contar com um gestor patrimonial. Como regra geral, o caminho mais seguro é definir no seu planejamento anual um volume específico para doações esporádicas, em vez de doar uma grande soma de uma vez só. Assim, é possível ajustar as contribuições a sua disponibilidade, acompanhar o desempenho dos projetos e atender a causas que se tornem mais urgentes ou relevantes para você. Contudo, sempre há variáveis particulares a serem analisadas.

No mais, é como diz o velho adágio português: “Mais vale um gosto do que seis vinténs na algibeira”. A tarefa de cada um, pessoal e intransferível, é ouvir a si mesmo, confrontar valores e escolher o que o faz feliz.

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