Gustavo Franco: É difícil compreender a atual dinâmica das variáveis econômicas no Brasil (Leandro Fonseca/Exame)
Redação Exame
Publicado em 6 de janeiro de 2025 às 13h02.
Última atualização em 9 de janeiro de 2025 às 17h09.
Retrospectiva 2024
Bastaria dezembro, ou mais precisamente o pacote de 28 de novembro, que ocupou o noticiário pelo restante do ano para definir as contradições de 2024: um pé no acelerador (fiscal), outro no freio (monetário), como nunca antes, o carro andando meio de lado, meio de frente, meio torto, sem muita direção, correndo riscos.
Com que estranha naturalidade o Brasil convive com taxas de juros que seriam mortais em outros países?
Mas que não haja engano: o pé no freio assim tão pesado se destina a compensar a irresponsabilidade com que o governo pisa no acelerador. As distorções não são solteiras. Faria todo o sentido que houvesse um pacote de redução de gastos, como de fato se tentou. Tirar o peso do acelerador e do freio simultaneamente. Mas simplesmente não aconteceu. Não era tão difícil e ainda pode acontecer na segunda metade dessa presidência, mas não parece nada provável. O próximo ano é de eleição.
O ano começou como todos os outros, vazio de conteúdo nos primeiros meses do ano. O programa Nova Indústria Brasil atingiu seu objetivo de ocupar boa parte do noticiário ao longo desses meses e garantir um exílio confortável a Aloizio Mercadante, presidente do BNDES, e suas tropas.
Não é que o programa seja inteiramente irrelevante, seus desígnios (transformação digital; descarbonização, cadeias agro, entre outras) são nobres demais para essa qualificação. O adjetivo talvez mais próprio é ‘inofensivo’, já que 90% dos R$300 bilhões a serem gastos ao longo de alguns anos já iam acontecer de qualquer jeito. O programa buscava assegurar a paz social dentro do PT, e mais especificamente prestigiar Mercadante (e Geraldo Alckmin) bem como os patriotas acantonados no BNDES esperando um chamamento que não ocorrerá.
Os “balões de ensaio” são muito comuns antes do Carnaval, quando o Legislativo ainda não trabalha por inteiro e o céu de Brasília fica parecido com o da Capadócia. Os grandes balões dessa safra foram as declarações do Presidente sobre política externa, com lições sobre o conflito no Oriente Médio, a guerra na Ucrânia e sobre a democracia na Venezuela, assuntos inesgotáveis, e, numa clave menor, o ministro Haddad, em sua fala de abertura de reunião de ministros do G20, dissertou para o “Jornal Nacional” sobre “globalização inclusiva” e “fazer com que os bilionários do mundo paguem, sua justa contribuição e impostos”. Eram tentativas de encontrar novas agendas.
O anúncio da nova política industrial em janeiro não foi exatamente uma lufada de ar fresco. Foi, ao invés, uma demonstração dos limites da reciclagem. Os velhos programas petistas não pareciam ter os mesmos efeitos de antes e o ministro Haddad havia se amarrado em duas prioridades novas e difíceis: o arcabouço fiscal e a reforma tributária.
O arcabouço trouxe para o governo a meta de déficit zero, mas o próprio residente Lula afirmou que se a meta se mostrar “irreal” será mudada: “Se der para fazer superavit zero, ótimo. Se não der, ótimo também”[1]. Para que serve uma meta assim tão volúvel?
É claro que não se trata de um substituto para o teto de gastos.
A segunda prioridade do ministro Haddad foi a reforma tributária, um assunto muito difícil, e do qual o governo não tirou nada de positivo. A promessa era de algo transcendente como o Plano Real, mas não vai passar nem perto. Se o jogo terminar empatado, sem maiores distorções novas, será razão para comemoração, e ainda não está acabado.
Em março, o grande evento do mês não foi um vírgula, mas um plural no comunicado do COPOM, que antevia uma redução na Selic “na próxima” reunião, e não mais “nas próximas”.
A Selic começou o ano em 11,75%, vinha caindo 50 pontos a cada reunião, e o debate da taxa terminal parecia se aproximar perigosamente do momento da indicação do sucessor de Roberto Campos Neto.
A essa altura, muito comedido e quase tropeçando nas palavras, o presidente do Banco Central do Brasil (BCB) advertiu que quando há “uma mudança do governo que faz com que a âncora fiscal fique menos transparente, o custo da política monetária aumenta”.
Quis o destino que o primeiro presidente do BCB atuando dentro de mandato de presidente diferente daquele que o nomeou viesse a enfrentar um crowding out de livro texto, ou seja, uma inconsistência entre política fiscal expansionista e política monetária comprometida com uma meta identificada como a estabilidade.
Foi também uma peripécia do destino que o presidente da República, de conhecido viés midiático, resolvesse contestar publicamente a política monetária como se os juros altos não tivessem nada que ver com a política fiscal.
O presidente Lula gastou muito de seu tempo se queixando de ter herdado Roberto Campos Neto. Com a mão esquerda se queixava dos juros altos e com a direita afirmava que não ia interferir na política monetária. Eram apenas palavras ao vento, pois o presidente não se movimentou para “renunciar” RCN como Costa e Silva fez com Denio Nogueira, o primeiro presidente do BCB que teve mandato.
Que não haja dúvida: a primeira metade da terceira presidência Lula é de crowding out e em meados de 2024 circulavam muitas dúvidas sobre a política econômica: até onde poderá ir a desconexão entre o fiscal e o monetário? A inconsistência poderia ser resolvida com a troca do presidente do BCB (e mais dois diretores)? Haveria alguma ação relevante de política fiscal capaz de resolver o problema? De um lado, o governo vinha exibindo crescentes dificuldades conceituais e práticas de conviver com a ideia de responsabilidade fiscal. Era como se fosse necessária a reafirmação de uma identidade de esquerda, parte da qual compreenderia a descrença nos dogmas da política fiscal convencional. De outro, pareciam claras as resistências institucionais (e do mercado) à irresponsabilidade aberta. A falta de direção na economia ia ficando mais clara ao longo do ano.
Foi nesse contexto difícil que o Executivo enviou ao Congresso uma modificação no projeto já enviado para a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2024, pelo qual alterou para pior a meta para o resultado primário prevista no “arcabouço”. Uma vez mais, apelou-se ao realismo orçamentário.
Originalmente, o arcabouço previa déficit primário zero em 2024 e superávits de 0,5% do PIB, em 2025, e de 1% do PIB, em 2026. Depois de modificados os números o que se tem é um superávit de 1% ao longo de 4 anos, não apenas “muito menos do que o requerido em um único ano para manter a dívida estável como proporção do PIB”[2], como também a meta fiscal, depois dessa modificação, desceu à categoria das “Metas indicativas”, aquelas que não mordem, ou que, uma vez infactíveis por qualquer razão, são alteradas sem dó.
Em seguida à modificação na LDO, na manhã do dia 22 de maio, o ministro teve uma distração reveladora, compareceu à Comissão de Finanças e Tributação da Câmara e passou várias horas mergulhado no tema do imposto das blusinhas. O relacionamento entre o Executivo e o Congresso não estava em um bom momento. Qualquer assunto menor tinha potencial de crise. Tensões cresciam por todo lado, alimentadas pela perda de popularidade do presidente Lula e pela sucessão nas lideranças das duas Casas Legislativas.
Diferente do esperado pelo governo, o assunto da política fiscal cresceu muito em complexidade: têm surgido muitas dúvidas sobre o arcabouço fiscal, ou sobre o que dele sobrou, e mais genericamente acerca do que pretende o governo no assunto da sustentabilidade da dívida interna e da responsabilidade fiscal. O governo, e o presidente Lula em particular, não esperava por isso. Reconhecidamente, há várias correntes de pensamento sobre esses assuntos dentro do governo, cabendo ao ministro fazer uma espécie de conciliação entre esses grupos. Não tem sido fácil. Afinal, a política fiscal é fixada pelo Executivo, que também fixa as metas que o BCB deve seguir, e as duas fixações não são consistentes. Como pode ser?
O presidente Lula costuma desempatar esse tipo de inconsistência, que o ministro faz um bom trabalho para amortecer.
Mas esse método “dialético” de determinação da política fiscal não é bom para a previsibilidade das coisas na economia. É o presidente da República quem decide por último, e quem fez a síntese. Não ficam assuntos sem solução, mas qual é a lógica?
Dias depois da sessão sobre as blusinhas, o ministro anunciou que ia visitar o Papa Francisco para tratar da tributação mundial sobre os super ricos. Que dizer da economia quando o ministro das finanças larga tudo para ir consultar o papa?
Enquanto isso, as diferenças de opinião no interior do COPOM ganharam as manchetes. A reunião de maio mostrou o segundo placar de 5 a 4 da história desse comitê[3]. Desta vez, o presidente Roberto Campos Neto votou com o grupo mais dovish, a favor de uma redução na SELIC de 0,5%.
A repercussão na imprensa enfatizou a partidarização do comitê, observando que os quatro dirigentes nomeados por Lula votaram juntos, ao passo que os nomeados por Bolsonaro votaram por uma redução menor. Roberto Campos Neto desempatou em ambas as ocasiões, uma para cada lado.
É péssima a ideia pela qual vão funcionar bancadas no COPOM, em conflito com a cultura de colegialidade que sempre orientou a diretoria do BCB. De fato, com a substituição dos três dirigentes que terminarão seus mandatos ao final de 2024, o Presidente Lula terá nomeado 7 de 9 dirigentes do BCB.
Estará formada uma “bancada vermelha”? O que realmente pensa o presidente Lula sobre a autonomia do BCB, tendo em vista suas constantes reclamações na imprensa?
Parecendo querer responder a essas perguntas, o mês de junho foi todo de declarações do Presidente. Perderam-se as nuances e as tecnicalidades referentes às políticas fiscal e monetária, e todos fomos transportados para uma espécie de programa de auditório, ou para uma rede social, sob o comando do presidente.
No dia 17 de junho o Presidente recebeu os ministros Haddad e Tebet que trouxeram dados sobre subsídios e renúncias fiscais que teriam deixado o Presidente “extremamente mal impressionado”. Parece ter sido nessa conversa o amadurecimento da percepção pela qual não seria possível fechar as contas apenas pelo lado da receita.
Mas no dia 18 este foi apenas um dos temas de uma entrevista muito polêmica na qual o Presidente retornava com todo vigor a Roberto Campos Neto.
O COPOM terminaria sua reunião no dia seguinte, dia 19, mantendo a taxa SELIC em 10,5% e daí até o câmbio atingir R$ 5,70, no dia 2 de julho, o Presidente não deu descanso ao BCB.
A reunião do COPOM do mês de junho trouxe uma decisão unânime para a manutenção da taxa SELIC em 10,50%. Curiosamente, foi a unanimidade o aspecto mais comentado dessa decisão: vale repetir, o COPOM se confunde com a diretoria do BCB, a qual, por sua vez, é colegiada por força de lei. É natural, portanto, que suas decisões se orientem pelo consenso e que os placares sejam muito mais frequentemente “sinalizações” do que verdadeiras divergências.
A decisão do COPOM de junho provocou irritação do Presidente, que uma vez mais subiu o tom de suas críticas à política monetária, bem quando se registravam os primeiros movimentos referentes à escolha do sucessor de Roberto Campos Neto.
A irritação do presidente nos assuntos monetários é compreensível, mas tem a ver com os assuntos fiscais, que são seus. A contrariedade é dupla. Não há solução fácil, nem uma “gaveta mágica” na Secretaria da Receita, tampouco uma fórmula de tributação progressiva que resolva o problema.
É curioso que o abandono da ideia de equilibrar as contas pelo aumento da receita tenha se confirmado apenas em julho com a inundação de memes sobre a fixação do ministro Fernando Haddad com impostos.
De todos os ministros da Fazenda a partir da Nova República, começando por Francisco Dornelles, que foi, inclusive, Secretário da Receita Federal, passando por renomados campeões da causa do equilíbrio fiscal, nenhum ministro falou tanto em impostos com tanto empenho e de forma tão desabrida quanto Haddad. Note-se que o Presidente não fala disso; o assunto pertence ao ministro, que é quem aparece nos memes e absorve essa energia. Será uma estratégia?
Em tese, o ministro que apostou num esforço de racionalização dos impostos sobre o consumo não precisava ser o mentor de um aumento assumido na carga tributária. São coisas diferentes[4]. Mas Haddad não apenas não se escondeu do assunto, como fizeram todos os seus antecessores, como adotou a vestimenta progressista ao advogar abertamente uma “reforma da renda”, como o próximo capítulo da reforma tributária, previsto para ocorrer em 2025.
Paulo Guedes tentou algo parecido, abrindo espaço para a Receita levar suas ideias diretamente ao Congresso. Haddad fará parecido, mas apenas em 2025, e o adiamento é rapidamente explicado pela pauta legislativa, e pelo tempo que se dedica à reforma tributária. O fato é que a “reforma da renda” virá no ano da eleição.
Julho também foi movimentado e desgastante no plano internacional, o que talvez tenha mantido o presidente Lula afastado da arenga com o BCB. Nos EUA, a grande surpresa foi a reviravolta na campanha presidencial, pela qual Kamala Harris passou à condição de candidata. Para o olhar brasileiro, a desistência de Biden, por sua própria iniciativa, pode ser uma mensagem para Lula, que era dado como certo na disputa em 2026, ao menos até sua cirurgia de emergência no começo de dezembro. O panorama para 2026 se modificou, inclusive com a vitória avassaladora de Trump.
O mês de agosto assinalou a indicação de Gabriel Galípolo para substituir Roberto Campos Neto na presidência do BCB. O ciclo de baixa já estava terminado, e com pouco debate, quando o COPOM se reuniu pela 264ª vez e manteve os juros em 10,50%, novamente, e em votação unânime. Portanto, o presidente Lula não teve que se debruçar sobre a escolha do novo presidente do BCB em momento de dúvida sobre a taxa terminal do ciclo de queda.
O presidente da República já não tinha se manifestado sobre a decisão da reunião anterior (a 263ª.), mas o diretor Gabriel Galípolo teve amplo espaço na imprensa para se expressar inclusive sobre a possibilidade de elevação da taxa de juros caso indicado e havendo necessidade. Já depois de confirmada a indicação, no dia 30/08, o próprio presidente Lula em notável reviravolta retórica afirmou que “se Galípolo disser que precisa aumentar os juros, ótimo, aumente”.
Assim terminou a Batalha de Itararé da indicação do substituto de Roberto Campos Neto, mais uma crise que não houve. O presidente Lula escolheu alguém de sua confiança, a pedido do ministro Haddad, no timing solicitado, e o escolhido falou o que o mercado queria ouvir.
Galípolo afirmou em mais de um evento público que “a alta de juros está na mesa, sim, e que o Banco Central não vai hesitar, se for necessário”. E foi o que de fato se passou. Em setembro, enquanto os EUA reduziram juros, o Brasil aumentou, e as razões foram locais: riscos fiscais bem conhecidos, sinais de superaquecimento e a iniciação de Gabriel Galípolo, que precisava demonstrar na prática que a elevação de juros não estava interditada.
O Brasil começava um ciclo de alta a partir de um ponto inicial já muito alto, o que poderia perfeitamente indicar um ciclo curto, talvez limitado às próximas reuniões, especialmente as duas últimas sob o comando de Roberto Campos Neto. O presidente Lula não comentou essas decisões do COPOM que acabaram aumentando a Selic ainda mais. Cerca de 10 dias depois da reunião de dezembro, que aumentou a Selic para 12,25%, o presidente Lula fez uma “live” com Gabriel Galipolo, ladeado pelos ministros Rui Costa (Casa Civil), Haddad e Tebet (Planejamento), na qual prometeu, olhos nos olhos do presidente indicado para o BCB, que “jamais haverá da parte dessa presidência qualquer interferência no trabalho que você tem que fazer no banco central”. E mais: “você será o presidente do banco central com mais autonomia que este país já teve”.
O vídeo e a apresentação do Relatório de Inflação, feita conjuntamente por RCN e Galípolo, definiram um processo suave e bem conduzido de sucessão no BCB. Foi a boa notícia que serviu para acalmar mercados financeiros muito nervosos em resposta ao fiasco do pacote de corte de gastos.
O Brasil ainda está dois degraus abaixo do grau de investimento, mas se esforça em vestir um modelito fiscal muito apertado para a sua realidade. Em setembro, inesperadamente, contrariando tendências e prognósticos fiscais, majoritariamente pessimistas, a Moody’s melhorou a nota de crédito do país em um degrau inteiro, de Ba2 para Ba1, ainda abaixo do chamado grau de investimento. O relato é que o presidente Lula pediu para acompanhar o ministro Haddad em reunião com a Moody’s em Nova Iorque e que desse esforço resultou o upgrade.
Boa notícia?
A teoria parece ser a de que a pessoa emagrece quando veste uma roupa apertada. Talvez o desconforto com a roupa muito justa produza alguma disciplina alimentar. Mas não é muito provável. O ideal seria a pessoa se convencer sobre a alimentação saudável para praticá-la com disciplina e, a seguir, caso siga a disciplina alimentar, desfrute de suas consequências.
O episódio é raro, não se vê agências de rating praticando ativismo, ou buscando incentivar seus clientes a adotar condutas virtuosas. A iniciativa da Moody’s não teve qualquer efeito sobre as percepções de especialistas sobre a situação fiscal do país. O Brasil vive num crowding out de livro texto que vai ficando mais agudo: estímulos fiscais que só fazem crescer e a política monetária trabalhando dobrado para manter a inflação na meta. Diz-se que os maiores obstáculos à responsabilidade fiscal estão no Congresso. Ou, mais precisamente, na política. E em outubro o governo sofreu uma séria derrota política nas eleições municipais.
O desempenho do partido do governo, em particular, foi muito ruim. Mesmo em redutos lulistas, no Nordeste ou em São Paulo, não houve vitórias expressivas. O maior troféu, a prefeitura de Fortaleza, foi descrito como “o gol de honra”, o que apenas assinala com clareza a derrota por goleada. A derrota mais dolorida foi a de Guilherme Boulos em São Paulo, disputa em que Lula mergulhou muito diretamente.
Seguindo-se às eleições recrudesceu o debate sobre a questão fiscal. As cobranças sobre o compromisso com as metas do arcabouço levaram o governo a se debater e espernear em visível desconforto. As implicâncias com emendas parlamentares têm muito a ver com a distribuição de culpas pela incapacidade de endereçar o problema fiscal.
Assim como envelheceu na política, o petismo parece também sem sintonia com os desafios econômicos desse novo tempo. O desenvolvimentismo inflacionista estava mesmo esgotado e acabado, mas não havia clareza o que o PT poderia trazer em substituição. O sonho de arrumar as contas através de aumento de impostos tinha sido discretamente colocado de lado. Tudo considerado, o crowding out brasileiro parecia subir a novos patamares: mais estímulo fiscal e mais juros, numa escalada preocupante e que parecia trazer de volta o fantasma da dominância fiscal. Tudo indicava na direção de alguma ação significativa do lado da despesa.
O pacote de redução de despesa foi apresentado com a pompa dos grandes anúncios na noite de quinta feira dia 28/11, com um pronunciamento do ministro da Fazenda em rede nacional de televisão, seguido de uma coletiva no dia seguinte pela manhã. Era o sinal inequívoco da grandeza da iniciativa, talvez aí uma indicação que Fernando Haddad estava recebendo o tratamento de presidenciável. Mas não foi uma boa ideia. Parecia que a máquina de comunicação do governo estava em dessintonia com a substância da coisa, um pacote muito magro de conteúdo.
A repercussão foi péssima, e certamente não foi um problema de comunicação, ou com a menção, por descabida que fosse, à isenção de IRPF para as rendas menores que R$5,0 mil. Na substância, o pacote é um conjunto vazio ao revelar muito claramente a extensão do desconforto do governo com a ideia de cortar gastos.
Ao nível conceitual, inclusive, é possível enxergar no pacote quatro fórmulas claras de não cortar despesas, ou de cortar vento:
O governo apresentou números para esses “cortes”, e estimou seus efeitos em R$ 70 bilhões para os dois primeiros anos. Era um número inchado, mas ainda assim minúsculo diante de um orçamento de 5 trilhões (somando as PLOAs de 2024 e 2025). E mais ainda se considerada a intervenção do Congresso, sempre no sentido de reduzir as “maldades”.
É claro que isso foi muito claramente percebido como um fracasso. O Congresso não criou maiores resistências, pois logo percebeu que não era seu papel inventar cortes que o Executivo não quis fazer.
Os mercados estressaram e o dólar foi a R$ 6,00, e o ano de 2024 foi terminando com um misto de ansiedade e de perplexidade. Uma parte do governo com o pé no acelerador, outra no freio. Sem o acelerador a economia encolhe, sem o freio ela capota. O ano que se inicia é de eleição, e o governo guardou para este momento a conversa sobre o que eufemisticamente designa como a “reforma da renda”, isto é, impostos.
[1] Segundo declarou o Presidente Lula em entrevista à Rádio Itatiaia durante visita a Minas Gerais em 8 de fevereiro https://www.poder360.com.br/economia/se-nao-der-para-cumprir-o-deficit-zero-otimo-tambem-diz-lula.
[2] Rogério L. F. Werneck “Arcabouço da farra fiscal” O Globo e O Estado de São Paulo 26/04/2024.
[3] O COPOM se manteve com 9 membros desde a sua criação em 1996. A outra reunião em que se observou um 5 a 4 foi a de 02/08/2023, de número 256.
[4] Veja-se “A esquerda e os impostos” O Estado de São Paulo, 23, set, 2023.