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Com ação na casa de R$ 1, Via sofre um caminhão de apostas contra a empresa na bolsa

Quantidade de ações com empréstimos em aberto supera 20% do total de emitidas; taxa de tomador atinge 120%, com alta demanda por posição vendida

Via: até agora, quem esteve vendido nas ações da varejista ganhou dinheiro (Divulgação/Divulgação)

Via: até agora, quem esteve vendido nas ações da varejista ganhou dinheiro (Divulgação/Divulgação)

Publicado em 25 de agosto de 2023 às 16h48.

Última atualização em 25 de agosto de 2023 às 19h28.

Nem o plano de reestruturação e nem a queda significativa na bolsa nos últimos anos impediram que a Via (VIIA3) se tornasse alvo de algumas das maiores posições vendidas do mercado brasileiro. Do total de ações emitidas pela dona das Casas Bahia e Ponto, 20,5% estão com empréstimos em aberto, segundo dados da B3. A quantidade reflete o volume das apostas vendidas na ação, quando o investidor lucra com a desvalorização do ativo. Ou seja, o investidor está apostando na queda das ações.

Alugar uma ação é o primeiro passo para formar esse tipo de posição. Para isso é pago uma "taxa de tomador" pelo aluguel das ações. Quanto maior a demanda pela posição vendida, maior é o preço dessa taxa. No caso da Via, o valor máximo dessa taxa chegou a 120% ao ano no pregão de quinta-feira, 24. Somente no último pregão, foi registrado o empréstimo de 33 milhões de ações da Via. Pela média ponderada, a taxa foi de 76,2%. Menor, mais ainda extremamente elevada se comparado aos preços pagos para formar posições vendidas em outros papéis. Menor mesmo do que outras empresas do setor de varejo. No caso da Magazine Luiza, por exemplo, a taxa média ponderada foi de 36%. Já a taxa para ficar vendido em Vale, uma das maiores e mais negociadas da bolsa, foi de 0,04%.

Quem recebe essa taxa é o "doador", que não pretende vender a ação no curto prazo e por isso disponibiliza suas ações para o aluguel. Além da taxa, esse investidor receberá a ação de volta no fim do período do aluguel. Do outro lado do negócio, o tomador, que alugou as ações e imediatamente as vendeu, terá que recomprá-las a preço de mercado para devolvê-las ao doador. Seu lucro líquido será a diferença entre o valor vendido e pago pelas ações, descontadas as taxas envolvidas.

Tanto as taxas quanto a quantidade de ações alugadas têm crescido gradativamente nos últimos dois meses. Desde 20 de junho, a quantidade de ações com empréstimos em aberto cresceu 95,5% até agora. O primeiro grande salto veio na virada do mês. Logo no primeiro pregão de julho, a quantidade de alugueis em aberto já havia saltado 48,7%. Essa quantidade seguiu em ascensão durante quase todo o mês de julho e atingiu um novo pico em agosto.

Com a quantidade significativa de ações de potenciais doadores já alugadas, as taxas para formar novas posições vendidas explodiram de vez nos últimos dias. A taxa ponderada disparou mais de 60 pontos percentuais desde 10 de agosto, dia da divulgação do balanço do segundo trimestre da Via e do anúncio das primeiras medidas da reestruturação da empresa.

Até agora, quem esteve vendido nas ações da Via ganhou dinheiro. Desde 20 de junho, ainda antes do volume de ações alugadas atingir novo patamar, as ações da Via caíram 38,5%. Hoje, cotada a R$ 1,60, a Via vale menos de 10% do valor de mercado que atingiu em 2020, em meio à euforia com o e-commerce brasileiro.

Ainda vale apostar na queda dos papéis?

Mas o preço elevado para ficar vendido, dada a menor quantidade de ações disponíveis para aluguel, e o próprio volume já elevado das apostas de queda são vistos como sinais de cautela. Uma das que tem optado por ficar de fora é a gestora paulista Norte Asset. A gestora teve mais de 2% de um de seus principais fundos alocados contra a Via, dada a perspectiva negativa para o setor na época. Mas a posição já foi desfeita. "Não há uma assimetria favorável mais, visto o atual preço da ação. Também não gostamos de ficar vendido em um papel em que todo mundo está. Há o risco de short squeeze", afirmou Roberto Vidal, sócio da Norte Asset, em entrevista a EXAME Invest.

O short squeeze, que na tradução literal seria algo como "expremer os vendidos", ocorre quando uma empresa com percentual relevante de suas ações alugadas passa a se valorizar na bolsa a ponto de forçar os vendidos a comprar as ações para zerar a operação, alimentando ainda mais a demanda pelo papel -- e, consequentemente, o preço.

Apesar do risco de short squeeze, analistas ainda não veem um gatilho para a apreciação dos papéis. De 10 analistas que cobrem a Via compilados pela plataforma TradeMap, nenhum recomenda a compra das ações da empresa. Mesmo com queda de mais 90% acumulada desde a máxima de 2020, 9 dos 10 analistas avaliam que o melhor é ficar de fora da ação e um deles recomenda a posição vendida.

Fatores de preocupação

Entre os analistas com recomendação neutra estão os do BTG Pactual (mesmo grupo controlador da EXAME), que veem uma dinâmica desafiadora para a companhia no curto prazo, com níveis de competição elevados no e-commerce e incertezas sobre a estrutura de capital da empresa.

A Via encerrou o segundo trimestre com R$ 875 milhões em caixa, R$ 359 milhões a menos que no mesmo período do ano passado e R$ 1,145 bilhão abaixo do registrado no fim do ano passado. Na comparação anual, a dívida líquida da Via cresceu R$ 440 milhões, considerando recebíveis, para R$ 2,425 bilhões.

A dinâmica negativa levou a nova direção da empresa, assumida pelo ex-Movida Renato Franklin, a anunciar no início do mês um plano de ação para tornar o negócio mais rentável, ainda que em um tamanho menor. Inclui na estratégia o fechamento de 50 a 90 lojas ainda neste ano, renegociação de alugueis e redução de estoques e de volume bruto de mercadorias (GMV, na sigla em inglês).

O contexto aumentou ainda mais a incerteza quando a Via expôs a necessidade de capital. Nos planos da empresa está o aumento de seu capital social em cerca de 1,4 bilhão de ações. O aval para tornar a operação viável foi posto em pauta da próxima Assembleia Geral Extraordinária, marcada para o dia 1 de setembro. Caso validada e precificada no atual cotação, a operação poderia levantar para Via cerca de R$ 2,24 bilhões.

Fontes do mercado ouvidas pela EXAME afirmaram que o fato da empresa buscar um volume tão grande diante do cenário adverso a suas operações é algo que preocupa. Outro ponto negativo seria a diluição dos atuais investidores, tendo em vista que o número de ações emitidas cresceria 87,7%.

Ja a alta competição no e-commerce brasileiro não chega a ser um fator novo, mas ainda preocupa. O setor já  é liderado pelas empresas estrangeiras como Mercado Livre, Amazon e Alibaba, e ante da dependência do consumo local e pressão de preços, a percepção cada vez maior é de que a Via não sairá vencedora dessa guerra.

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