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Queda dos juros vai provocar mudança cultural

Cinco especialistas, incluindo Henrique Meirelles, dizem o que muda com a Selic em um dígito

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h34.

Os juros brasileiros na casa de um dígito representam para investidores, empresários e consumidores um novo paradigma cultural. As taxas bancárias vão cair tanto na hora de buscar crédito quanto no momento de resgatar aplicações financeiras - incluindo a poupança. Dessa forma, o mercado terá de buscar novas formas de financiar o desenvolvimento brasileiro. É o que avaliam cinco especialistas consultados por EXAME, entre eles, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Veja abaixo a opinião de cada um:

Henrique Meirelles, presidente do Banco Central: Os juros são uma mera expressão da taxa de risco. Uma vez que essa é uma atividade de alta volatilidade, quem investe espera ter um retorno rápido, de um ano. No momento em que se estabiliza a economia, a inflação recua e fica na meta e o risco de crise cambial em curto prazo acaba, a taxa de risco cai porque aumentam a previsibilidade e o horizonte de planejamento. E é nesse cenário que se faz investimento de longo prazo, que tem retorno menor, mas que tem maior segurança. Quanto ao chamado juro na ponta, aquele que é cobrado pelo varejo, trata-se sobretudo de uma questão de negociação com o cliente. É, também, uma questão que pode ser vista do ângulo legal, do ponto de vista da informação ao cliente. Mas com uma Selic menor, esse juro, do varejo, também será reduzido. Eu até que sou favorável a uma mudança na lei que ajudasse a tornar o juro do varejo mais transparente e isso é mais difícil. No caso do comerciante, ele argumenta que o preço é aquele e o juro é zero. Mas, esse é um problema de direito do consumidor. No caso dos bancos, existem normas do Conselho Monetário Nacional, determinando que eles esclareçam os juros praticados junto aos clientes.

Outra coisa é a taxa de juro real caindo. Esse processo vai ficar visível também. Trata-se do spread não bancário, que é a diferença de captação do mercado e a taxa de aplicação. O comerciante também aplica esse spread e isso é algo que virá em paralelo à taxa de juros real do mercado financeiro.

Diante disso, a adaptação do brasileiro a uma taxa de juros na casa de um dígito levará algum tempo. A primeira coisa que estamos enfrentando é a redução da taxa de juros real da economia, enquanto a da aplicação não cai. E aí entra aquele negócio muito interessante de que vejo algumas pessoas dizendo. Elas são combatentes ferozes dos juros altos e agora fazem discurso para não mexer na poupança. É mais ou menos assim: eu acho ruim o juro alto na hora que eu vou pagar, mas acho ótimo o juro alto na hora em que eu vou receber. E essa é a mesma pessoa. Não há dúvida de que a poupança é um patrimônio nacional, que ela tem que ser preservada e ter um rendimento real. Mas, se a taxa de juros do Brasil cai, isso tem que ser para todo mundo.

Quanto às mudanças no rendimento da poupança, foi uma boa decisão no sentido que ela protege o investimento. Vamos supor que o povo brasileiro decida que quer continuar com uma poupança com um rendimento médio real acima de 6% e que não quer pagar Imposto de Renda. Portanto, os juros no Brasil não podem cair abaixo de um certo patamar. Isso pode vir a ser uma decisão do povo brasileiro, expressa por meio do Congresso Nacional. Nós vamos respeitar. Se a população decidir que os juros não podem cair muito, porque nós brasileiros gostamos de ter um certo patamar, muito bem, isso será uma decisão soberana da população brasileira.

Tom Donohue - presidente da Câmara de Comércio dos Estados Unidos: Se vocês conseguirem promover uma redução substancial e sustentável de sua taxa de juros, essa política vai fortalecer a economia brasileira de uma forma completamente nova. O primeiro ganho será o maior estímulo da economia interna, encorajando o investimento privado, inclusive o norte-americano. O segundo é o aumento do comércio exterior, pois os juros mais baixos irão cortar custos ao longo de toda a cadeia produtiva e de vendas dos produtos brasileiros.

Thomas Trebat - professor de Economia e Direito e diretor-executivo do Instituto para Estudos Brasileiros da Universidade Columbia: Existe um grau de incerteza razoável sobre os rumos da política fiscal brasileira caso a crise global se torne mais aguda no próximo ano e meio. A incerteza sobre a sucessão presidencial brasileira também pode interromper a trajetória de queda dos juros. Se os juros baixos no Brasil vierem para ficar, em níveis compatíveis com o padrão internacional (taxas de zero a 3% em termos reais e de 2% a 5% para o mercado de curtíssimo prazo), ao longo de um período de dez anos o mecanismo de crédito no Brasil, tanto a procura como a oferta, vai passar por uma revolução. E isso vai significar uma mudança radical no financiamento do desenvolvimento brasileiro.

A competição entre os bancos e a oferta de produtos financeiros vai aumentar muito e os investidores - tanto os grandes quanto os indivíduos - não poderão mais fazer a aposta unidirecional de destinar a renda para os títulos do governo. Isso vai acabar. Por outro lado, o mercado financeiro brasileiro vai criar uma vasta gama de produtos financeiros destinados a preservar o patrimônio líquido dos consumidores brasileiros. E o horizonte dos investidores - tanto os brasileiros quanto os estrangeiros - também vai esticar bastante.

No comparativo a outros países emergentes que também passaram por processo de estabilização econômica e redução na taxa de juros, o caso do Chile foi diferente. A estabilização econômica trouxe um crescimento vigoroso do setor privado, graças à base de financiamento interna aliada ao forte crescimento da poupança doméstica. O Chile teve um crescimento importante de seus fundos de pensão. Tal ciclo virtuoso garantiu o grau de investimento ao país, o que por sua vez ajudou na entrada sustentável de capitais de risco. No caso desse país, a colheita dos frutos acontece agora, pois se trata do único país latino-americano com uma verdadeira capacidade anticíclica. Isso acontece graças ao equilíbrio fiscal das últimas décadas que permitiu que o Chile tenha hoje um setor privado muito dinâmico.

José Luiz Rossi Júnior - professor de macroeconomia do Ibmec-SP: Em todos os países que passaram por um processo bem sucedido de estabilização, o crédito teve um alongamento substancial porque os bancos puderam passar por algum tipo de hedge. Para que isso aconteça, eles precisam de uma capacidade de planejamento maior, uma idéia do ponto de equilíbrio da taxa de juros para poder se proteger.

Ao entrar na zona do euro, o principal ganho da Espanha foi a eliminação imediata do risco cambial. E tudo o que deve acontecer no Brasil foi mais exacerbado na Espanha porque ela passou a ter acesso a um crédito muito maior. Acho que não vai acontecer algo tão drástico no Brasil. A grande diferença entre o Brasil e a Espanha é que o processo de estabilização econômica brasileira foi muito mais lento e de certa forma, menos traumático em termos culturais para a população brasileira.

A estabilização econômica não significa o fim da história. O México passou por tudo isso, mas hoje ele está pior do que o Brasil. Só a questão monetária não é a salvação. Quem vai à Cidade do México vê que houve um período de crescimento grande, mas hoje eles estão sofrendo barbaramente com a crise norte-americana.

Já o Chile fez o ajuste lá atrás, no tempo do Pinochet, e esse processo demorou uma década, começando com o lado fiscal. Inicialmente, eles tinham o câmbio fixo e depois o deixaram flutuar. Então, adotaram o sistema de metas de inflação. Hoje, a diferença fundamental em relação ao Brasil é que o Chile é um país mais aberto.

Renato Baumann - diretor da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) no Brasil: O processo de queda dos juros brasileiros é único porque tem sido muito lento em comparação aos de outros países. Além disso, a Selic tinha um nível tão alto que, mesmo com o atual processo de afrouxamento, ainda nos deixa com uma das taxas mais altas do planeta. A grande lição do processo de estabilização - e isso foi observado tanto no Chile, em Israel e também no Brasil - é que leva tempo para se perder a memória inflacionária. No Chile, isso levou entre seis e oito anos.

E a mesma coisa se aplica a um contexto de custo de capital mais baixo. Vamos levar um bom tempo para aprender a conviver nessas novas condições. Existe outra peculiaridade brasileira: é que nem o Chile ou o México tinham uma taxa de spread tão alta quanto a nossa. Eles nunca tiveram isso. Logo, na época de redução do juro básico, eles passaram por um processo de desnacionalização do sistema bancário muito intenso. E em função do spread alto, os bancos brasileiros se encontram numa posição de bastante conforto.

O caso brasileiro é único porque os bancos estrangeiros tentaram, mas não conseguiram competir com a capilaridade de Banco do Brasil, Bradesco e Itaú-Unibanco. De fato, temos aqui bancos estrangeiros com uma presença importante, como o Santander e o HSBC, mas eles não dominam o mercado, como no Chile e no México.

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