EXAME.com (EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h34.
O restaurante corporativo do Lloyds Bank TSB está localizado no 6o andar de um prédio de linhas modernas construído na década de 70, na zona sul de São Paulo. Além das gravuras de caça à raposa penduradas nas paredes, o visitante pode observar, entre as mesas de aço e vidro, um grosso livro contábil encadernado em couro. Nele, escritos a pena, estão alguns dos inúmeros registros acumulados pelo Lloyds em seus 141 anos no Brasil. Esse quase século e meio de vida no país permitiria considerar o Lloyds um banco brasileiro honorário. No entanto, hoje ele está à venda e deve engrossar a lista dos estrangeiros que estão deixando o Brasil. Embora ele seja um banco lucrativo, os acionistas ingleses querem reduzir o peso dos negócios no país. O comprador é o também inglês HSBC, que anunciou o fechamento do negócio no dia 9 de outubro. O Lloyds e a financeira Losango foram adquiridos por 490 milhões de libras (815 milhões de dólares ou 2,3 bilhões de reais). A nacionalidade do comprador diferencia essa operação das transações mais recentes. Para manter a praxe dos últimos dois anos, só os três maiores bancos privados nacionais, Bradesco, Itaú e Unibanco, deveriam ter disputado o Lloyds.
Embora o interesse do HSBC possa indicar o contrário, de qualquer ângulo que se observe a tendência dominante é de retirada estrangeira. A participação internacional no mercado fi nanceiro brasileiro, que chegou a 28,1% dos ativos em 2000 com a compra do Banespa pelo espanhol Santander, encolheu para 20,7% no primeiro semestre deste ano. Os indícios do êxodo são variados. Incluem a venda de bancos inteiros, como o Bandeirantes (repassado ao Unibanco pela portuguesa Caixa Geral de Depósitos), o também português Boavista InterAtlântico e o espanhol BBV (comprados pelo Bradesco). Esse processo também inclui empresas de gestão de recursos, como as do JPMorgan e do Deutsche Bank, ambas absorvidas pelo Bradesco.
O retrocesso dos bancos internacionais no mercado brasileiro contraria as previsões catastrofistas que proliferaram na esteira da abertura do setor financeiro, iniciada com a compra do falido Bamerindus pelo HSBC, em março de 1997. Quase simultaneamente o Santander adquiriu o Geral do Comércio e, mais tarde, o Noroeste. Parecia apenas questão de tempo para os estrangeiros avançarem em direção aos gigantes privados -- leia-se Bradesco, Itaú e Unibanco. Um relatório da consultoria americana McKinsey previa um período difícil para os bancos brasileiros. "Os bancos estrangeiros têm vantagens sobre os nacionais porque sabem trabalhar numa economia estável e são melhores ao emprestar dinheiro", dizia o relatório publicado em 1998. Esse tipo de afirmação reforçava a idéia generalizada no mercado e na imprensa de que, submetidas à pressão de concorrentes globais muito maiores, mais atualizados tecnologicamente e com inesgotáveis estoques de capital à disposição, às instituições nacionais de varejo só restava buscar comprador para não ser devoradas.
Em 1998, quando o Banco Real foi comprado pelo holandês ABN Amro por 2,1 bilhões de dólares, o presidente do Itaú, Roberto Setubal, reclamou fortemente da "desnacionalização do setor". A indignação de Setubal, que presidiu a Federação Brasileira das Associações de Bancos (Febraban), chegou ao auge no início de 2000, quando o Banco Central (BC) autorizou os estrangeiros a participar da privatização do Banespa, arrematado pelo Santander por 3 bilhões de dólares. Temia-se que ao pôr as mãos numa potência como o Banespa, com suas 578 agências, quase 3 milhões de clientes e forte inserção em São Paulo, o estado mais rico do país, a banca estrangeira reforçaria formidavelmente seu poder de fogo, infernizando a vida dos bancos nacionais.
Esqueça tudo o que foi escrito e vaticinado. Sete anos depois dos primeiros desembarques dos estrangeiros aqui, os números mostram que quem apostou no desaparecimento dos bancos brasileiros de varejo errou. Eis os fatos:
Excetuando-se o ABN Amro e (com alguma boa vontade) o Santander Banespa, os recém-chegados ainda estão devendo. Como explicar uma frustração de expectativas tão grande? Bancos nacionais e estrangeiros adotaram a mesma estratégia de crescimento rápido através de aquisições no Brasil. A diferença nos resultados obtidos surgiu porque os estrangeiros tiveram uma enorme dificuldade de adaptação à realidade brasileira, que os nacionais conheciam como a palma da mão. Os brasileiros, além disso, mostraram uma surpreendente capacidade de reação ao ser pressionados pela concorrência, e foram muito mais eficientes em tornar lucrativos os bancos que compraram.
Vamos às compras | |
(as aquisições dos bancos privados nacionais desde 1995) | |
Bradesco | |
BCN | 1997 |
Credireal | 1997 |
Banco das Nações | 2000 |
Banco Pontual | 2000 |
BCR | 2000 |
Boavista | 2000 |
Continental | 2000 |
Itabanco | 2000 |
BancoCidade | 2001 |
Baneb | 2001 |
Banespa Luxemburgo | 2001 |
Banco Ford | 2002 |
BEA (Amazonas) | 2002 |
Deutsche (a) | 2002 |
JP Morgan (a) | 2002 |
Mercantil de São Paulo | 2002 |
BBV | 2003 |
Ita | |
Banerj | 1995 |
BFB | 1995 |
Bemge | 1998 |
Del Buen Aire (Argentina) | 1998 |
Banestado (Paraná) | 2000 |
BEG (Goiás) | 2001 |
Lloyds (a) | 2001 |
Banco Fiat | 2002 |
BBA | 2003 |
Unibanco | |
Nacional | 1995 |
Aig (b) | 1997 |
Dibens ( c) | 1998 |
Bandeirantes | 2000 |
Credibanco | 2000 |
Fininvest (d) | 2000 |
InvestCred ( c) | 2001 |
Consórcio Ford (e) | 2002 |
OBS: (a) Compra da empresa de gestão de recursos (b) Joint-venture (c) compra de 50% (d) compra dos 50% do sócio (e) acordo operacional | |
Fonte: Bancos |
CHEGADAS E PARTIDAS | ||||
Chegou em | Comprou | Saiu em | Vendeu para | |
Quem saiu | ||||
Espírito Santo | 1997 | Boavista | 2000 | Bradesco |
Caixa Geral de Depósitos | 1997 | Bandeirantes | 2000 | Unibanco |
BBV | 1998 | Excel Econômico | 2003 | Bradesco |
Chegou em | Comprou | |||
Quem ficou | ||||
HSBC | 1997 | Bamerindus | ||
Santander | 1997 | Geral do Comércio, Noroeste, Meridional, Bozano e Banespa | ||
ABN Amro | 1998 | Real, Bandepe, Paraiban e Sudameris | ||
Fonte: bancos |