Cruzeiro do Sul: Após liquidação do banco, investidor fica mais cauteloso em relação aos bancos médios (Reuters/Ricardo Moraes)
Da Redação
Publicado em 3 de outubro de 2012 às 16h26.
São Paulo – No mês passado, o Banco Central anunciou a liquidação do Banco Cruzeiro do Sul, que estava com seu patrimônio negativo em 2,237 bilhões de reais. Tanto esse caso mais recente, quando a descoberta da fraude no Banco PanAmericano, em 2010, levam investidores a se perguntarem se vale a pena investir nos bancos médios, que podem trazer ganhos maiores que os bancos grandes, mas também maiores riscos.
Para entender se vale o investimento é importante entender primeiro parte de seu funcionamento. Os bancos médios não têm amplas redes de agências e grandes somas de depósitos em conta-corrente, por isso suas operações são mais concentradas em alguns nichos. Alguns deles são mais focados em financiamentos de veículos, outros em crédito consignado, em empréstimos para pequenas e médias empresas e outros dependem de investidores para se manter.
Como são bancos menos conhecidos, para aumentar a captação de investimentos, eles pagam juros mais altos do que os bancos grandes. Por isso, enquanto bancos grandes costumam emitir CDBs (Certificados de Depósitos Bancários) – títulos de dívidas dos bancos que rendem juros – que remuneram entre 80% a 90% do CDI, bancos médios oferecem remunerações de 100% do CDI ou mais. Além disso, estas instituições são mais acessíveis, pois permitem aplicações com aportes iniciais menores do que os bancos grandes.
Por trás dessas vantagens, no entanto, estão os riscos. Primeiramente, um banco grande possui um portfólio de operações muito mais diversificado do que o banco médio. Assim, enquanto uma redução drástica na contratação de financiamentos de veículos pode arruinar um banco médio que tem como principal receita esse tipo de operação, dificilmente ela ocasionará a quebra de um banco grande.
Além disso, no caso de uma crise que torne os investidores mais avessos a riscos, os resgates das aplicações ocorrerão primeiro nas instituições vistas como mais arriscadas. E ainda, quando a economia não passa por um bom momento, o nível de inadimplência aumenta e, mais uma vez o prejuízo é maior para os bancos. “Como os bancos pequenos e médios emprestam para um tomador menos qualificado, eles sofrem mais”, diz Fernando Blanco, presidente do Instituto para o Desenvolvimento da Cultura do Crédito (IDCC).
Breno Lima da Costa, sócio da GoOn, consultoria especializada na gestão de risco de crédito, explica que isso ocorre porque o nível de informações dos bancos grandes sobre os clientes é muito maior do que nos bancos médios: “Os bancos grandes têm clientes com relacionamento mais antigo e conseguem reunir mais informações sobre seu histórico de crédito”.
Como os tomadores de empréstimo dos bancos médios costumam ter contas nos bancos grandes, eles iniciam o relacionamento com o banco médio apenas para contrair o empréstimo. Assim, os bancos médios acabam fornecendo o crédito com menos noção do risco de esse tomador desonrar o pagamento. E os investidores costumam ter essa percepção.
Fernando Blanco ainda explica que existe outro fenômeno que eleva os riscos dos bancos médios. Com uma menor rede de agências, bancos médios especializados em crédito consignado acabam dependendo dos “pastinhas”, profissionais autônomos que fazem a ponte entre a instituição e o tomador do empréstimo. “Os bancos pagam comissões altas para esses parceiros e têm custos elevados para manter as carteiras. Muitas vezes os devedores acabam desaparecendo da carteira, pois alguns 'pastinhas' traem o banco para o qual prestam serviço. Eles arrumam um tomador de crédito para o banco A, por exemplo, e depois oferecem esse cliente para o banco B em troca de uma comissão maior. Se conseguem a comissão desejada, fazem o tomador quitar o empréstimo no banco A e tomá-lo no banco B", diz.
O "pastinha" é pago assim que o crédito é concedido, então o banco não tem garantia de fidelidade. Reportagem recente da Revista EXAME mostra que, como as comissões pedidas por esses profissionais estão cada vez maiores, os bancos médios especializados em crédito consignado estão em busca de novos modelos de sustentação. E a maior parte deles está substituindo os empréstimos consignados por linhas de financiamento a pequenas e médias empresas.
Por que investir em bancos médios?
Mesmo com maiores riscos, alguns consultores financeiros indicam os CDBs de bancos médios para investimentos de valores inferiores a 70.000 reais. Em caso de intervenção do banco pelo Banco Central ou liquidação da instituição, o investidor é protegido pelo Fundo Garantidor de Crédito, que reembolsa o prejuízo até o teto de 70.000 reais.
No atual cenário de juros baixos, o rendimento líquido da caderneta de poupança, fundos DI com taxa de administração elevada e CDBs de bancos grandes provavelmente superará por pouco a inflação medida pelo IPCA, se chegar a tanto. Com isso, o investidor pode nem mesmo conseguir proteger seu poder de compra com essas aplicações.
Segundo o consultor financeiro Mauro Calil, a saída para obter maiores rendimentos na renda fixa, portanto, seriam o Tesouro Direto e os CDBs dos bancos médios. “Bancos grandes remuneram a 85% ou 90% do CDI, e os pequenos e médios têm taxas que começam com 100% do CDI. E o risco desse banco é o mesmo da caderneta de poupança, desde que você se mantenha no limite do FGC de 70.000 reais”, avalia.
Os CDBs de bancos grandes costumam remunerar com um percentual baixo do CDI o cliente que investe pequenas quantias. Com a incidência do imposto de renda, o rendimento pode, no fim das contas, ser inferior ao da caderneta de poupança. O problema é que, para conseguir ao menos 100% do CDI nessas instituições é preciso aplicar muito dinheiro de uma só vez, ou então optar por um CDB com carência de dois ou três anos. Já no Banco Sofisa, responsável pelo produto Sofisa Direto, é possível obter 100% do CDI com liquidez diária a partir de um investimento de apenas um real.
Calil tem promovido cursos para ensinar investidores a investir no que chama de “renda fixa sofisticada”. Uma de suas principais orientações é a divisão do investimento em CDBs de diferentes bancos. Como o FGC reembolsa o prejuízo por CPF por instituição, e não por CDB, se o investimento for, por exemplo, de 600.000 reais, ele orienta o investidor a comprar CDBs de dez bancos diferentes.
Ele também explica que o investidor deve somar o valor investido ao rendimento futuro para calcular como ficar dentro do limite da cobertura de 70.000 reais do FGC. Isto porque, se foram investidos 68.000 reais, por exemplo, e a aplicação render mais 5.000 reais, somando 73.000 reais, o FGC reembolsará apenas 70.000 reais de qualquer maneira.
Outro investimento em bancos médios também indicado pelos consultores, desde que dentro do limite do FGC, são as Letras de Crédito Imobiliário (LCI), títulos lastreados em operações de crédito imobiliário, que contam com isenção de Imposto de Renda (IR). As LCI funcionam como um CDB isento de IR. Sem a mordida do Leão, que come entre 15% e 22,5% dos ganhos em aplicações de renda fixa, a rentabilidade oferecida pode equivaler, por exemplo, a CDBs que paguem mais de 110% do CDI.
Assim como os CDBs, as LCIs também são oferecidas em bancos grandes, mas as aplicações iniciais exigidas são mais elevadas. O Santander e a Caixa, por exemplo, oferecem LCIs com aplicações iniciais de 30.000 e 50.000 reais, respectivamente, enquanto o Banco Sofisa oferece o investimento sem exigência de aplicação inicial.
Por que não investir em bancos médios
Ainda que em bancos médios os rendimentos possam ser maiores e exijam menores aportes iniciais, Samy Dana, professor de finanças da FGV, acredita que a aplicação não vale o risco. “Apesar de existir a garantia do FGC, o fundo garantidor é uma seguradora bancada pelos próprios bancos. O banco Cruzeiro do Sul e o PanAmericano quebraram, mas são muito pequenos, por isso o FGC comporta o prejuízo, mas se houver um problema sistêmico e os bancos grandes quebrarem, o FGC quebra também”, afirma.
Dana simulou uma aplicação de 10.000 reais em CDBs em um prazo de um ano em três bancos: um banco grande, que pagasse 95% do CDI, um banco médio que pagasse taxa de 99% do CDI e um banco pequeno que remunerasse a 103% do CDI. Considerando o CDI estimado de 7,4% (considerando a atual da taxa Selic, a 7,5%), a diferença do banco grande para o banco médio é de aproximadamente 24 reais e do grande para o pequeno de 47 reais. “O investidor deve avaliar se quer entrar em um risco grande por tão pouco."
Blanco também defende que o investimento em banco médio não vale o risco. Ele argumenta que, em primeiro lugar, o investimento em bancos médios é mais voltado para grandes investidores, que são mais capazes de identificar a qualidade do banco. “O cidadão comum pode até olhar os balanços dos bancos, mas eles têm 200 páginas, quem é que vai conseguir se aprofundar em uma análise dessas? Eu mesmo já fui analista de banco e é muito difícil identificar alguma inconsistência, você só consegue observar isso em nuances”, afirma.
Ele também argumenta que mesmo o Banco Central muitas vezes não consegue avaliar os riscos desses bancos. “Os bancos centrais olham por amostragem essas informações, eles não conseguem se aprofundar em todas as informações de todos os bancos. É um negócio de complexidade sem igual. Na crise de 2008, alguns dos maiores bancos do mundo estavam podres por dentro e ninguém sabia”, lembra Blanco.
E ele ainda explica que, mesmo que o investidor busque informações em agências de classificação de risco, as análises podem não ser 100% confiáveis, uma vez que são os próprios bancos que contratam as agências. “Alguns investimentos só podem ser feitos se houver rating, aí os bancos saem correndo atrás das agências de rating. Como elas precisam de dinheiro, elas fazem o relatório, mas há conflito de interesses. Elas não vão dizer que o banco que as contratou não presta”, diz o presidente do IDCC.
Por fim, Blanco ressalta que mesmo que o FGC reembolse o prejuízo em até 70.000 reais, até que o investidor receba o pagamento, ele deixa de receber o rendimento pelo período em que o dinheiro fica parado. E ainda, se o investidor precisar do valor no período para aproveitar outra oportunidade de investimento ou para uma emergência, ele fica atado. É o risco de liquidez.
Como funciona a garantia do FGC
Em caso de descoberta de irregularidades em uma instituição podem ocorer três operações. A primeira delas é o Regime de Administração Especial Temporária (RAET), na qual os administradores são afastados e é realizada uma tentativa de recuperação financeira da instituição. A segunda é a intervenção, quando os administradores ficam com o mandato suspenso e o Banco Central faz uma análise para decidir se permitirá o restabelecimento das atividades, se decretará a liquidação extrajudicial ou se irá requerer a falência da instituição. E a terceira hipótese é a liquidação extrajudicial, que só deve ser aplicada quando a intervenção ou o RAET não foram bem-sucedidos.
Celso Antunes, diretor do FGC, explica que os mecanismos de proteção de crédito somente são acionados no caso de intervenção ou liquidação extrajudicial. Se uma das duas medidas for decretada, segundo ele, dentro de três dias o FGC já inicia o pagamento das garantias aos investidores. “No caso do CDB e da poupança, o banco precisa mandar um arquivo para o FGC para mostrar quem é o cliente, se a conta é conjunta e para que o pagamento seja feito para a pessoa correta. Por isso, pode demorar mais de três dias. Mas, no máximo em 10 dias todo mundo já recebe o valor”, afirma.
No site do FGC é possível pesquisar em quanto tempo o fundo pagou as garantias após a decretação das medidas de liquidação e intervenção pelo Banco Central. A lista inclui todos os bancos que passaram por esse tipo de medidas desde 1996.
O FGC garante a cobertura de 70.000 reais por CPF, por instituição financeira. Ou seja, se um cliente tivesse um CDB no Banco Sofisa e outro CDB no banco BMG e ambos fossem liquidados, o investidor receberia dois reembolsos de até 70.000, um por banco. Mas, caso o investidor tivesse dois CDBs no mesmo banco, que somassem cerca 140.000 reais, ele receberia o teto de 70.000 reais. A mesma cobertura vale também para depósitos à vista, a prazo, a caderneta de poupança e as LCIs.
O trâmite para recebimento do pagamento, segundo Antunes, é bem simples. Ele explica que, assim que o liquidante levanta as informações sobre os clientes e passa ao FGC, no site do próprio fundo garantidor é publicado um comunicado com orientações sobre o pagamento. Basicamente, o cliente deverá imprimir um documento que oficializa a transferência dos seus títulos ao FGC. Esse documento, chamado de “Termo de Cessão” deve ser assinado, passar pelo reconhecimento de firma em cartório e depois deve ser entregue no FGC ou, em casos de grandes liquidações, diretamente ao próprio banco. “O cliente indica então em qual conta quer receber o pagamento e em três dias no máximo o dinheiro é depositado”, diz o diretor do FGC.
Perspectivas para os bancos médios
Após várias tentativas malsucedidas de encontrar um comprador para o banco Cruzeiro do Sul durante o Regime de Administração Especial Temporária (Raet), sob a administração do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), o Banco Central decretou a liquidação do banco no dia 14 de setembro. Desde então, alguns sinais deixam claro que a decisão deve ter alguns impactos para o setor.
A agência de classificação de risco Fitch Ratings afirmou em um relatório que o episódio deve contribuir para que os bancos sejam estimulados a melhorar ainda mais seus procedimentos operacionais. “Os investidores provavelmente analisarão com mais profundidade seus investimentos, pois sabem que os reguladores brasileiros poderão não socorrê-los em caso de liquidação de bancos. Uma combinação dessas tendências deverá levar a um sistema bancário mais forte e mais consolidado”, diz o relatório.
O sócio da consultoria de gestão de crédito GoOn explica que os bancos já estão sendo obrigados a seguir procedimentos mais rigorosos pelo Banco Central desde o ano passado. Somado a isso, ele afirma que os bancos também estão se aparelhando cada vez mais para aprimorar suas operações. “Nós vemos uma corrida dos bancos médios para se aparelhar em termos de inteligência de gestão e tecnologia aplicada às operações. Até a própria fusão entre muitos dos grandes bancos acabou gerando um excedente de profissionais bem qualificados que não foram retidos e que foram para os bancos menores, o que também contribui para um nível de gestão mais avançado”, avalia.
Por outro lado, apesar das avaliações positivas da Fitch e da GoOn, a maior fiscalização do Banco Central também tem exigido maiores gastos dos bancos. Segundo levantamento feito a pedido do jornal Brasil Econômico pela agência de classificação de risco Austing Ratings com 12 bancos médios, essas instituições amargaram uma queda de 61,9% nos lucros no primeiro semestre de 2012 em relação ao mesmo período de 2011. Segundo a agência, boa parte da redução do lucro é devida ao aumento de 37,9% nas despesas com provisões anticalote. Além destas despesas, segundo o jornal, os problemas com os bacos Panamericano e Cruzeiro do Sul tornaram a captação de recursos mais cara pois os investidores passaram a exigir juros mais altos por considerar que o risco desses bancos aumentou.
Existe ainda uma outra situação que pode prejudicar os bancos menores. Pesquisa feita pelo Instituto de Pesquisa Fractal, especializado em pesquisas de mercado, mostra que os pequenos e médios bancos tendem a não ter condições suficientes para acompanhar as reduções das taxas de juros das linhas de crédito. Segundo o instituto, com menores taxas nos bancos grandes, os bancos pequenos e médios ficam sujeitos a utilizarem taxas superiores nos empréstimos, que são apenas aceitos por segmentos de risco de crédito mais elevado.
Além disso, as reduções de juros também acabam forçando os bancos grandes a buscar novos clientes no mercado, aumentando ainda mais a concorrência para os pequenos e médios.