Joshua Fields Millburn: ele largou um salário de 50 mil dólares em busca de uma vida com mais satisfação. (Joshua Weaver/Minimalists/Divulgação)
Marília Almeida
Publicado em 14 de outubro de 2017 às 07h00.
Última atualização em 17 de outubro de 2017 às 16h20.
São Paulo - É difícil não se chocar com os vídeos de uma das edições da Black Friday americana: milhares de pessoas invadem uma grande loja de departamento e pegam todos os produtos promocionais que conseguem da forma mais rápida possível, inclusive disputando alguns deles a tapa.
O fenômeno do consumismo não é exclusivo dos Estados Unidos e se espalhou por muitos países do mundo, inclusive o Brasil. Como reação a esse movimento, que afeta de forma preocupante o orçamento das famílias, surgiu o minimalismo, que é explicado no documentário "Minimalism: a documentary about the important things" (Minimalismo: um documentário sobre as coisas importantes), disponível na Netflix.
O movimento prega que viver com menos posses dá liberdade, principalmente financeira, para se ter uma vida com mais propósito e focar no que realmente importa, como passar mais tempo com a família ou buscar um emprego no qual é possível ter maior satisfação, ainda que não se receba um salário de dois dígitos por ele.
Foi o que fizeram os amigos de infância Joshua Fields Millburn e Ryan Nicodemus, os personagens principais do documentário. Assim como Joshua, Ryan também resolveu largar uma bem estabelecida carreira no varejo e um cargo no qual ganhava 50 mil dólares para viver com mais satisfação e menos coisas. Os amigos escreveram sobre os cinco anos que se passaram desde que tomaram essa decisão, e viajaram por 10 meses pelos Estados Unidos para promover o livro.
É importante esclarecer que o movimento não é radical: a dupla faz questão de assinalar em suas palestras que o importante não é se livrar da maior parte dos bens materiais, mas daqueles em excesso, que não tenham um propósito claro e, pior, têm como objetivo preencher vazios existenciais. O próprio Joshua diz, no vídeo, preferir ter um moletom de qualidade do que um guarda roupa cheio de moletons que não usa, o que exemplifica bem o conceito. Muitas compras, na visão da dupla, tendem a ser feitas por impulso ou status, e são originadas por comportamentos automáticos e habituais.
Em resumo, o movimento minimalista quer ser uma alternativa a um estilo de vida que pode significar passar meses enforcado com dívidas, gastando sempre mais do que se ganha e trabalhando apenas para pagar juros e boletos. Esse estilo de vida consumista dificulta uma transição de carreira, gera estresse e pode até prejudicar relacionamentos.
Simplificar a vida, no conceito minimalista, passa principalmente por comprar menos coisas e ter menos contas para pagar. Essa simplificação deve ser guiada pela simples constatação de que na maior parte do tempo não se pode controlar quando teremos um aumento de renda. Mas se pode, sempre, gastar menos para sustentar um determinado estilo de vida e não ter surpresas no futuro.
Por exemplo, um banco oferece um empréstimo de 500 mil reais para um consumidor comprar uma casa. A tendência é que ele busque uma casa pelo preço máximo que está sendo oferecido. Mas é necessário refletir: há necessidade de comprar uma casa de 500 mil reais, e pagar juros exorbitantes por este empréstimo? Uma casa de 300 mil reais já não seria suficiente? Quanto maior, melhor? Vale a pena pegar um dinheiro que não se tem para fazer essa aquisição? É essa reflexão que o movimento minimalista quer estimular.
Os críticos ao movimento podem dizer que já foi comprovado que dinheiro traz felicidade. Mas especialistas citam, no filme, que, acima de uma determinada renda, mais dinheiro não traz mais felicidade. É uma ilusão acreditar que traga.
Ao longo do filme, especialistas de diversas áreas, inclusive neuropsicólogos, mostram alguns motivos de por quê povos ocidentais, que comprovadamente têm um padrão de vida bem melhor do que o que tinham há décadas, mas continuam a querer mais e mais e perpetuam o fenômeno do consumismo desenfreado.
As razões são diversas: desde uma propensão a comprar compulsivamente por conta de sentimentos positivos que este hábito proporciona, como segurança e conforto, passando pelo fato de que a publicidade se espalhou de forma gritante em todas as esferas da vida cotidiana (vide merchandising feito no meio de novelas e programas ou que utiliza influenciadores digitais para vender produtos, geralmente de forma sutil).
Outro grande motivador do consumismo é o barateamento de produtos, como roupas e eletrônicos, que aconteceu, principalmente, quando a China começou a produzir e exportar esses bens por preços bem baixos, obtidos com a utilização de mão de obra e matéria prima barata (sobre este tema, é interessante ver outro documentário disponível no serviço de streaming de vídeos: "The True Cost"). Esse fenômeno é amplificado pelo discurso de multinacionais de que os bens de consumo são descartáveis, tudo para fazer com que sejam consumidos mais rapidamente e em maior volume.
Um exemplo claro desse discurso está relacionado a artigos eletrônicos. Quando um consumidor resolve comprar aquele tão desejado iPhone, ou qualquer outro smartphone de última geração, logo é anunciada uma nova versão do produto. Especialistas explicam, no documentário, que aquela sensação de conquista da compra é rapidamente dissipada nesse caso: ter o aparelho passa a não fazer mais sentido. O consumidor é levado a pensar que apenas o novo, que é mais aprimorado, importa.
O mesmo acontece com a moda, que criou cerca de 50 estações diferentes em um ano. Tudo para justificar modas rápidas, e fazer girar mais e mais produtos que não são passados para a frente e perdem rapidamente o valor. Ou seja: caímos em um ciclo sem fim, que é prejudicial para o bolso e o meio ambiente.
O consumismo compulsivo é ainda amplificado pela tecnologia: hoje, como bem observado no documentário, podemos comprar pela internet 24 horas por dia uma infinidade de produtos. O resultado de tudo isso é a criação de uma indústria de armazenamento de objetos: na falta de espaço em casa, basta alugar um contêiner para colocar as aquisições. Faz sentido?
Especialistas propõem que uma forma de barrar o fenômeno é voltarmos a sermos materialistas "de verdade". Temos de passar a consumir produtos de qualidade, que duram mais. E, claro, evitar trocar um produto só porque um novo foi lançado. É necessário refletir: o novo lançamento, de fato, tornou aquele produto antigo inutilizável?
Ao longo do documentário são dados exemplos de projetos que vendem o conceito minimalista e de pessoas que optaram por ter esse estilo de vida.
Os exemplos vão desde o caso extremo de um empreendedor que resolveu não ter um endereço fixo e concentrar todas as suas posses em uma bagagem de mão até uma mulher que ficou grávida e, ao ter dificuldade em encontrar vestidos para comprar nas semanas finais de gestação, resolveu pegar emprestados de amigas. Com essa experiência, ela percebeu que esse hábito comunitário pode ser uma alternativa a compras que se tornam inúteis rapidamente.
Entre as iniciativas que incentivam o minimalismo, o filme cita mini casas sobre rodas criadas por uma empresa de Portland e também soluções para pequenos apartamentos, que tornam plantas extremamente flexíveis com o intuito de utilizar ao máximo o pouco espaço disponível, comercializadas pela LifeEdited.
Os executivos da empresa de design contam que pesquisas mostram que os americanos utilizam apenas 40% do espaço de grandes casas. Esse vazio dos ambientes pouco utilizados tende a ser preenchido com diversos objetos. Ou seja, grandes casas tendem a ser um espaço fértil para o consumismo.
Outro projeto citado no documentário é o 333, criado pela escritora e fotógrafa americana Courtney Carver. Ele pode ser explicado como um desafio de moda que consiste em usar apenas 33 peças de roupa, acessórios e sapatos durante três meses. O desafio, lançado pela autora, se tornou viral e foi replicado por diversas pessoas.
A principal constatação de Courtney foi que ninguém percebeu que ela estava usando apenas os 33 itens durante todo o tempo do experimento. Ou seja, a ideia de ter um guarda-roupa extenso porque o ambiente corporativo exige cai facilmente por terra: talvez seja necessária apenas uma boa dose de criatividade para variar as combinações.
Há ainda iniciativas de pais minimalistas que ensinam como introduzir o conceito a crianças, como o Minimalism Parenting e o Clutterfree with kids. De novo, a ideia não é ser radical e tirar da criança todos os brinquedos que ela adora, por exemplo. O objetivo é, na verdade, buscar mostrar a ela quais objetos faz sentido manter e, principalmente, que há muito mais na vida do que ter e acumular coisas.