Com FGTS mais rentável, é melhor sacar ou deixar o dinheiro no fundo?
Conhecido por sua rentabilidade baixa, fundo passou a distribuir 100% do lucro a partir desse ano. Agora, rende mais do que outras aplicações seguras
Marília Almeida
Publicado em 9 de setembro de 2019 às 07h00.
Última atualização em 9 de setembro de 2019 às 16h14.
São Paulo - A partir dessa sexta-feira (13) os brasileiros poderão sacar até 500 reais do FGTS. A retirada vale tanto para a conta ativa quanto para cada conta inativa do fundo. Além disso, no próximo mês, os trabalhadores poderão optar pela retirada de uma fatia dos recursos do fundo anualmente, o Saque Aniversário.
Mas, antes de tomar essas decisões, é necessário entender que a rentabilidade do fundo, que foi sempre muito baixa, aumentou. A partir desse ano, todo o lucro do FGTS será distribuído aos cotistas, o que torna o FGTS hoje a aplicação de renda fixa mais rentável do mercado. Mas isso basta para deixar dinheiro no fundo? Afinal, será sempre assim?
O fundo continua pagando a Taxa Referencial (que atualmente está zerada) mais uma taxa de 3% ao ano aos cotistas. O que mudou na rentabilidade do FGTS foi um componente variável: o porcentual do lucro distribuído, que subiu de 50% para 100% a partir de 2019.
Como não é possível prever qual será o lucro do fundo nos próximos anos, olhar para o desempenho passado dá alguns indicativos sobre como deve ser a rentabilidade do FGTS daqui para a frente.
Caso o FGTS distribuísse todo o lucro registrado nos últimos dez anos, o fundo teria sido mais rentável do que a taxa DI, que serve como referência para investimentos de renda fixa, que acompanham a Selic, em apenas três anos: 2012, 2018 e 2019, quando o FGTS rendeu, respectivamente, 127,32% do CDI, 113,54% e 147,02%. É o que mostra cálculo feito pelo professor do Insper, Michel Viriato.
A simulação considerou a rentabilidade do FGTS como se ele fosse tributado. Dessa forma, é possível compará-lo com a maioria das aplicações de renda fixa, sobre as quais incide a tabela regressiva do IR.
Ano | TR | Taxa | Taxa do lucro do FGTS (100%) | Rentabilidade do FGTS | Rentabilidade do FGTS caso fosse tributado | CDI | Rentabilidade do FGTS X CDI |
2009 | 0,71% | 3% | 1,5% | 5,19% | 6,1% | 9,87% | 61,91% |
2010 | 0,69% | 3% | 2,8% | 6,45% | 7,6% | 9,75% | 77,89% |
2011 | 1,21% | 3% | 2,3% | 6,56% | 7,7% | 11,59% | 66,54% |
2012 | 0,29% | 3% | 5,8% | 9,08% | 10,7% | 8,39% | 127,32% |
2013 | 0,19% | 3% | 3,3% | 6,50% | 7,7% | 8,06% | 94,89% |
2014 | 0,86% | 3% | 4,2% | 8,02% | 9,4% | 10,76% | 87,69% |
2015 | 1,80% | 3% | 3,9% | 8,66% | 10,2% | 13,34% | 76,34% |
2016 | 2,01% | 3% | 3,8% | 8,85% | 10,4% | 14,06% | 74,09% |
2017 | 0,00% | 3% | 3,2% | 6,25% | 7,4% | 10,05% | 73,14% |
Ano | TR | Taxa | Taxa de lucro do FGTS (100% | Rentabilidade do FGTS | Rentabilidade do FGTS caso fosse tributado | CDI | Rentabilidade do FGTS X CDI |
2018 | 0,00% | 3% | 3,25% | 6,25% | 7,40% | 6,47% | 113,54% |
2019 | 0,00% | 3% | 3,25% | 6,25% | 7,40% | 5% | 147,02% |
A baixa rentabilidade do fundo na maior parte do período aconteceu porque a taxa básica de juros (Selic) era mais alta, atingindo o pico de 14,25% em 2015 e 2016. Quando a taxa Selic sobe, o FGTS sofre com a concorrência de outras aplicações de renda fixa, que oferecem uma rentabilidade maior.
O ano de 2012 é uma exceção por conta do boom imobiliário, que elevou os ganhos do fundo e, em conjunto com a taxa Selic relativamente baixa, fez com que a rentabilidade do FGTS superasse o CDI. O lucro do FGTS basicamente vem do financiamento de obras para programas de subsídios na construção civil, como Minha Casa Minha Vida, além de projetos de infraestrutura e saneamento.
Ou seja, o FGTS só está atrativo agora porque a taxa básica de juros está baixa. Ele não dá uma boa rentabilidade aos cotistas: apenas dá uma rentabilidade maior do que as outras aplicações de renda fixa, que estão rendendo pouco, como o Tesouro Direto e CDBs.
Olhando para o passado, a taxa de lucro do fundo distribuída ao cotista não costuma variar muito. Portanto, a tendência é que, enquanto a Selic, for menor do que 8% ao ano, manter recursos no fundo valerá mais a pena do que migrar para outros investimentos de renda fixa, conclui Viriato.
Na visão do professor, o lucro do fundo não deve cair muito, já que a maior parte dos recursos é destinada a financiamentos de longo prazo, de 20 anos. "Além disso, ninguém vê hoje um aumento dos juros no curto e médio prazo, dado que a inflação está controlada e as taxas de juros no exterior estão caindo".
O ponto de atenção é a falta de liquidez do fundo. Ao deixar os recursos no FGTS, e não optar pelo saque dos 500 reais e nem o anual, é necessário lembrar que ele só poderá ser sacado em caso de demissão sem justa causa, compra da casa própria e no caso de morte do cotista.
Por conta dessa característica, deixar o dinheiro no fundo serve apenas como uma poupança de longo prazo. Ou seja, vale para quem já tem uma reserva de emergência para o curto e médio prazo e não quer tomar mais risco em aplicações financeiras.
Saque em caso de demissão influencia decisão
Segundo pesquisa Datafolha, divulgada na semana passada, 52% dos trabalhadores não querem tirar até 500 reais do FGTS, enquanto apenas 27% devem optar pelo Saque Aniversário. O levantamento foi realizado entre 29 e 30 de agosto de 2019, com 2.878 entrevistados, em 175 municípios de todas as regiões do país.
Dentre as pessoas com conta ativa ou inativa, a disposição para sacar até 500 reais do fundo é maior entre os desempregados que estão procurando trabalho (63%) e freelancers (62%). Já as donas de casa são as mais inclinadas a adotar o modelo de saque-aniversário (45%), dentre as pessoas com conta ativa ou inativa.
A adesão baixa, especialmente quando se trata do Saque Aniversário, se dá por conta da regra para saques. Caso opte pelo saque anual de recursos do fundo, o trabalhador poderá sacar uma fatia de até 50% dos recursos por ano. O porcentual aumenta quanto mais baixo for o valor depositado. Para quem tem mais de 20 mil reais depositado, poderá sacar apenas 5% dos valores por ano.
Além disso, quem optar pelo Saque Aniversário não poderá sacar o dinheiro em caso de demissão: terá direito apenas a multa de 40% do valor do FGTS pago pelo empregador. E só poderá reconquistar o direito dois anos depois de fazer o pedido.
Mas, segundo o planejador financeiro CFP da Planejar, Leandro Loiola, o risco de desemprego não deve definir a decisão de retirar ou não o dinheiro do fundo, mas sim a necessidade dos recursos. "Ficar com dinheiro preso no fundo é a mesma coisa que não ter dinheiro, principalmente para quem já tem um imóvel quitado. E quando à maior rentabilidade, mesmo no Saque Aniversário só será possível tirar um pedaço a cada ano: o restante continuará rendendo".
No caso de demissão, o trabalhador não tem como ter certeza de que será demitido e quando, explica o planejador. "E se ele acabar ficando 10 anos na empresa. Vai ter de pedir para ser demitido para colocar a mão no dinheiro? A pressão para resgatar o FGTS não deveria determinar escolhas profissionais".
Veja abaixo as principais situações e indicações do especialista sobre se vale ou não sacar o dinheiro:
Pagamento de dívidas
Mesmo mais rentável, a remuneração do FGTS não compensa os juros pagos em qualquer dívida no país. Isso porque os juros são cobrados mensalmente, enquanto a remuneração do FGTS é anual. "Mesmo no caso de um consignado com taxa de 1,70% ao mês, que é difícil de encontrar, depois de alguns meses o trabalhador pagará mais juros no empréstimo do que os juros pelo qual será remunerado no FGTS", diz Loiola.
Ou seja, nesse caso, o quanto antes o trabalhador pegar o dinheiro para liquidar a dívida, melhor. Portanto, o saque de até 500 reais e o saque anual valem a pena. "O valor pode ser pequeno para algumas pessoas, mas acreditamos que é o primeiro passo para uma melhor organização financeira".
Criação de reserva de emergência
Se o trabalhador não tem dívidas, mas também não tem uma reserva financeira para gastos imprevistos, Loiola também recomenda sacar o dinheiro do fundo. "Imprevistos sempre acontecem, e o trabalhador que não tem um financiamento habitacional não poderá sacar os recursos do fundo a qualquer tempo. Portanto, o risco de cair no cheque especial e rotativo é grande".
No caso de eventual perda de renda, o trabalhador tem duas opções: começar a criar já sua reserva de emergência fora do fundo ou sacar o dinheiro para iniciar essa reserva e deixar o dinheiro depositado para esse motivo específico.
Para investir
No caso de quem já tem dinheiro guardado para gastos imprevistos, só vale a pena retirar o dinheiro para aplicar em um investimento que renda mais que o FGTS com a nova remuneração. Ou seja, só vai valer a pena se o trabalhador topar tomar mais risco na renda fixa ou investir em aplicações de renda variável e fundos multimercados, por exemplo.
Aqui é necessário ressaltar que a rentabilidade maior pode não ser atingida, e o trabalhador precisa de dedicação e habilidade para encontrar esse tipo de aplicação, explica o planejador financeiro. "Para investidores com perfil mais conservador, que não se sentem preparados para encontrar soluções mais arriscadas, melhor manter dinheiro no fundo, já que o retorno não é mais tão ruim".
Além de ser isento de Imposto de Renda, o risco de crédito do FGTS é baixo, o que o torna comparável a um título Tesouro Selic.