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Artigo: Commodities estão de volta ao império da razão

Nos últimos anos, a disparada no preço das commodities - que tanto ajudou as nações emergentes - foi alimentada por expectativas irrealistas em relação ao crescimento futuro. Com a crise atual, volta a valer no mercado mundial a velha lei da oferta e da p

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h34.

O pânico observado nos mercados financeiros do mundo todo, nos últimos meses, não deixa dúvida quanto à seriedade da doença que se abateu sobre a economia global. Em termos médicos, a crise decorrente do estouro da bolha das hipotecas nos Estados Unidos estaria mais próxima de um câncer do que de uma simples infecção. O mal-estar do paciente é duradouro, exige medidas radicais de tratamento e, ainda assim, é impossível saber quando ele vai passar. Diante de uma enfermidade tão violenta, a teoria do descolamento dos países emergentes em relação aos desenvolvidos revela-se conversa furada. Os sintomas da crise já aparecem de maneira dramática tanto nas potências tradicionais, como aponta a recessão oficialmente instalada na Alemanha e no Japão, quanto nos membros do Bric (Brasil, Rússia, Índia e China). A diferença entre os dois grupos, porém, encontra-se no pós-crise. Enquanto a situação imediata é de aperto para todos, o mundo que surgirá da reorganização dos mercados e instituições será baseado num modelo bem mais favorável às nações emergentes, que definitivamente passarão a compartilhar com os Estados Unidos a capacidade de levar adiante a economia mundial.

No curto prazo, a turbulência financeira alcançará os países do Bric pela via do comércio exterior. O PIB desses países ainda crescerá a taxas bem acima das registradas no mundo desenvolvido, onde a variação tenderá a zero ou mesmo a índices negativos. Na média do bloco, porém, o ritmo de expansão deve estacionar entre 4% e 5%, nos próximos anos, pelo menos 2 pontos percentuais abaixo dos exuberantes níveis de antes da crise. Essa desaceleração é resultado direto do retrocesso na escalada de preços das commodities, alimentada pela expansão febril da indústria chinesa e por expectativas de que a turbulência ficaria restrita aos Estados Unidos. A euforia com as perspectivas otimistas fez as cotações das matérias-primas disparar a níveis recordes e distorceu, inclusive, a avaliação dos especialistas. Há um ano, se perguntássemos aos investidores sobre a expectativa para o preço dos insumos, a maioria deles apostaria numa alta ainda maior, com o argumento de que os custos de produção estavam crescendo. Os analistas pareciam ignorar que essa nunca foi uma explicação razoável na definição de qualquer cotação, já que, em última instância, os produtores só conseguiriam repassar seus aumentos de custo se a demanda se mantivesse.

Novo cenário

Sob esse aspecto, o que vemos hoje é o restabelecimento gradual da boa e velha lei da oferta e da procura. Por enquanto, ninguém é capaz de apontar até onde vai a correção de preços, mas é fato que ela não terminará tão cedo e que pode se estender por até mais três anos. Ao longo desse período, ela continuará a afetar generalizadamente as commodities, num espectro que vai do minério de ferro à soja. As únicas matérias-primas a sentir mais suavemente a queda devem ser o urânio, impulsionado pelo aumento no número de usinas nucleares no mundo, e o carvão mineral, que deve ampliar sua participação na base energética de algumas regiões.

No que tange ao Brasil, as exceções refrescam muito pouco, uma vez que a desvalorização atingirá em maior ou menor grau todas as commodities relevantes na pauta de exportação do país. Os estragos provocados pela crise nos ganhos das empresas brasileiras devem ser particularmente maiores do que em outros emergentes, um sinal de que a economia mais importante da América do Sul começa a pagar o preço da dependência crescente da China como parceiro comercial. Antes mesmo do agravamento dos problemas financeiros mundiais, os asiáticos já haviam se tornado clientes fundamentais dos produtos primários nos quais o Brasil é competitivo. A voracidade da demanda chinesa ajudou a melhorar os balanços das companhias exportadoras, a ponto de alimentar uma valorização acentuada do real frente ao dólar. Os empresários viam estrelas quando se falava em China e isso elevava as expectativas de entrada de dólares. Agora, é justamente a queda no ritmo econômico chinês que agrava a situação brasileira.

A boa notícia é que, se o Brasil sente mais profundamente o barateamento dos produtos primários, também se mostra um dos atores mais preparados para reagir à crise global. Diferentemente dos anos 80 e 90, o país pode se orgulhar de uma política monetária estável, um volume consistente de reservas e um sistema bancário bastante sólido. Os brasileiros também se transformaram em líderes nas mudanças macroeconômicas e demonstraram eficiência numa série de setores. O governo demonstra saber, ainda, a importância de interferir no livre mercado em situações em que o caos se instala - e apenas nessas situações -, como no episódio recente em que os problemas de algumas companhias com derivativos levaram a uma desestabilização do câmbio. Uma conjunção tão favorável de fatores permite que se afirme com segurança que o Brasil conseguirá superar a crise e, mais do que isso, sairá fortalecido dela, assim como os demais emergentes.

Parte dos efeitos positivos da turbulência atual para os países em desenvolvimento virá do reforço na credibilidade dessas nações. Isso porque, pela primeira vez depois de mais de uma década de crises iniciadas na periferia capitalista, o furacão global, desta vez, teve início na economia mais poderosa do mundo e só irá se dissipar com a ajuda do poder de crescimento de mercados como Brasil, Rússia, Índia e China. Quando a poeira baixar, ficará mais fácil perceber também que, além de ocupar um espaço simbólico mais nobre no cenário mundial, os emergentes caminham para se tornar protagonistas de um novo arranjo econômico, em que o centro de consumo não se encontra mais nos Estados Unidos, e sim nas nações em desenvolvimento. Para evidenciar essa realidade, basta dizer que em dez anos haverá 1 bilhão de novos consumidores nos países emergentes e, em 25 anos, esses mercados já estarão maiores do que os desenvolvidos.

A dimensão dessas mudanças faz da crise atual um marco bastante claro. Estamos na fase de “passar a tocha” do século 20 para o 21, o século dos emergentes. Fortalecidas pela superação da crise, as nações em desenvolvimento se mostrarão ainda mais atraentes para os investidores. O ganho de relevância econômica acabará por se reverter, ainda, em maior poder de voto em organizações como o Fundo Monetário Internacional. Por fim, chegaremos a uma fase em que o consumidor americano deixará de ser rei, para dar lugar a um mundo com diversos centros de poder econômico. Uma transformação tão impactante que nos obrigará a entender, de uma vez por todas, que soluções unilaterais para os problemas econômicos são coisa do passado.

*Presidente do conselho da empresa de administração de ativos Emerging Markets Management LLC, autor do livro The Emerging Marketing Century, ainda sem tradução no Brasil, e autor do termo “países emergentes”

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