Minhas Finanças

Aposentadoria com pimenta

Aplicar em ações será um recurso cada vez mais usado nos planos de previdência. Até que ponto ele é seguro?

Borges e a família: o dinheiro da faculdade dos filhos foi para um plano que pode investir metade dos recursos em ações (.)

Borges e a família: o dinheiro da faculdade dos filhos foi para um plano que pode investir metade dos recursos em ações (.)

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h11.

São Paulo - Sem grandes pretensões, o engenheiro paulista Carlos Roberto Borges, de 39 anos, "brincou" - como ele diz - um pouco na Bovespa durante três anos. Aplicou 30.000 reais, mas, quando o Índice Bovespa começou a despencar no ano passado, decidiu sair da bolsa mesmo com prejuízo. Mesmo após a má experiência, Borges insistiu no risco. Voltou à bolsa seis meses depois - mas de um jeito diferente. Percebeu que o novo cenário de juros mais baixos alterou todo seu planejamento para o futuro. Decidiu então aceitar uma dose maior de risco em sua previdência privada, o dinheiro com que pretende custear a faculdade dos filhos, Gabriel Henrique e Pedro Felipe, atualmente com 7 e 9 anos. Foi assim que a bolsa cruzou de novo seu caminho.
 
Vendo a Selic em queda e as ações em alta, Borges elevou, há três meses, a parcela de renda variável em seu fundo de previdência para 49% - o máximo permitido pela lei. Há quatro anos, quando a Selic estava na casa de 20% ao ano, um poupador que fizesse depósitos mensais de 2 500 reais por 25 anos garantiria, na aposentadoria, um benefício de 15.000 reais por mês ao longo de 25 anos. Isso se a taxa de juros se mantivesse inalterada. Com a taxa atual de 8,75% ao ano, seria preciso fazer depósitos de, no mínimo, 6.000 reais para manter a mesma renda. Quem não tem todo esse dinheiro ou acha o aumento do aporte uma opção conservadora demais pode seguir o caminho de Borges - apostar em maior rentabilidade.

Os números mostram que apenas uma minoria tem optado por apimentar a aposentadoria. Mesmo após a queda da Selic, os aplicadores têm preferido os produtos de previdência "puros" em renda fixa ou com fatia de até 20% na renda variável. As modalidades mais agressivas tiveram captação negativa neste ano. O medo desses investidores é, em parte, justificável. Se estimar o desempenho do Índice Bovespa nos próximos meses já é uma tarefa árdua, fazê-lo para as próximas décadas é ainda mais confuso. O problema é que a era da renda fixa como porto seguro acabou. E isso muda tudo. Especialmente para investimentos com prazos longos, a bolsa tende a ser um destino cada vez mais popular. Lá fora, o padrão é que as ações rendam o dobro das aplicações em renda fixa. É o que indicam estimativas mais conservadoras também para o Brasil - sempre ressalvando que isso só vale para horizontes longos. Projeções mais otimistas sugerem um ganho muito maior com ações.


Tomando como base a tese mais conservadora para o mercado de ações, o aplicador que queira poupar por 25 anos para ter renda de 15.000 reais teria de fazer aportes de cerca de 3 200 reais ao mês em fundos de previdência agressivos, que podem aplicar até 49% do capital da carteira em renda variável. "Tendo em vista a perspectiva da economia brasileira, estamos numa época favorável para aplicar na bolsa de olho no longo prazo", diz o consultor financeiro Gustavo Cerbasi. O Índice Bovespa já voltou ao nível pré-crise, mas ainda assim, segundo diz a maior parte dos analistas, o potencial de alta é grande nos próximos anos.

Além de obrigar todo mundo a refazer os cálculos, o novo cenário também colocou em evidência as tarifas dos fundos de previdência - que variam de 1% a 3% para quem faz aportes de cerca de 5.000 reais. Os investidores de fundos de previdência arcam ainda com a taxa de carregamento, cobrada uma vez sobre cada aporte - que vai de 0% a 10%, conforme a seguradora. Em algumas, o valor é fixo. Em outras, as tarifas caem para grandes volumes aportados. O tempo de contribuição também ajuda a reduzir essa taxa - ela começa alta e pode chegar a zero a partir de cinco anos. Para quem está começando a poupança de aposentadoria, ela é decisiva no resultado, principalmente com os juros de um dígito.

Muita gente espera que a concorrência leve as seguradoras a reduzir as taxas, mas o processo poderá levar anos. Pesquisar e comparar, por ora, ainda é a estratégia mais eficiente. Quem constatar que está pagando caro deve negociar com seu gerente e, no limite, trocar de seguradora. Desde 2006, a regra da portabilidade permite que se transfira o plano para outra empresa. Em cerca de três anos, a mudança já permitiu a transferência de 152.000 planos - foram 23.000 apenas nos cinco primeiros meses deste ano, indicam os dados da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida. O investidor também deve prestar atenção na estratégia certa para cada idade. Um número crescente de seguradoras está adotando uma política conhecida nos Estados Unidos como "ciclo de vida". Ela consiste em ajustar a estratégia de investimento do fundo de acordo com a idade do cliente. Aos 25 anos, quando o segurado ainda tem uma vida inteira pela frente, a parcela da renda variável é de quase 50% do total - a justificativa é que um jovem pode correr mais riscos porque terá tempo de recuperar eventuais perdas no meio do caminho. À medida que o tempo passa, o gestor do fundo diminui a parcela aplicada em ações até zerar quando o cliente chega à idade da aposentadoria - e não quer nem saber de risco. Mesmo quem não queira entrar num fundo "ciclo da vida" não deveria negligenciar essa estratégia. Uma das lições da última crise - principalmente nos Estados Unidos - foi que se deve buscar investimentos mais conservadores à medida que a idade da aposentadoria vai chegando perto.


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