3 clichês sobre a aposentadoria que não passam de mitos
Pesquisa da Mercer revela três mitos sobre gastos na aposentadoria e uma verdade que talvez seja pior do que você pensava
Da Redação
Publicado em 29 de maio de 2014 às 16h22.
São Paulo – Gastamos menos na aposentadoria que durante a vida ativa; quem tem um plano de previdência complementar está com o futuro garantido; aposentados têm mais despesas com lazer do que pessoas que ainda trabalham.
Conforme pesquisa da consultoria Mercer divulgada integralmente nesta quinta-feira, esses lugares-comuns que povoam o imaginário coletivo brasileiro não passam de mitos, que surpreenderam até mesmo os pesquisadores, que trabalham na área de previdência privada .
A pesquisa ouviu 1.500 aposentados em todo o Brasil que têm previdência complementar pelo antigo empregador, dividindo-os em dois grupos para algumas avaliações: aqueles que têm rendimentos até o teto atual do INSS (4.160 reais) e aqueles que ganham mais do que isso.
O trabalho avaliou também todos os planos de previdência empresariais abertos a novos participantes. Veja a seguir alguns dos mitos que a pesquisa identificou e os resultados alarmantes do levantamento:
1Vou ter menos despesas na aposentadoria que durante a vida ativa
Com base nessa crença, muitos especialistas e investidores calculam quanto se deve poupar para a aposentadoria partindo do princípio de que, naquela fase da vida, precisarão de apenas 70% a 80% do salário atual para sobreviver.
Mas não é isso que vem sendo verificado na prática. Dos aposentados ouvidos pela Mercer, 30% mantiveram o nível de gastos que tinham antes de se aposentar e 33% passaram a gastar mais.
“Ou seja, verificamos que 63% das pessoas têm, no mínimo, o mesmo nível de gastos”, ressalta Carolina Wanderley, consultora sênior de previdência da Mercer ao apresentar os dados da pesquisa.
Ela lembra que, ao se aposentar, as pessoas não desejam recuar o padrão de vida e querem manter inclusive benefícios antes custeados pela empresa ou benesses que a profissão lhes rendia. Elas desejam continuar morando da mesma forma e frequentando os mesmos restaurantes, por exemplo.
Contudo, a pesquisa mostrou que boa parte dos aposentados teve que cortar despesas. Metade desses 63% que gastam o mesmo ou mais do que durante a vida ativa tiveram que fazer essa readequação do orçamento .
2Minha previdência será suficiente para custear a maior parte das minhas despesas
Talvez você não só gaste o mesmo ou até mais na sua aposentadoria como também é bem possível que a soma da previdência complementar e da previdência social não seja suficiente para chegar sequer a 80% do seu salário.
De acordo com a pesquisa, os planos de previdência complementar atuais têm capacidade de fornecer de 48% a 52% do último salário dos seus beneficiários, caso eles contribuam por 30 anos pelos percentuais adequados dos seus salários.
Mas como a contribuição dos beneficiários acaba sendo inferior ao que deveria ser, na prática os planos só são atualmente capazes de pagar, em média, 35% do último salário de seus beneficiários, o que é considerado muito baixo.
Veja na tabela a seguir a qual percentual do último salário da ativa correspondem os rendimentos de previdência social e complementar juntos, segundo os aposentados entrevistados:
Percentual do último salário a que a previdência corresponde Percentual dos entrevistados que estão neste grupo Percentual deste grupo que precisou cortar gastos ao se aposentar
Percentual do último salário a que a previdência corresponde | Percentual dos entrevistados que estão neste grupo | Percentual deste grupo que precisou cortar gastos ao se aposentar |
---|---|---|
Menos de 40% | 40% | 60% |
De 41% a 80% | 50% | 55% |
Mais de 80% | 10% | 14%* |
(*) Exceto as famílias com renda inferior ao teto do INSS.
Fonte: Mercer
Tendo em vista que as pessoas que contribuem para planos de previdência complementar empresariais atualmente o fazem de forma que eles só sejam capazes de garantir 35% do seu salário na aposentadoria, é bem possível que o primeiro grupo da tabela, que recebe menos de 40% do seu salário da ativa, engorde consideravelmente no futuro.
E hoje, este grupo já não é inexpressivo. Trata-se de quase metade dos entrevistados.
Justamente por ser insuficiente, a previdência acaba não sendo a única fonte de renda de boa parte desses aposentados.
A participação de rendimentos de aluguéis e outras aplicações financeiras corresponde a até 30% do total da renda dessas pessoas, e 49% dos aposentados ainda trabalham, muitos por necessidade.
Além disso, após fazer os cortes orçamentários indesejáveis, optar por continuar trabalhando e usar rendimentos provenientes de outras aplicações para sobreviver, apenas 66% dos aposentados dizem estar sendo capazes de viver com a renda familiar atual.
3Na aposentadoria aumentam os gastos com lazer
Uma visão que muitos têm é de que a aposentadoria será a fase de “aproveitar a vida”. Viajar bastante, dedicar-se a um hobby que consuma recursos, voltar a estudar algo que goste, ir a bons restaurantes e espetáculos e comprar alguns mimos para se divertir são alguns dos planos quando se pensa em ter mais tempo livre e menos compromissos.
Mas também é verdade que não só a renda diminui na aposentadoria como as despesas com saúde aumentam consideravelmente. E o lazer – por falta de saúde, de ânimo ou por necessidade, acaba ficando em segundo, terceiro ou quarto plano.
De acordo com o perfil de consumo dos aposentados, pesquisado pela FGV , lazer e educação respondem por apenas 4% do consumo dos aposentados brasileiros. A maior fatia da renda vai para moradia e habitação (63%), seguido de gastos com saúde (15%).
Além disso, de acordo com a pesquisa da Mercer, apenas 1% dos aposentados que ganham até o teto do INSS dizem gastar mais de 25% da renda com lazer; dentre os aposentados que ganham mais de 10 mil reais por mês, uma renda nada desprezível, apenas 6% gastam mais de um quarto da renda com lazer.
Veja na tabela qual o percentual de aposentados ouvidos pela Mercer que gasta mais de 25% da renda em cada item:
Percentual dos que gastam mais de 25% da renda familiar com:
Tipo de gasto | Renda até R$ 4.160 | Renda acima de R$ 10 mil |
---|---|---|
Habitação e alimentação | 48% | 34% |
Saúde | 30% | 12% |
Transporte | 3% | 1% |
Educação | 6% | 2% |
Lazer | 1% | 6% |
Fonte: Mercer
4Não é mito, mas pode ser pior do que você pensava: gastos com saúde pesam demais
Repare que para 30% dos mais pobres e para 12% dos mais ricos, os gastos com saúde respondem por mais de um quarto da renda familiar. E em média, de acordo com a FGV, 15% da renda dos aposentados estão comprometidos com gastos com saúde.
Entram aí não apenas as despesas com plano de saúde , mas também com medicamentos e até mesmo com o plano de saúde de outros membros da família , aos quais estes pais e avós continuam ajudando.
Para 40% dos entrevistados, “despesas com saúde” é o item que mais pesa no orçamento, mesmo não respondendo por mais de um quarto da renda.
Esse percentual aumenta para 44% quando se analisa apenas o grupo de pessoas que foi ao mercado para contratar um plano de saúde individual após se aposentar.
Felizmente, esse percentual diminui para aqueles que tiveram apoio da empresa para contratar o plano de saúde.
Quando se olha apenas o grupo daqueles que contrataram o plano de saúde por meio do antigo empregador, mas que pagam por ele, 37% consideram que saúde é o item que mais pesa no orçamento. Esse é um direito que qualquer empregado com plano de saúde pela empresa pode conquistar sob algumas condições.
Já entre aqueles que conseguiram manter o plano da antiga empresa sem pagar por ele, 28% consideram que saúde é o item mais pesado do orçamento.
Segundo Carolina Wanderley, isto se deve ao fato de que essas pessoas ainda têm despesas com remédios e com o plano de saúde de outros integrantes da família, por exemplo.
“A inflação médica atualmente é de 14% ao ano e não para de crescer. Se continuar nesse ritmo, em algum momento haverá uma ruptura, e os planos de saúde se tornarão impagáveis para os aposentados”, disse Geraldo Magela, líder da área de Previdência da Mercer, ao frisar a necessidade de haver uma maior preocupação para que a previdência seja capaz de cobrir esses gastos no futuro.
Conclusões: então estamos fritos?
Apesar dos resultados alarmantes, a pesquisa da Mercer aponta para os mais jovens hoje alguns dos caminhos a seguir e tira algumas conclusões:
- As despesas na aposentadoria tendem a ser iguais ou maiores que as despesas durante a fase ativa;
- Famílias com renda próxima ao teto do INSS são as mais afetadas com os gastos pós-aposentadoria (pois eles pesam mais);
- Devemos planejar a renda de aposentadoria de no mínimo 80% do salário;
- Como consequência de tudo isso, as pessoas deverão sim buscar outras fontes de renda na aposentadoria (como trabalho) ou reduzir despesas ou poupar mais ou postergar a aposentadoria.
A Mercer calculou ainda, duas formas de tentar evitar que os aposentados do futuro passem pelo mesmo sufoco que os aposentados que têm previdência complementar passam hoje.
A primeira delas é um possível aumento de contribuição para o plano de previdência complementar. Veja a proposta na tabela:
Salário | Renda recomendável na aposentadoria | Quanto contribuir para o plano |
---|---|---|
Até 4 mil reais | 120% do salário atual | 8% da renda atual |
De 4 mil a 10 mil reais | De 80% a 100% do salário atual | 13% a 19% da renda atual |
Mais de 10 mil reais | 80% do salário atual | 18% da renda atual |
Fonte: Mercer
Esses percentuais de contribuição estão muito acima do que é praticado atualmente, e destinar 20% do salário apenas para a aposentadoria pode parecer delirante para muita gente, especialmente para quem está na faixa intermediária de renda.
Afinal, você terá outros objetivos e desejos hoje que podem ser muito onerosos dependendo de onde você mora.
Como esses percentuais de contribuição foram simulados em um horizonte de 30 anos de contribuição, a solução encontrada para aqueles que não conseguirem investir mais na aposentadoria é contribuir por mais tempo: aderir cedo a um plano de previdência complementar e trabalhar por mais tempo, se aposentando mais tarde.
“A pessoa pode aumentar o tempo de contribuição em dez anos. Teremos que mudar nossa cabeça, rever esse tempo”, diz Geraldo Magela.