11 razões para o preço dos imóveis seguir em alta
Conheça os argumentos de quem acha que os valores dos imóveis no Brasil só vão parar de subir se houver alguma grande tragédia na economia
Da Redação
Publicado em 22 de junho de 2011 às 16h56.
Última atualização em 13 de setembro de 2016 às 16h32.
São Paulo – EXAME.com publica nesta quarta-feira a segunda reportagem da série sobre os preços dos imóveis no Brasil. Após mostrar ontem os sinais de que já pode haver uma bolha no mercado ( clique aqui e veja ), hoje serão apresentados os argumentos de quem acha que o país está apenas no começo de um longo ciclo positivo para o mercado imobiliário. O argumento número 1 desse grupo é que os preços não são nenhum absurdo mesmo após a alta recente. Para Fabio Nogueira, sócio-fundador da BFRE, os preços estavam errados até meados da década de 2000 – e não agora. A valorização dos últimos anos representou apenas uma correção após um período de quase 20 anos de defasagem em relação à inflação. A partir do momento em que a economia brasileira deu um salto e mudou de patamar, era natural que os preços dos imóveis se valorizassem. A realização de grandes eventos esportivos como a Copa (foto) e a Olimpíadas no país também ajudou o mercado em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo. Mesmo com a recuperação recente, há dados que comprovam que os preços ainda não são exagerados. Um estudo do banco JPMorgan, por exemplo, mostra que o valor dos imóveis no Brasil corresponde a 5,5 vezes a renda anual média das famílias. Na China ou Singapura, essa proporção chega a 11 vezes. Haveria, portanto, espaço para que os preços se mantenham em alta.
Neste mês, a incorporadora Brookfield lançou o empreendimento One World Offices (foto) na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Todos os 830 escritórios e salas comerciais valiam 220 milhões de reais e foram vendidos em apenas cinco dias. Nos últimos anos, não têm sido raros os empreendimentos imobiliários vendidos com uma velocidade espantosa, tamanha é a demanda atual. Além do interesse de investidores por imóveis comerciais, o apetite de todas as classes sociais por moradias melhores também anda muito superior ao das duas décadas anteriores. Para o americano Peter Turtzo, vice-presidente da Sotheby’s International Realty, o programa Minha Casa, Minha Vida estaria por trás desse fenômeno. Os subsídios governamentais aliados às facilidades de crédito permitiram que muita gente tivesse acesso à compra da primeira casa própria. Já as outras escalas da pirâmide passaram a ter a oportunidade de dar um passo adiante e vender a atual residência para comprar uma melhor ( clique aqui e leia a entrevista ). Na semana passada, a presidente Dilma Rousseff lançou o programa Minha Casa, Minha Vida 2 e prometeu a construção de mais 2 milhões de casas populares. Estariam dadas as condições, portanto, para que a demanda por residências continue forte ao menos até 2014. O desaquecimento no ritmo de venda dos imóveis em São Paulo no primeiro quadrimestre, mostrado por números do Secovi e do Creci, não seriam motivo de preocupação. “A queda nas vendas é apenas efeito sazonal de um Carnaval que veio em março”, diz Gonzalo Fernandez, presidente da imobiliária Fernandez Mera. “As incorporadoras adiaram alguns lançamentos no início deste ano, mas a demanda segue robusta.”
O crédito imobiliário tem crescido muito rápido no Brasil, mas ainda é pequeno quando comparado ao de outros países. No Brasil, os empréstimos para a compra de imóveis somam cerca de 5% do PIB – contra 11% do México e 18% do Chile. É lógico que cada país tem suas idiossincrasias, mas é inegável que os números provam que ainda há espaço para crescimento. Fabio Nogueira, sócio-fundador e diretor da BFRE, cita outros números para mostrar que o Brasil ainda está longe de uma bolha do crédito, como as que estouraram nos Estados Unidos e na Europa em 2008. Os financiamentos custam ao menos 11% ao ano por aqui (entre custos com juros e seguros), contra 4% no exterior. Em média, o brasileiro toma 62% do valor do imóvel emprestado e coloca outros 38% do próprio bolso. O prazo médio dos financiamentos é de 15 anos – apesar de os prazos máximos oferecidos pelos bancos já chegarem a 30 anos. Aqui somente os bancos e as incorporadoras financiam os imóveis e não é possível tomar mais de um empréstimo por pessoa nem financiar um valor que supere o do próprio bem. Apesar de mais agressivas, as instituições financeiras brasileiras continuam bem mais criteriosas que as americanas, que liberavam financiamentos para um público ironicamente apelidado de NINJA (No Income, No Job or Asset). Como muitos brasileiros colocam dinheiro do próprio bolso para comprar imóveis, terão motivos para lutar e pagar as prestações até o final, evitando que os imóveis sejam retomados pelo banco em um eventual momento de dificuldade. Além disso, quando tiverem imóveis já próximos de serem quitados, não vão vendê-los a qualquer preço como ocorreu nos EUA e deverão esperar até a chegada de outro momento favorável no mercado. “Só uma alta alavancagem pode fazer com que os preços despenquem 50% como nos EUA”, diz Fabio Nogueira. “Não vejo isso ocorrendo no Brasil nem se houver uma freada brusca na economia.”
A oferta de imóveis é pequena para atender a demanda em praticamente todos os segmentos do mercado brasileiro. No entanto, entre imóveis comerciais, há uma abundância de números que sustentam a visão de escassez. Segundo André Rosa, diretor de vendas e investimentos da consultoria Jones Lang LaSalle, todo o estoque de prédios de escritórios de alto padrão destinados a abrigar grandes empresas em São Paulo soma 2,6 milhões de metros quadrados. Isso é apenas uma pequena fração do inventário de Nova York (22 milhões de metros), Washington (16 milhões) ou Boston (8,6 milhões). É a própria escassez que tem levado as grandes empresas a fechar contratos de pré-locação em edifícios que só ficarão prontos daqui a vários meses. “Dos três edifícios de alto padrão na avenida Faria Lima [foto] que serão entregues neste ano, um está 100% locado e dois estão com 70% dos contratos já fechados”, diz Fernando Faria, vice-presidente da consultoria CBRE. “Em um mercado equilibrado, o edifício teria apenas 30% de ocupação no momento da entrega das chaves.” Esse problema pode ser observado nas sete principais capitais brasileiras, que possuem taxas de vacância em edifícios corporativos inferiores a 6% do estoque. Nem mesmo o grande número de entregas previstas para 2011 e 2012 deve ser suficiente para mudar o cenário. “Falta tudo para as empresas brasileiras. Não temos escritórios, galpões industriais, centros de distribuição, lojas nem hotéis em número suficiente”, diz André Rosa, da Jones Lang.
Os aluguéis dos imóveis estão caros no Brasil quando comparados aos cobrados nos Estados Unidos, por exemplo. Mas o câmbio tem um papel importante nessa conta. “Se o dólar não estivesse desvalorizado, não chegaríamos a essa situação de haver imóveis para locação mais baratos em Manhattan do que em São Paulo”, diz Fernando Faria, vice-presidente da CBRE. Portanto, o ajuste dos preços ao que pode ser considerado normal pode acontecer sem a desvalorização dos imóveis no Brasil, mas apenas com o fortalecimento do dólar em relação ao real. André Rosa, da Jones Lang, também lembra que os preços dos aluguéis cobrados hoje estão dentro do que as empresas brasileiras são capazes de pagar. Ele lembra que a imensa maioria dos contratos de locação fechados no país tem uma cláusula de “early termination”. Se achar que o preço está acima de suas possibilidades ou de um patamar considerado justo, o locatário pode pagar uma multa e devolver o imóvel ao proprietário. “Essa legislação funciona como uma proteção contra bolhas”, diz Rosa.
Em cidades como Rio de Janeiro ou São Paulo, as grandes incorporadoras têm protagonizado uma competição ferrenha por terrenos. Os espaços disponíveis para novos empreendimentos em áreas centrais dessas cidades são raros. Em geral, os poucos terrenos que ainda sobram ou não estão à venda ou possuem diversas pendengas jurídicas. “Com o atual preço dos terrenos, não vejo como as incorporadoras possam cobrar menos pelos imóveis”, diz Gonzalo Fernandez, presidente da Fernandez Mera. “Acredito, inclusive, que os preços dos lançamentos que serão feitos no segundo semestre serão 10% ou 15% maiores para refletir o aumento dos terrenos no ano passado.” Há poucos dados sobre os preços de áreas desocupadas nas metrópoles, mas Fernandez estima que os valores praticamente dobraram nos últimos dois anos. Uma prova de como o terreno influencia o custo final de uma obra é o bairro do Morumbi (foto). Como ainda há diversos terrenos disponíveis por lá, os preços dos imóveis têm subido bem menos que nas regiões centrais de São Paulo.
Um dos culpados pela falta de terrenos na cidade de São Paulo é a própria Prefeitura. Desde a década de 1970, o poder público tem tomado medidas para restringir cada vez mais a ocupação do solo na cidade. Além das leis de zoneamento equivocadamente restritivas, as incorporadoras que estão dispostas a pagar as pesadas taxas exigidas pela Prefeitura para desenvolver projetos na cidade também têm encontrado dificuldades para comprar os títulos de outorga, já esgotados em vários bairros. As políticas, elaboradas com o objetivo de evitar os problemas de um adensamento exagerado, só agravaram problemas como o trânsito, já que obrigaram as incorporadoras a lançar empreendimentos cada vez mais longe. O resultado é que alguns terrenos hoje já representam entre 50% e 60% do custo de uma obra – e quem paga a conta é o comprador ( clique aqui e entenda ).
Não são apenas os terrenos que pressionam os preços dos imóveis. Aluguel de equipamentos, materiais de construção e contratação de mão-de-obra ficaram bem mais caros nos últimos anos. Para o vice-presidente da construtora Racional Engenharia, Marcos Santoro, não há como esses preços se acomodarem em um ambiente em que haverá grandes obras de infraestrutura sendo realizadas para a Copa e as Olimpíadas e com o atual boom imobiliário ( clique aqui e leia a entrevista ). O professor O João da Rocha Lima Jr., do Núcleo de Real Estate da Poli-USP, lembra que o avanço tão rápido dos custos tem criado dificuldades para as próprias incorporadoras avaliarem o valor justo de um imóvel no momento do lançamento. Muitas empresas acabam incluindo uma margem de segurança na hora de fixar o preço justo – o que encarece o imóvel para o consumidor. Mesmo assim, as incorporadoras não estão ganhando mais dinheiro. As margens de lucro das empresas, na verdade, estão sendo corroídas pela alta das despesas – tanto que as ações das maiores companhias do setor têm apanhado na BM&FBovespa.
Por mais que os preços tenham subido, as incorporadoras sabem muito bem como fazer uma residência caber no bolso dos potenciais compradores. Uma tendência do mercado imobiliário paulista, por exemplo, foi aumentar o número de lançamentos nas regiões mais afastadas do centro da cidade, onde os terrenos são mais baratos. A proporção entre lançamentos na capital e na região metropolitana já foi igual a 80%-20% no passado, mas hoje está bem próxima de 50%-50%. Em Jundiaí (foto), a 60 km de São Paulo, por exemplo, os lançamentos dobraram nos últimos dois anos – e 30% dos compradores trabalham na capital. Outro artifício utilizado pelas incorporadoras foi reduzir o tamanho dos apartamentos lançados em bairros nobres e melhorar a área comum dos edifícios para que famílias possam se sentir bem e receber amigos mesmo morando em apartamentos de 50 metros quadrados. Para Gonzalo Fernandez, presidente da Fernandez Mera, quando os preços baterem em um teto no Rio de Janeiro e em São Paulo, provavelmente a incorporadoras vão concentrar seus lançamentos em outras capitais brasileiras. A busca por uma atuação mais forte longe dos grandes centros já começou e deve se intensificar nos próximos anos.
Bancos e especialistas em crédito imobiliário já admitem que os recursos do FGTS e da caderneta de poupança já não serão suficientes para financiar o crescimento dos financiamentos a partir de 2013 se a liberação de empréstimos continuar se expandindo no ritmo atual. A redução da oferta de crédito poderia ser fatal para a escalada dos preços. Muita gente, no entanto, argumenta que existe no mercado de capitais brasileiro algumas alternativas para que bancos e construtoras possam captar recursos. A principal delas seria a securitização, uma operação por meio do qual os bancos repassam a investidores carteiras de créditos e levantam o capital necessário para realizar novos empréstimos. Para Fabio Nogueira, sócio-fundador da BFRE, o instrumento de securitização com maior potencial de crescimento no Brasil são os CRI (certificados de recebíveis imobiliários). Esses papéis foram regulamentados em 1997, passaram por diversos testes no Brasil, mas ainda não ganharam a escala necessária nem um mercado secundário com liquidez. Somente a Caixa Econômica Federal (foto) já fez uma oferta de CRI com valor mínimo de 10.000 reais e prioridade para a pessoa física. Mas com a queda dos juros e a necessidade dos bancos de captar dinheiro no mercado, diz Nogueira, o estoque de CRI no Brasil poderia crescer dos atuais 30 bilhões de reais para algo em torno de 300 bilhões de reais. Outra ideia em discussão é que os bancos possam emitir CDBs de longo prazo exclusivos para o mercado imobiliário que contem com incentivos fiscais. Um problema comum a todos os instrumentos de captação de recursos para o setor é a falta de interesse dos fundos de pensão, os grandes detentores de poupança de longo prazo no país. Nos últimos anos, essas instituições têm preferido investir no mercado de ações que em imóveis. “Se o governo atender ao pleito do setor e der isenção de Imposto de Renda para o CDB imobiliário, certamente haverá demanda dos investidores”, diz Joe Powell, da consultoria Crédito Imobiliário Fácil.
A economia brasileira possui diversas ineficiências que contribuem para elevar o preço de praticamente tudo que é vendido por aqui. Não é à toa que os carros brasileiros sejam os mais caros do mundo e que os restaurantes nacionais (foto) cobrem preços muitas vezes superiores aos de Nova York ou Londres. Há toda uma conjuntura macroeconômica que explica esses valores. Os impostos são muito altos, assim como as taxas de juros. A competição na maioria dos setores não é suficiente para manter as margens de lucro das empresas em patamares interessantes para o consumidor. Somente a mão de obra ainda parece competitiva no Brasil – o que, para os assalariados, não é algo a se comemorar. O resultado é que, com exceção de alimentos, quase tudo no Brasil parece hoje mais caro que nos EUA. Por que com os imóveis seria diferente?
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