Invest

Liminar abre caminho para STF estender prazo de isenção dos dividendos

Decisão da Justiça beneficia apenas associadas no Paraná, mas pode levar tema de dividendos isentos até abril ao Supremo

Dividendos tributados: conflito com prazos obrigatórios da legislação societária (beast01/Getty Images)

Dividendos tributados: conflito com prazos obrigatórios da legislação societária (beast01/Getty Images)

Publicado em 19 de dezembro de 2025 às 06h00.

Um grupo de empresas do Paraná obteve na Justiça uma liminar que afasta a incidência de imposto de renda sobre dividendos deliberados pelos conselhos de administração após 31 de dezembro. A decisão atende a uma ação movida pela Associação Comercial do Paraná (ACP) e beneficia cerca de 35 mil empresas associadas à entidade.

A medida contraria a Lei 15.270, sancionada este ano, e que prevê a cobrança de imposto de 10% sobre dividendos que forem deliberados a partir de 2026 como contrapartida para a ampliação da faixa de isenção do IR àqueles que ganham até R$ 5 mil mensais.

A alíquota, retida na fonte, será aplicada a investidores que recebem mais de R$ 50 mil em proventos por mês de uma mesma empresa, ou R$ 600 mil por ano. Na prática, a legislação derruba a isenção tributária atual, que segue prevista apenas para os dividendos aprovados até 31 de dezembro de 2025.

Mas, na avaliação da ACP, a normativa é "inconstitucional" e "incompatível" com a Lei das Sociedades por Ações, que estabelece prazo de até quatro meses após o término do exercício social para que os acionistas deliberem sobre a distribuição de dividendos em assembleia. A 8ª Vara Federal Cível do Distrito Federal reconheceu esse direito.

A Justiça entendeu que a nova lei "cria uma situação de insegurança jurídica" que entra em conflito direto com os prazos obrigatórios da legislação societária. Segundo o juízo, as sociedades anônimas ficam diante de uma exigência impossível: ou cumprem a Lei das S.A. e são tributadas, ou antecipam a deliberação de dividendos, violando a lei societária e expondo administradores a penalidades.

"A incompatibilidade normativa é direta, objetiva e insuperável. Presentes a probabilidade do direito e o perigo de dano, impõe-se o deferimento da tutela de urgência para suspender a eficácia dos dispositivos questionados até interpretação conforme que harmonize legislação tributária e societária", destacou a juíza federal Cristiane Pederzolli Rentzsch.

CNC questiona prazo no STF

Em paralelo à disputa judicial, o Congresso Nacional discute a ampliação do prazo para evitar a tributação dos dividendos. Hoje, essa possibilidade aparece em dois projetos em tramitação. Um deles é o PL nº 128, de 2025, que trata da redução de benefícios fiscais e do aumento da taxação sobre apostas on-line, fintechs e juros sobre capital próprio (JCP).

O texto acaba de ser aprovado pela Câmara e o Senado e aguarda a sanção presidencial, mas a emenda que tratava dos dividendos acabou ficando de fora na votação dos deputados na terça-feira, 16.

A proposta previa que não estariam sujeitos ao Imposto de Renda "os lucros e dividendos relativos a resultados apurados até o ano-calendário de 2025, independentemente das datas de sua deliberação ou distribuição". Ainda assim, há espaço para mudanças no Senado. Outro projeto, o PL nº 5.473, de 2025, prevê justamente a ampliação do prazo de isenção.

Apesar das medidas, o advogado tributarista Luca Salvoni, sócio do escritório Cascione Advogados, aponta que a solução ideal é a aprovação de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ingressada no Supremo Tribunal Federal (STF) pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).

O pedido está em análise na corte e, nas palavras do tributarista, é a "salvação da lavoura", por ser o único instrumento capaz de produzir uma decisão com efeitos gerais.

Segundo ele, apenas uma liminar concedida nesse tipo de ação teria força para afastar a exigência legal para todas as empresas, reduzindo a insegurança jurídica e evitando que o mercado fique dependente de decisões pontuais e restritas a grupos específicos.

"O que nós temos é uma decisão isolada [com a liminar da ACP]. Em termos práticos, posso dizer que nós não temos nada. Objetivamente, as empresas têm que se mobilizar para fazer as aprovações dos dividendos até o final do ano, exceto aquelas poucas cobertas por essa associação. Porque no mais é contar com o incerto aqui. Se sair a liminar em ADI, aí sim ganhamos o prazo de 4 meses", diz Salvoni.

A ação da CNC busca suspender de forma imediata a aplicação dos dispositivos questionados, especialmente a exigência de aprovação e distribuição de lucros e dividendos até 31 de dezembro de 2025. Com isso, seriam restabelecidos os prazos usuais previstos na legislação societária, que daria o prazo até abril do próximo ano.

R$ 124 bilhões de dividendos já foram antecipados

Caio Cesar Braga Ruotolo, advogado tributarista e sócio do Silveira Advogados, observa que a judicialização ampla do tema, especialmente com uma ação no STF, aumenta a chance de que a questão do prazo de deliberação dos dividendos seja levado a uma definição definitiva, ainda que isso possa tanto acelerar quanto atrasar a pacificação.

Para o mercado, esse cenário fragmentado é lido como falta de previsibilidade. "Isso pode levar a uma postura mais cautelosa por parte das empresas e investidores até que haja uma decisão consolidada, especialmente se o tema envolver valores significativos, como no caso da tributação de dividendos", afirma Ruotolo.

Por conta dessas inseguranças, desde outubro, empresas de capital aberto já anunciaram R$ 124 bilhões em proventos, segundo o Itaú BBA.

Para essas companhias, segue válida a regra da Lei nº 15.720, que prevê retenção de 10% de Imposto de Renda sobre dividendos acima de R$ 50 mil mensais por acionista residente no país — ou sobre qualquer valor pago a acionistas no exterior.

Segundo Felipe Medaglia, sócio Tributário e Wealth Management do Souza Okawa Advogados, apenas uma decisão judicial específica ou uma mudança na lei poderia afastar um risco de não se pagar conforme a nova legislação estabelece.

"Embora existam bons argumentos para afastar a limitação de deliberação até 31 de dezembro de 2025 e, mesmo, qualquer limitação que se refira a lucros obtidos antes da vigência da lei, é recomendável que a distribuição seja realizada no prazo originalmente previsto na Lei nº 15.720", diz Medaglia.

É esperado pelos tributaristas, contudo, que as decisões contrárias à deliberação até o dia 31 de dezembro sirvam de referência para outros juízes e tribunais, contribuindo para a formação de um entendimento semelhante em diferentes regiões, a exemplo da liminar concedido para a Associação Comercial do Paraná.

"Ainda que a eficácia formal de uma decisão esteja vinculada às pessoas ligadas à associação, toda decisão judicial exerce o que doutrinariamente se denomina de 'eficácia persuasiva'", diz Brahim Bitar, sócio de resolução de disputas do Fonseca Brasil Advogados.

"A Lei 15.270 colocou as empresas numa situação exótica, de ter que cortar os ritos, os tempos,  fazer antecipações de resultado que não fazem o menor sentido. Mais do que um problema de conflito normativo, não funciona assim", afirma o sócio do escritório Cascione Advogados.

A reportagem buscou Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para entender como o governo avalia os efeitos práticos da lei sobre o mercado e o reconhecimento ou não de um conflito jurídico entre a nova lei e a Lei das S.A. Mas, até o fechamento desta nota, a Procuradoria ainda não havia retornado. O espaço permanece aberto.

Acompanhe tudo sobre:DividendosImpostosAçõesMercadosEmpresas abertas

Mais de Invest

Não recebi a segunda parcela do 13°: quais são os meus direitos?

Imposto de JCP supera o das bets: 'anedota infeliz', diz Abrasca

Banco central do Japão eleva taxa de juros para maior nível em 30 anos

Coty finaliza venda de participação na Wella por US$ 750 milhões