José Paulo Perri: co-presidente e diretor de risco da Quasar Asset: crítica ao padrão de papéis de renda fixa com rendimento equivalente a um percentual do CDI (Quasar Asset/Divulgação)
Guilherme Guilherme
Publicado em 8 de dezembro de 2020 às 06h00.
Última atualização em 8 de dezembro de 2020 às 09h25.
“A renda fixa morreu.” A frase que ganhou notoriedade com a queda da taxa Selic e a consequente diminuição do rendimento dos títulos públicos não passa de uma falácia. É o que afirma José Paulo Perri, co-presidente e diretor de risco da Quasar Asset Management, em entrevista à EXAME Invest. “Para a renda fixa, o juro baixo é positivo”, afirma.
Embora possa parecer contraditório, Perri diz que a queda de juros ajudou a alavancar a indústria de fundos de renda fixa, uma vez que aumentou a necessidade por ativos mais complexos e a competição entre gestoras. “O que morreu foi o rentismo do CDI sem risco, remunerado a taxas overnight. Renda fixa é um universo muito maior”, diz.
Segundo Perri, a queda de juros gerou boas oportunidades em crédito privado, inclusive em dívidas voltadas a pequenas e médias empresas. “A queda do CDI de 8% para 2% faz uma diferença enorme para a empresa conseguir pagar a despesa financeira. Pode ser a diferença entre ele ter ou não lucro no ano. A sensibilidade é muito maior no lucro que no crescimento.”
Perri também disse enxergar uma tendência de maior atuação de pessoas físicas no mercado de renda fixa, mas que a falta de padronização e a eletronificação impedem um crescimento ainda maior. “Vamos chegar a uma liquidez maior no Brasil. A pessoa física vai atuar mais diretamente, mas nunca será como em ações.” Segundo ele, a própria "cultura do percentual do CDI" é um atraso que impede o desenvolvimento do mercado de renda fixa brasileiro. "Como comparar algo que há quatro anos pagava 110% e hoje também paga 110%? O parâmetro de comparação se perdeu."
Sobre os planos da Quasar, Perri contou que, depois do lançamento do primeiro fundo imobiliário voltado para armazenagem de produtos agrícolas, a ideia é lançar um segundo, mas em outro segmento. “Vamos para a captação no primeiro trimestre do ano que vem de um fundo imobiliário para comprar CRIs com perfil de operação mais high yield. Mirando retornos líquidos por volta de IPCA+7%.” Confira a entrevista à EXAME Invest.
Os investimentos em ações internacionais vêm ganhando bastante força. O investimento em renda fixa no exterior também vai decolar?
O mercado de ações é muito maior porque tem uma vantagem muito grande: a padronização. O investidor consegue comparar o preço do Google com o da Microsoft . Já no mercado de renda fixa, os papéis trazem diferenças entre si, tem uma série de características nos papéis que dificultam a comparação.
O mercado brasileiro na bolsa também só decolou depois que virou tudo eletrônico e acabou o pregão com viva-voz. A renda fixa está nesse caminho, vai chegar a ser o que é o mercado de ações. Quando houver na renda fixa a eletronificação da negociação em bolsa ou na Cetip, padronização de contratos e acabar a indexação a um percentual do CDI, vamos chegar a uma liquidez maior. A pessoa física vai atuar mais diretamente, mas nunca será como ações.
Por que o investimento atrelado a um percentual do CDI é um atraso?
Em 2016, o CDI era de 14% e tinha papel de 1 ano de vencimento que pagava 110% do CDI. Ou seja, 1,4 ponto percentual (p.p.) a mais. Hoje, 110% de CDI de 2% ao ano é 0,2 p.p. Como comparar algo que há quatro anos pagava 110% e hoje também paga 110%? O parâmetro de comparação se perdeu.
A grande maioria dos papéis com liquidez no exterior são prefixados. CDI+, por exemplo, é muito mais transparente, pois remunera o risco de crédito acima da taxa overnight. O percentual do CDI é super misleading (enganoso). Dizer que um papel rendeu 110% ou 150% do CDI hoje, na prática, é quase a mesma coisa. Está remunerando marginalmente o capital e pode estar correndo um risco muito maior por uma remuneração mínima.
Faltam papéis prefixados?
O Tesouro coloca LTNs (Letras do Tesouro Nacional) e NTN-Fs (Notas do Tesouro Nacional Série F), mas, via de regra, os fundos que compram esses papéis fazem hedge no DI (juro futuro). Acho que do ponto de vista soberano não faltam (prefixados). Mas faltam (prefixados) de debêntures prefixadas. Hoje, as empresas estariam dispostas a tomar dinheiro prefixado com a curva de juros como está.
Mas não sei se os alocadores estão dispostos a tomar juros prefixados de uma empresa, mesmo que seja boa. É um pouco de cultura da indústria de investimentos em só falar em percentual do CDI. Hoje se fala em CDI+. É um pouco de mudança de cultura para taxas prefixadas ou CDI+.
Essa cultura é uma herança de um histórico de taxas de juro elevadas?
Sem dúvida. O Brasil era um país de rentistas. A coisa mais óbvia para alguém que acumulou dinheiro pela vida toda de trabalho era comprar um CDB do Itaú ou do Bradesco que pagava 80% ou 90% do CDI. Um CDI entre 9% e 14% é uma baita remuneração sem correr risco nenhum. O brasileiro, no investimento, sempre foi acomodado porque tinha um Tesouro, um país, financiando esse tipo de investimento.
Graças a Deus entramos em um cenário de inflação sob controle, juros baixos no mundo inteiro e de abundância de recursos que possibilitaram um CDI de 2%. Não acho sustentável no longo prazo, mas acho muito improvável termos um CDI de 10%. Um CDI de 4%, 5% é um juro maior que o de hoje, mas ninguém que busca rentabilizar seu dinheiro estaria feliz com juros de 5% no banco.
E como a queda de juros impactou a dinâmica da indústria de fundos de renda fixa?
Houve uma falácia de que a renda fixa tinha morrido. A renda fixa não morreu. O que morreu foi o rentismo do CDI sem risco, remunerado a taxas overnight. Renda fixa é um universo muito maior. O juro baixo traz outras oportunidades. Precisa alocar em outros tipos de risco, como corporativo, de duração, de crédito. É muito benéfico para a educação financeira e a diversificação das carteiras. É óbvio que todo mundo gosta de ganhar muito dinheiro sem fazer muito esforço. Era muito bom, mas o Brasil é o que é pelo legado de várias coisas, entre elas o juro alto.
Juro baixo é bom para a renda fixa?
Para renda fixa, o juro baixo é positivo. Faz com que a inovação aconteça, surjam novas gestoras, produtos diferentes, classes de investimentos. Muita gente saiu dos empregos em bancos para empreender e montar gestoras, trazer inovação para o mercado. Tem muita fintech aparecendo que gera oportunidade de investimentos. O juro baixo tem várias vantagens para o país, para a diversificação de investimentos, para a educação financeira. É muito positivo. A taxa de juros não fica nesses patamares, mas, mesmo que volte a subir, nada vai nos fazer retroceder no tempo.
A queda de juros tornou o papel dos fundos mais relevante até pela necessidade de produtos mais complexos?
Sem dúvida. A gestão profissional é muito importante para o investidor. Primeiro, porque boa parte dos investidores não está no dia a dia, não acompanha ou não quer entender (sobre investimentos). É natural delegar para um terceiro – que obviamente é remunerado por isso, mas está alinhado com o investidor.
Essa queda da renda fixa fez com que os gestores buscassem se diferenciar de seus concorrentes. Senão o gestor só vai ser mais um com um fundo de crédito que compra os mesmos papéis que o outro fundo compra. A queda traz competição e inovação.
Como a queda de juros influencia o risco de crédito das empresas?
Para a maioria das empresas no Brasil, que são as pequenas e médias, faz muito mais diferença ter um juro baixo do que um PIB crescendo 3% ou 4% ao ano. Essas empresas têm dívidas estruturais e se financiam muito. A queda do CDI de 8% para 2% faz uma diferença enorme para a empresa conseguir pagar a despesa financeira. Pode ser a diferença entre ter ou não lucro no ano. A sensibilidade é muito maior no lucro que no crescimento.
Mas é óbvio que, com uma contração de 4% ou 5% do PIB como vai ser neste ano, tanto faz ter juros de 2% ou 4%, porque a empresa vai sofrer. Mas, em um cenário normal, existe muita oportunidade para investidores encontrarem empresas que, com taxa de juros de 2% ou 4%, pagam spreads de créditos atraentes. Falo de CDI+5%, CDI+7%. Dentro de uma carteira diversificada, isso faz total sentido. Mesmo em um cenário de CDI no dobro do nível atual, ainda há muitas oportunidades no mercado de crédito.
O risco fiscal com a possibilidade de o governo estourar o teto de gastos é ainda maior para a renda fixa?
Obviamente, a renda fixa é uma das primeiras que vai sofrer porque no risco fiscal a curva de juros tende a inclinar e o prêmio de risco para o Tesouro conseguir se financiar aumenta. Vimos isso com discursos “populistas” de aumento de gastos. Se tem um descontrole fiscal ou uma sinalização de que o governo não vai manter o teto de gastos, o investidor local e o estrangeiro vão demandar mais prêmio para rolar a dívida brasileira. Então, fica mais caro para o país ter um descontrole fiscal.
Quais são os próximos planos da Quasar?
No campo imobiliário, vamos para captação, no primeiro trimestre do ano que vem, de um fundo imobiliário para comprar CRIs com perfil de operação mais high yield, mirando retornos líquidos por volta de IPCA+7%. E nós temos um braço de infraestrutura mirando projetos em fase inicial ou com período grande até ser finalizado. A ideia é financiar projetos de infraestrutura no Brasil via dívida, empacotando dentro de FIPs (Fundos de Investimento em Participações) listados.