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Hedge Funds usam ‘kit Brasil’ e garantem retorno com renda fixa

O Índice Eurekahedge de Fundos de Hedge Onshore da América Latina, composto em 90% por instituições brasileiras, teve rentabilidade média anual de 20% entre 2001 e 2010

O Credit Suisse gere fundos de hedge de melhor desempenho (Wikimedia Commons)

O Credit Suisse gere fundos de hedge de melhor desempenho (Wikimedia Commons)

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Da Redação

Publicado em 7 de junho de 2011 às 16h18.

Rio de Janeiro - Toda semana eles chegam sozinhos, em dois ou grupos de 10, alguns diretamente do Aeroporto Internacional de Guarulhos. Esses investidores batem à porta do escritório da Credit Suisse Hedging-Griffo, pedindo para colocar seus milhões de dólares em um dos fundos de hedge de melhor desempenho no mundo.

A resposta dos administradores do fundo é geralmente um educado e decidido não. O fundo Verde da Hedging-Griffo teve rentabilidade média anual de 33 por cento desde 1997. Um americano chegou a propor um contrato que impediria resgate por três anos, disse Luiz Paulo Parreiras, estrategista da instituição.

“Fundos de pensão, fundos de universidades, dinheiro soberano; recusamos todos”, disse ele. Os gestores temem que, se o fundo de US$ 8 bilhões da Hedging-Griffo ficar grande demais, suas operações poderão mexer com o mercado brasileiro, disse Parreiras para a edição de julho da revista Bloomberg Markets.

Os retornos da Hedging-Griffo na última década foram os maiores entre os fundos de hedge no Brasil. Outros fundos de hedge brasileiros, muitos dos quais ainda abertos para novos investidores, não estão muito atrás. Americanos e europeus estão começando a perceber isso.

O Índice Eurekahedge de Fundos de Hedge Onshore da América Latina, composto em 90 por cento por instituições brasileiras, teve rentabilidade média anual de 20 por cento entre 2001 e 2010. Esse número é o maior dentre as demais regiões do mundo, segundo a Eurekahedge Pte, que tem escritórios em Londres, Nova York e Cingapura.

Maioria em títulos

A ironia é que as estratégias de operação da maioria dos fundos de hedge brasileiros são parecidas com as dos fundos indexados. Os gestores brasileiros aplicam quase tudo em títulos de renda fixa e ações. Os reguladores chamam esses fundos de multimercado para diferenciá-los dos fundos mútuos.

Diferentemente dos Estados Unidos, onde os fundos de hedge não estão sujeitos a regulação, no Brasil esses fundos têm de informar o valor de seus ativos diariamente às autoridades. Eles também têm que divulgar sua carteira e normalmente têm de oferecer resgate em poucos dias, o que os impedem de fazer muitas apostas arriscadas.

Isso significa que esses fundos são relativamente fáceis de serem administrados, disse Simon Nocera, co-fundador do fundo de hedge Lumen Advisors LLC em São Francisco e ex-economista do Fundo Monetário Internacional.

“Você só precisa seguir o Ibovespa e comprar títulos da dívida pública”, disse ele. “Não é necessário ser super ativo ou um ótimo operador.”


Maiores retornos

Os investidores não reclamam. Os fundos brasileiros têm sido lucrativos porque, nos últimos 10, anos os títulos públicos e o mercado de ações do País tiveram retornos maiores do que os dos principais índices do mundo. Austeridade fiscal, exportações em alta e aumento de renda contribuíram para os resultados.

Desde 2001, os papéis do governo brasileiro com vencimento em dois anos tiveram retorno anual médio de 17 por cento, e o índice Bovespa acumulou ganhos anuais de 16 por cento. No mesmo período, o ganho do Standard & Poor’s 500 foi de 1 por cento.
Ao redor do mundo, fundos de hedge tiveram um ganho anual de 11 por cento no período, segundo a Eurekahedge.

A economia brasileira cresceu 7,5 por cento em 2010, o ritmo mais acelerado em duas décadas. Esse aquecimento está criando uma nova classe de investidores. De 2006 a 2009, 38.000 brasileiros viraram milionários, em dólares, ou 26 pessoas por dia, segundo o relatório World Wealth do Bank of America Corp.

Em outubro, a Highbridge Capital Management LLC, fundo de hedge de Nova York controlado pelo JPMorgan Chase & Co., investiu uma quantia não revelada para comprar o controle da Gávea Investimentos Ltda. do Rio de Janeiro, que administra US$ 6 bilhões.

Novos Fundos

Analistas, operadores e ex-funcionários de bancos de investimento brasileiros abriram 31 novos fundos de hedge no último ano, segundo dados da empresa de pesquisa Economática, de São Paulo. O País tem 462 fundos de hedge.

A expansão da economia e o aumento de renda contribuíram para a alta da inflação, e para a valorização de 39 por cento do real em relação ao dólar nos dois anos encerrados em abril.

Os títulos da dívida brasileira dispararam após o País ter recebido sua primeira classificação como grau de investimento, em 2009. O Banco Central elevou o juro básico três vezes este ano para 12 por cento, para conter a alta dos preços.

A apreciação cambial e a alta da inflação levantam dúvidas sobre a sustentabilidade desse patamar de retornos, disse Jim O’Neill, presidente da Goldman Sachs Asset Management em Londres.

“Vai ser difícil repetir a última década”, disse ele.


‘Kit Brasil’

A estratégia mais comum entre os fundos de hedge brasileiros, que de tão simples foi apelidada de “kit Brasil” por gestores e operadores, é ter cerca de 66 por cento dos ativos em renda fixa e a maior parte do restante em ações, segundo documentos enviados às autoridades reguladoras. Além disso, algumas apostas em câmbio ou juros.

Os investidores pagam aos fundos da América Latina as mesmas taxas praticadas nos EUA e Europa. Os fundos latino- americanos cobram em média 1,88 por cento sobre os ativos e de 20 por cento sobre o lucro, de acordo com a Eurekahedge.

Brasileiros exigem que os gestores superem o retorno dos títulos da dívida pública, disse Marcelo Mesquita, co-fundador da Leblon Equities Gestão de Recursos Ltda., empresa de fundos de hedge e private equity do Rio. Muitos gestores ficam tão preocupados de gerar menos retorno do que os títulos públicos que perdem as melhores oportunidades em ações, disse ele.

“Eles não deveriam estar recebendo os 2 e 20 por cento se não estão tomando risco”, disse Mesquita. “Você paga alguém para avaliar os riscos e chegar a um retorno maior.”

Poucas opções

Os estrategistas têm poucas opções no mercado acionário brasileiro. A Bolsa de Valores de São Paulo tem ações listadas de 467 empresas, comparado a 5.700 nos EUA. Dez ações respondem por 50 por cento do valor de mercado do Ibovespa, segundo dados da Bloomberg.

Isso limita as escolhas dos gestores, disse Tony Volpon, estrategista para América Latina da Nomura Holdings Inc. em Nova York.
“Eles estão presos numa caixa”, disse Volpon. “Então é difícil para eles se diferenciarem, porque todo mundo faz a mesma coisa.”
Esta não é uma preocupação para muitos investidores. Cesar Stange, sócio da Gaia Capital Corp., empresa de gestão de fortunas de Buenos Aires, disse que vem investindo em fundos de hedge brasileiros há sete anos.

“O universo de estratégias é menor, mas há alguns gestores muito astutos”, disse ele. “Combinando-se gente inteligente e um mercado forte, os resultados são ótimos.”


Fundos offshore

Alguns gestores brasileiros optaram por assumir mais riscos incorporando seus fundos de hedge no exterior, o que lhes permite driblar os regulamentos do País. A Tarpon Investimentos, de São Paulo, investe a maior parte do dinheiro em ações de empresas com forte potencial de crescimento, disse José Carlos Magalhães, que fundou a empresa em 2002, quando tinha 24 anos.

Os investidores de seu fundo offshore aceitam que a Tarpon fiquem com a aplicação por dois anos no mínimo. O fundo vem superando a maioria dos fundos de hedge no Brasil há nove anos. O fundo Tarpon HG Fund-A registrou rentabilidade anualizada de 30 por cento entre 2005 e 2010, liderando o ranking de fundos de hedge offshore brasileiros com mais de US$ 1 bilhão, publicado na Bloomberg Markets de fevereiro.

Magalhães, conhecido como Zeca, usa roupas informais no escritório, assim como Parreiras, da Hedging-Griffo, e a maioria dos gestores de fundos de São Paulo. O traje mais comum é camisa azul com as mangas arregaçadas, jeans da marca Diesel ou calça escura. No Rio, alguns estrategistas trabalham como se estivessem prontos para ir à praia, disse Cláudio Andrade, co- fundador da Polo Gestão de Recursos Ltda.

Nenhum quebrou

“A gente dá duro aqui”, disse ele, calçando mocassim marrom sem meia. “Como acontece de eles passarem mais tempo aqui do que em casa, quero que todo mundo se sinta à vontade.”

Independentemente do local de incorporação dos fundos de hedge brasileiros, nenhum deles quebrou durante a crise financeira global que começou em 2007, disse Maria Helena Santana, presidente da Comissão de Valores Mobiliários no Rio.


Prestação de contas

A crise, causada em grande parte pelos US$ 2,5 trilhões em instrumentos de securitização de hipotecas de segunda linha nas carteiras de bancos, seguradoras e fundos de hedge, acabou com 2.494 fundos de hedge em todo o mundo em 2008 e 2009, segundo a Hedge Fund Research Inc., de Chicago.

No Brasil os gestores precisam prestar contas a firmas independentes de avaliação de risco, em alguns casos, semanalmente. O Bank of New York Mellon Corp. está entre as instituições mais utilizadas.

“Faz toda a diferença ter mais transparência”, disse Luis D’Amato, chefe de produtos institucionais da Hedging-Griffo. “Nos EUA, sempre que se obtinha a informação, já era tarde demais.”

Alguns fundos dos EUA e Europa estão seguindo os passos dos brasileiros. A Comissão Européia está usando regras similares às do País para uma nova classe de fundos de hedge conhecida como UCITS. As regras exigem que os gestores divulguem sua carteira e limitam o uso de empréstimos para comprar papéis.

Fundos supervisionados

Esses fundos também são obrigados a permitir o resgate em um dia ou mais. Os UCITS, sigla em inglês para Obrigações para Investimento Coletivo em Valores Mobiliários Transferíveis, triplicaram seus ativos para US$ 90,5 bilhões no ano passado, de acordo com a Hedge Fund Intelligence.

A Paulson & Co., do investidor John Paulson e com sede em Nova York, e a Winton Capital Management Ltd., de David Harding e sediada em Londres, estão entre os fundos de hedge que lançaram UCITS no ano passado. Os fundos estão registrados na Europa.

As autoridades brasileiras exigem que os gestores sejam mais atentos a riscos, disse Parreiras, da Hedging-Griffo. Luis Stuhlberger iniciou o fundo Verde em 1997. Quatro anos depois, o estrategista Parreiras começou a trabalhar com Stuhlberger, que na ocasião era um estagiário de 21 anos recém-formado em engenharia pela Universidade de São Paulo.

Em 2007, o Credit Suisse Group AG de Zurique comprou o controle acionário da Hedging-Griffo por 421 milhões de francos suíços.


Sangue novo

“Eles tentam contratar gente jovem”, disse Parreiras, que é magro e usa óculos de aro, e é informal mesmo no escritório. “Eu gosto muito da nova geração na Credit Suisse Hedging- Griffo.”

As mesas de tesouraria dos maiores bancos de investimento do Brasil na década de 90, como o Banco Garantia SA e o Banco Pactual SA, treinaram muitos dos principais gestores do País.

A Hedging-Griffo se distingue pelo longo histórico, disse Parreiras. O fundo Verde é um dos mais antigos no Brasil, tendo superado várias crises, incluindo a crise de 1998 que começou com a desvalorização da moeda da Tailândia e o calote da dívida argentina em 2001.

“Assumir risco nesse ambiente prova que as pessoas têm de trabalhar pelo dinheiro que ganham”, disse Parreiras. “Não dá para só seguir o ‘kit Brasil’ e ir pra casa.”

Grande o suficiente

Com US$ 8 bilhões sob gestão, o fundo não pode crescer mais sem mover o mercado de renda fixa, disse Parreiras. “Se fossemos maiores, isso prejudicaria nossa habilidade de entrar e sair de mercados.”

Fundos mais novos e menores também têm grau de sucesso parecido. É o caso da Tarpon, de Zeca Magalhães. Com o apoio de um primo que operava ações, aos 17 anos Zeca começou a aplicar na bolsa.

“Comecei com US$ 1.000, daí US$ 5.000, daí US$ 20.000 e depois US$ 50 mil”, disse ele. Ao ganhar dinheiro, conseguiu convencer familiares e amigos a permitir que ele gerenciasse as economias deles, disse Zeca.

Em meio à turbulência financeira no Brasil em 2002, depois que a Argentina deu o calote em US$ 95 bilhões da dívida externa, Zeca disse que decidiu se arriscar. Ele bateu na porta de seu chefe na época, Ricardo Semler, presidente da fabricante de componentes mecânicos Semco SA, e pediu dinheiro para começar um fundo de hedge.


Foco em pesquisa

Ele disse que queria lançar um fundo porque os preços das ações estavam baratos demais para deixar passar.

Semler investiu cerca de US$ 2,2 milhões na Tarpon, disse Zeca. Foi uma decisão lucrativa. O dinheiro de Semler se multiplicou por 17 entre 2002 e maio de 2011. A Tarpon agora só aceita novos investidores em fundos offshore.

Um dos primeiros investimentos de Zeca foi na Sadia SA. A empresa, de Santa Catarina, estava entrando no mercado de comida congelada, com produtos como macarrão com salsicha, hambúrguer pronto e torta de peito de peru.

Zeca encarregou cinco analistas da Tarpon para estudarem como a transição aumentaria a geração de caixa, disse Eduardo Mufarej, sócio da Tarpon.

O foco concentrado em pesquisa é uma das filosofias de Zeca. Segundo ele, quase todo mundo, incluindo ele próprio, é excepcional em no máximo 5 por cento do que faz, e abaixo da média no resto.

“Eu não acredito em grandes idéias”, disse ele. “Não somos Thomas Edison inventando a lâmpada.”

Em julho de 2004, a Tarpon tinha investido R$ 85 milhões na Sadia, que representava 35 por cento dos ativos do fundo de hedge. A lei brasileira não limita a quantia que um fundo pode investir em uma única empresa. Os jovens gestores, todos com menos de 30 anos, começaram a conhecer melhor a família Fontana, controladora da Sadia, disse Mufarej.

Sadia

Em fevereiro de 2005, a Tarpon concluiu que a Sadia estava errando ao começar a exportar e gastar muito para aumentar a capacidade de produção, disse ele. Então o fundo vendeu as ações que detinha, ganhando cinco vezes o que havia investido, disse Mufarej.

Três anos depois, enquanto as bolsas desabavam, a Tarpon começou a procurar oportunidades. E olhou novamente para a Sadia. A empresa havia perdido R$ 760 milhões com derivativos de câmbio. A ação caiu mais de 70 por cento nos dois meses após a divulgação do prejuízo, em 25 de setembro de 2008.


Maior do mundo

Em maio de 2009, a Sadia aceitou ser comprada pela Perdigão SA. Imediatamente, Zeca pediu para a equipe parar tudo o que estava fazendo para analisar as projeções da fusão. Dois meses depois, a Tarpon estava entre as maiores compradores da oferta de US$ 2,8 bilhões em ações que gerou a fusão.

A Brasil Foods SA, resultado da união, é a maior exportadora mundial de frango, segundo dados compilados pela Bloomberg. Em 31 de março, a Tarpon tinha participação de US$ 1,1 bilhão na empresa, seu maior investimento, representando cerca de 32 por cento dos ativos da empresa.

Enquanto a Tarpon faz grandes apostas em uma empresa, a Polo no Rio tem uma abordagem diferente. Ela busca explorar flutuações no preço das ações em situações instáveis como potenciais aquisições, decisões de política ou crises.

Andrade, co-fundador do fundo de US$ 1,3 bilhão, batizou a empresa em 2002, pensando em Pólo Norte e Pólo Sul, de forma a lembrar a si mesmo de olhar para o oposto do óbvio, disse ele.

O fundo Polo Fund-Series 1 teve retorno anualizado de 21 por cento nos últimos cinco anos, o terceiro melhor do ranking de fundos de hedge de 2011 da Bloomberg Markets.

“Não precisamos fazer o ‘kit Brasil’, há quem faça isso bem melhor do que a gente”, disse Andrade.

Ações

Um fundo mais novo e também bem sucedido é o Leblon Equities, que foi lançado no mesmo mês da falência do Lehman Brothers Holdings Inc. em setembro de 2008. A Farallon Capital Management LLC, que administra US$ 20 bilhões e foi fundada em São Francisco por Tom Steyer, ficou de olho no fundo brasileiro e não se intimidou com a queda das bolsas em todo o mundo.

Ela comprou uma participação de 12 por cento na Leblon quatro meses depois do lançamento do fundo. A instituição, que só aplica em ações, começou com US$ 10 milhões e, em 11 de maio, administrava US$ 350 milhões, disse o co-fundador Mesquita, que já chefiou a área de renda variável do UBS AG.

“É em ações que está o crescimento no Brasil, e há dinheiro para quem tiver um bom projeto”, disse Mesquita.

Seja seguindo a estratégia tradicional de investir a maior parte dos ativos em títulos públicos ou comprando ações, os fundos de hedge do Brasil erraram pouco na última década. Enquanto os investidores ao redor do mundo querem entrar nesse mercado, a inflação e a valorização cambial devem forçar os estrategistas da América Latina a expandir o número de ferramentas do kit Brasil.

--Com a colaboração de Anibal Arrascue, em Princeton, Alexandre Barbosa, em São Paulo e Saijel Kishan, em Nova York. Editores em português: Katerina Petroff, Adriana Arai

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