Como uma peça de hardware causou perda trilionária na Bolsa de Tóquio
A Bolsa de Tóquio tem como política não fechar nem mesmo em desastres naturais. Foi a primeira que ela parou em 15 anos
Thiago Lavado
Publicado em 3 de outubro de 2020 às 15h19.
Às 7h04 de uma quinta-feira em Tóquio , os administradores do terceiro maior mercado de ações do mundo perceberam que havia um problema.
Um aparelho de dados essencial para o sistema de negociação da Bolsa de Valores de Tóquio não estava funcionando, e o backup automático falhou. Isso menos de uma hora antes que o sistema, chamado Arrowhead, começasse a processar pedidos no mercado acionário de US$ 6 trilhões. Funcionários da bolsa não encontravam uma solução.
A paralisação de um dia inteiro que se seguiu foi a mais longa desde que a bolsa mudou para um sistema de negociação totalmente eletrônico em 1999. O ocorrido atraiu críticas de participantes do mercado e autoridades e destacou uma vulnerabilidade menos discutida na “tubulação” financeira mundial: não software ou riscos de segurança, mas o perigo quando uma das centenas de peças de hardware que compõem um sistema de negociação decide parar de funcionar.
“As bolsas são uma parte crucial da infraestrutura do mercado, e é inaceitável que oportunidades de negociação sejam negadas”, disse o ministro das Finanças do Japão, Taro Aso, a repórteres em Tóquio. “Estamos lidando com máquinas, então é sempre possível que elas quebrem. É preciso criar infraestrutura com essa possibilidade de falha em mente.”
O sistema Arrowhead da Bolsa de Valores de Tóquio foi lançado com grande alarde em 2010, anunciado como uma solução moderna depois que uma série de interrupções em um sistema mais antigo criou constrangimentos para a bolsa nos anos 2000. A “seta” (arrow) simboliza a velocidade de processamento do pedido, enquanto a “cabeça” (head) sugere robustez e confiabilidade, segundo a bolsa. O sistema de aproximadamente 350 servidores que processam pedidos de compra e venda teve alguns soluços, mas nenhuma grande interrupção em sua primeira década.
Tudo mudou na quinta-feira, quando uma peça de hardware chamada de dispositivo de disco compartilhado nº 1, uma das duas caixas quadradas de armazenamento de dados, detectou um erro de memória. Esses dispositivos armazenam dados de gerenciamento usados nos servidores e distribuem informações como comandos e combinações de identificação e senha para terminais que monitoram negociações.
Foi a primeira vez em quase quinze anos que a bolsa sofreu uma interrupção completa das negociações. A Bolsa de Tóquio tem como política não fechar nem mesmo em desastres naturais, portanto, para muitos, essa experiência foi inédita.
À noite, foi anunciado que a bolsa retomaria as negociações na sexta-feira. Embora o incidente tenha passado sem maiores problemas, muitas perguntas permanecem sem resposta. Uma das principais é se o mesmo tipo de falha causada por hardware poderia ocorrer em outros mercados acionários. Para um estrategista, quase certamente poderia, mas isso não é algo com que se preocupar.
“Não há nada exclusivamente japonês nisso”, disse Nicholas Smith, da CLSA, em Tóquio. “Acho que só temos que colocar isso na caixa de ‘coisas acontecem’. Não deveriam, mas acontecem.”
Com a colaboração de Taiga Uranaka e Takashi Nakamichi.