Na xepa do SXSW, há lições para uma inteligência artificial mais criativa e humana
O que o evento realizado em Austin, no Texas, ainda tem para oferecer? Certamente, muito mais do que um primeiro olhar entrega
Chief Artificial Intelligence Officer da Exame
Publicado em 23 de março de 2024 às 11h55.
Última atualização em 23 de março de 2024 às 17h17.
Comecei a escrever esse texto em Austin, Texas, onde vivi o SXSW 2024. Ao longo dos dias fui adicionando e removendo frases. E só depois de alguma decantação das ideias é que consegui terminar.
Propósito e aprendizagem
Eu fiz uma cobertura ao vivo do evento, compartilhando todo dia nas redes sociais aprendizados sobre as experiências. Depois de alguns dias desse “falar o que aprendi em tempo real”, comecei a sentir outro tipo de aprendizado brotando.
Tem certos aprendizados que a gente só fica consciente anos depois. Sinto que foi assim no SXSW. Como um profissional que trabalha com tecnologia para recursos humanos (RH) há tantos anos, obcecado por dados e métricas, é angustiante não conseguir medir, apontar e falar, essas foram as habilidades que ganhei. Conclusão: o principal não é isso. Não fui pro SXSW para aprender e ganhar habilidades, mas pra saber as direções para onde posso ir.
Veja o mini-documentário no Youtube com minha cobertura.
Conexões
Mas, para além da programação oficial, o que mais me marcou no SXSW foram as conexões humanas que pude estabelecer. Em cada esquina, em cada fila, em cada happy hour, havia a oportunidade de conhecer pessoas incríveis, com histórias e visões de mundo únicas.
Era uma atmosfera contagiante de troca e colaboração, onde as hierarquias e barreiras se dissolviam em nome da criatividade e da inovação. Saí literalmente conectado (no Linkedin, Instagram, Whatsapp) com profissionais de vários países e empresas, especialmente Estados Unidos, com os quais já comecei a fazer negócios.
Realidades virtuais
Vi de perto as últimas inovações em design e interatividade e realizei o sonho de criar meu holograma. Visitei as exposições criativas, que mais pareciam um parque de diversões do futuro. Cada atração trazia uma nova perspectiva sobre o que é possível criar e fazer nos mundos imersivos. Vivi uma experiência imersiva no Líbano muito marcante.
Música e arte
A música é um capítulo a parte em Austin. Assisti shows despretensiosos e incríveis, um dos mais surpreendentes foi o dos brasileiros no Pete's, tradicional bar de duelo de pianos da cidade. O Brasil tomou conta, colegas conhecidos de mercado se transformaram em verdadeiros cantores sertanejos com um talento surpreendente no palco.
A arte será profundamente transformada pela IA nos próximos anos. Entender como os artistas estão incorporando essas ferramentas no seu processo criativo nos dá pistas de como o trabalho criativo nas empresas também evoluirá.
A criatividade e inovação serão diferenciais competitivos cada vez mais importantes.
Outro ponto forte do SXSW é a presença das grandes empresas de tecnologia americanas que têm acesso a muitos dados de usuários do mundo todo.
Durante muitos anos usamos o VIMEO na Witseed, a plataforma de AI e aprendizagem corporativa da Exame Corporate, que criamos em 2015, e eu sempre pensei na riqueza de dados que a plataforma mantém e nos insights que se pode tirar deles. No SXSW pude ver de perto o diretor de produto da empresa compartilhando a visão dele a partir do que aprendeu com os mais de 260 milhões de criadores de conteúdo da plataforma.
Numa palestra sobre Inteligência Artificial e criação de vídeos, Zohar Dayan disse que a IA não substituirá os criadores, mas na verdade potencializará o que eles são capazes de fazer, "melhorando todos os aspectos da criatividade e da narrativa".
Andreea Gleeson, CEO da TuneCore e Daouda Leonard, CEO CreateSafe, abriram minha mente em relação a novos modelos de negócio para a propriedade intelectual das criações humanas. A inteligência artificial transforma a voz das pessoas em instrumentos musicais que podem ser usados por arranjadores musicais para criar novas músicas. O mesmo vale para vídeo e imagem. Trata-se de uma nova forma de monetizar o talento e conhecimento.
Ao contrário de substituir os artistas, a IA pode ser uma nova forma de criar arte e engajar com a base de fãs. Como Daouda disse, um cantor ou cantora é muito mais do que uma voz, tem a imagem, valores, energia. A música não é só instrumentos musicais tocando, tem o marketing, a distribuição, os shows, a divulgação. Isso não vai acabar, e é essencialmente humano. Acredito que essa transformação vai acontecer em todas as indústrias, não só a musical.
Andreea compartilhou uma pesquisa com artistas que revelou alguns insights interessantes sobre o uso de Inteligência Artificial. 27% dos artistas entrevistados já usaram algum tipo de ferramenta de IA para criar trabalhos artísticos, engajar fãs ou criar conteúdo promocional. Os artistas estão mais interessados em usar IA para o processo criativo, como criar conteúdo promocional (38%), realizar planejamento e marketing de lançamentos (31%) e gerar e desenvolver sua fanbase (16%).
Entretanto, quando perguntados sobre o que estão dispostos a permitir em termos de uso de IA, 50% só dariam consentimento sob condições específicas de controle, compensação e transparência. 68% permitiriam permissão, 70% compensação, e 88% acreditam que a atribuição do input criativo é essencial. Além disso, os principais motivadores para uma adoção responsável de IA seriam a atribuição do input criativo (58%), distribuição justa dos royalties da música gravada (46%), e o receio de serem substituídos por músicas geradas por IA (77%) ou plágio (61%).
Brasil na vanguarda
O evento mal acabou e já recebi balanços especializados, “downloads” na linguagem dos veteranos de SXSW, relatórios de tendências, listas de aprendizados para você “aplicar na sua empresa agora mesmo”. Sinceramente, não saí de Austin pronto pra botar a mão na massa em uma novidade originalíssima que falaram lá.
As palestras que eu fui foram ótimas mas ninguém falou nada que eu já não tenha ouvido conversando com líderes de empresas e RHs aqui no Brasil. Não à toa, fomos o país com mais participantes depois dos EUA.
Outro ponto alto do evento foi o grupo de Whatsapp de brasileiros. O ponto de encontro digital. Refúgio quando não sabia para onde ir, ajuda quando perdia alguma coisa importante, tudo que era bom pintava no grupo, a melhor curadoria que eu poderia ter tido, e em tempo real. E, de novo: conexões.
Uma empresa brasileira foi uma das principais patrocinadoras do evento, e teve sua marca exposta ao lado de grandes nomes mundiais como Porshe, Volksvagem, Delta e até a US Army. Essa visibilidade mostra a força da economia brasileira. Além disso, tivemos a Casa São Paulo que ocupou quase um quarteirão inteiro num dos principais pontos do evento, reunindo líderes do pais em paines sobre agronegócio, marketing, criatividade, diversidade, ao som de música brasileira e com artistas brasileiros criando arte em tempo real no evento. Fiz uma entrevista com o Tico Canato sobre a obra que ele criou ao longo do evento na Casa São Paulo.
Eu visitei a Casa São Paulo levando alguns amigos estrangeiros, que ficaram impressionados com a qualidade dos temas e a movimentação das pessoas, saíram convencidos de que temos mesmo um ecossistema vibrante de pessoas pensando inovação no país.
Brasil na retaguarda
Um dos conteúdos que repercutiu no grupo foi um artigo, na minha opinião muito infeliz, com mentalidade elitista, dando destaque a visão do SXSW como um "clube fechado" para poucos escolhidos. Dizia ele que o pessoal do “camarote” está saudoso dos tempos em que o acesso era restrito a uma pequena casta de privilegiados.
Lamentam que, agora, o evento esteja mais "cheio" e "popular". O autor do artigo indiretamente me separa dos outros participantes. Sou da Xepa, em oposição ao camarote.
Eu já não gostava dessa analogia no BBB. muito menos no SXSW. Acompanhei a repercussão do evento em Portugal e nos Estados Unidos, em nenhum dos outros países surgiram análises sugerindo a segregação dos participantes em classes sociais.
A verdadeira riqueza do SXSW está justamente na diversidade de pessoas, ideias e experiências que ele proporciona. Quanto mais gente puder participar e contribuir, mais rico será o debate e mais impactantes serão as conexões estabelecidas.
Temos é que comemorar sermos a maior delegação do evento depois dos anfitriões. No WebSummit Lisboa, outro grande evento mundial de tecnologia, foi assim também. Resultado: esse ano teremos a segunda edição do WebSummit no Brasil.
E foi com esse espírito construtivo que nosso grupo “interpretou” coletivamente o artigo, falamos sobre quem sabe um evento como esse no Brasil e de estratégia pra aumentar ainda mais a diversidade de brasileros nas próximas edições.
Uma das mensagens dizia: “Existe o SXSW que é um turismo de luxo, mas existe um outro festival que acontece sob o olhar de quem sonha e tá aqui pra criar pontes pra fazer acontecer. Não é favor ou caridade - é mostrar a potência criativa do Brasil para o mundo.”
A cobertura da xepa é mais autêntica!
Foi com esse espírito que conduzi minha participação no SXSW representando a Exame. Busquei trazer, de forma acessível e envolvente, os principais highlights e insights do evento, com um olhar especial para os avanços em IA e as transformações na indústria criativa.
Mais do que fazer uma cobertura "da xepa" ou "do camarote", procurei estar verdadeiramente presente em cada momento, interagindo com os participantes e palestrantes sem barreiras ou preconceitos.
Encerro hoje com um convite para que abramos nossas mentes e corações para um novo modelo de inovação - mais aberto, colaborativo e diverso. Que possamos enxergar eventos como o SXSW não como clubes exclusivos, mas como plataformas inclusivas para impulsionar a criatividade e o empreendedorismo. E que, cada um à sua maneira, possamos contribuir para disseminar o conhecimento e fortalecer nosso ecossistema.
O futuro se constrói com a participação de todos. E se tem um lugar que nos ensina isso, é o SXSW.