Repórter do Future of Money
Publicado em 2 de dezembro de 2024 às 09h30.
O mercado cripto e especialistas elogiaram para a EXAME a nova consulta pública aberta pelo Banco Central na última sexta-feira, 29, com um conjunto de regras propostas para o uso de criptomoedas no mercado de câmbio brasileiro. A visão é de que o projeto apresenta "inovações" e deve trazer mais segurança para os investidores.
A consulta aberta pela autarquia terminará em 28 de fevereiro de 2025. Há, ainda, uma outra consulta, iniciada no início de novembro, mais ampla, para as empresas do setor e o seu enquadramento regulatório. A expectativa do próprio BC é que as regras oficiais para o setor sejam divulgadas até junho do próximo ano, o que também deverá abarcar o mercado de câmbio.
A proposta busca definir quais atividades e operações realizadas pelas chamadas Prestadoras de Serviços de Ativos Virtuais (PSAVs) poderão ser incluídas no mercado de câmbio. Quando isso ocorrer, elas precisarão seguir as mesmas regras estabelecidas para o mercado de câmbio tradicional. A proposta, entretanto, acabou dividindo o mercado.
À EXAME, fontes de algumas das principais empresas do mercado de criptomoedas brasileiro pediram para falar o assunto sob anonimato, alegando a alta sensibilidade do tema. Em comum, há a visão de que a proposta pode trazer exigências que seriam inatingíveis pelas empresas, comprometendo inclusive a oferta de serviços com stablecoins para clientes.
A proibição de transferência de stablecoins para carteiras de autocustódia também foi considerada como difícil de ser aplicada, já que as exchanges não costumam ter essa identificação prévia à transferência. Há a visão, ainda, de que as características específicas das redes blockchain não foram levadas em contas na elaboração da proposta.
As empresas avaliam, ainda, que a inclusão completa das operações com stablecoins no mercado de câmbio poderia sujeitá-las à cobrança do IOF, o que encareceria as operações e criaria uma diferença de custo com relação ao mercado internacional.
Nicole Dyskant, advogada especialista em criptomoedas e conselheira da provedora de infraestrutura blockchain Fireblocks, avalia que "ao tratar Stablecoin como 'moeda' e meio de pagamento, me parece que o Banco Central pegou emprestada a tese da 'substância sob a forma' já há muito utilizada pelas autoridades fiscais".
"Além disso, ficou muito clara a preocupação com os controles de prevenção à lavagem de dinheiro no centro desta proposta. Restrições à movimentações com carteiras autocustodiadas refletem preocupações recentes dos organismos internacionais, inclusive já externadas por autoridades bancárias".
"Porém, até o momento, desconheço que estas preocupações tenham se tornado uma proposta de regulamentação tão restritiva em outros países. Valeria questionar se a abordagem proposta aqui não acaba trazendo restrições muito contundentes quando se poderia ter uma regulação mais prescritiva, como, por exemplo, mediante à necessidade de comprovação da propriedade da carteiras beneficiária por meio de ferramentas já existentes", pontua.
Dyskant avalia ainda que "embora possamos compreender a preocupação do Banco Central quanto à identificação do Beneficiário e do Originário; ou seja, plena implementação da chamada Travel Rule nas transações com stablecoins, o Banco Central buscou regulamentar de maneira excessivamente restritiva esse aspecto no tocante às stablecoins".
Publicamente, o mercado externou uma visão positiva sobre a consulta. Em nota, a Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABCripto) afirmou que a nova consulta pública "reafirma o papel do Banco Central como protagonista na construção de um ambiente regulatório, fundamental para a consolidação do mercado nacional".
"A associação participará ativamente do processo, assim como tem feito em outras consultas públicas importantes, como as conduzidas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e pela Receita Federal", destacou.
O presidente da ABCripto, Bernardo Srur, disse ainda que "a regulamentação precisa ser construída de forma colaborativa, garantindo que as normas sejam claras, seguras e proporcionais ao risco das atividades. A ABCripto está comprometida em contribuir com propostas que reflitam as demandas do mercado e dos consumidores, reforçando a confiança no setor e promovendo o desenvolvimento sustentável dos ativos digitais no Brasil”.
Já Regina Pedroso, presidente da Associação Brasileira de Empresas Tokenizadoras (ABToken), avalia que a consulta é "positiva". "Será considerado na análise os desdobramentos tributários futuros e a autorização para a prestação de serviços tanto para PSAVs quanto para as empresas de câmbio".
"Trata se de uma proposta de regulação necessária e aguardada pelo mercado que deve aumentar a segurança das transações internacionais mediante criptoativos. A ABToken vai ouvir nas próximas semanas as empresas do seguimento para a construção de um entendimento mais amplo das repercussões regulatórias", comenta.
Tatiana Mello Guazzelli, sócia do Pinheiro Neto Advogados e especialista em criptoativos, avalia que "em linhas gerais, a consulta pública já era uma proposta de regulamentação bastante aguardada pelo mercado". Além disso, a proposta "complementa as consultas lançadas no início do mês a respeito das prestadoras de ativos virtuais".
O foco da proposta está nas stablecoins, criptomoedas pareadas a outros ativos, principalmente ao dólar. "Como já era esperado, a proposta de regulamentação estabelece que cripto está sim no âmbito do mercado de câmbio envolvendo o pagamento, a transferência internacional, mediante a transmissão de ativos virtuais, além da compra, venda ou custódia de stablecoins de reais por não residentes ou a compra, venda e custódia de stablecoins de moedas estrangeiras por residentes".
"Uma das grandes inovações da nova consulta é permitir operações de câmbio apenas com a transmissão de ativos virtuais, sem a liquidação em moeda fiduciária como ocorre hoje, mas com restrições. Na ponta brasileira, precisará ter uma prestadora de ativos virtuais autorizada a operar no mercado de câmbio, o que deve incluir instituições já reguladas, como os bancos. E, na ponta estrangeira, será preciso estar uma prestadora de serviços de ativos virtuais autorizada em sua respectiva jurisdição", explica.
Segundo Guazzelli, as prestadoras de serviços virtuais precisarão de uma licença específica para atuar no mercado de câmbio, enquanto as que já possuem operações na área poderão continuar oferecendo esses serviços enquanto aguardam a aprovação da licença.
"A nova norma proposta traz algumas outras restrições. Uma delas é a vedação da PSAVs transmitir o ativo para carteira autocustodiada. O racional por trás disso é estabelecer mecanismos para evitar que transferências ocorram fora do mercado de cambio. E há limitações de valor, que pode variar de US$ 100 mil a US$ 500 mil a depender da entidade que está fazendo a operação", ressalta a especialista.