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Os desafios das moedas digitais interoperáveis: perspectivas para o Real Digital

Interoperabilidade do Real Digital com os sistemas legados traz desafios jurídicos e tecnológicos que devem ser acompanhados de perto

Real Digital tem previsão de lançamento para o público no fim de 2024 (Reprodução/Reprodução)
Da Redação

Redação Exame

Publicado em 17 de junho de 2023 às 13h00.

Por Fernando Mirandez Del Nero Gomes, Rodolfo Pavanelli Menezes e Marcela Benhossi*

Ao longo da última década, avanços tecnológicos e mudanças nas preferências do consumidor, bem como alterações nos arcabouços legais e regulatório, levaram cada vez mais os consumidores e as empresas para o mundo dos pagamentos digitais.

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É justamente no âmbito da inovação que o que está sendo chamado de moeda digital do banco central (em inglês, central bank digital currency, designada pelo acrônimo CBDC) parece trazer potenciais impactos estruturais para o setor financeiro.

Conforme dados do Fundo Monetário Internacional, aproximadamente 100 países estão explorando CBDCs, seja em fases de teste ou distribuição ao público. No Brasil, o Banco Central (BC) apresentou as diretrizes para o potencial desenvolvimento do Real em formato digital em 2021 ( Real Digital ). Neste ano de 2023, o BC revisou as diretrizes do Real Digital e informou que iniciará o desenvolvimento de plataforma visando testes para operações com o Real Digital, o chamado “Piloto RD”, com alinhamento às novas diretrizes.

Tendo em vista a coexistência econômica das moedas estatais (fiat), moedas escriturais (emitidas por instituições financeiras) e moedas eletrônicas, a interoperabilidade do Real Digital com os sistemas legados (ou seja, sistemas não-CBDCs), bem como com sistemas CBDCs de outras jurisdições, traz desafios jurídicos e tecnológicos que devem ser acompanhados de perto pelo BC e pelo mercado e também serem objeto de estudo.

Interoperabilidade de sistemas CBDC

Atualmente, o Banco de Compensações Internacionais (BIS) tem se manifestado ativamente sobre a interoperabilidade de sistemas CBDC, propondo balizas para a implementação de novas engenharias. Na prática, existem soluções já lançadas em diferentes jurisdições que podem ser utilizadas de modelo para a construção de novos esquemas de interoperabilidade para o Real Digital. Na construção do Sand Dollar, por exemplo, todos os prestadores de serviços de pagamentos (PSPs) têm acesso à moeda digital e podem liquidar pagamentos de varejo em dólares das Bahamas por meio da Sand Dollar Network.

No caso do eNaira, o que observamos é o estabelecimento de uma infraestrutura robusta de interoperabilidade. De acordo com o Design Paper for the eNaira, publicado pelo Banco Central da Nigéria, o eNaira é sempre conversível em Naira na razão de 1:1. Na Nigéria existe uma infraestrutura de pagamentos, o Nigeria Interbank Settlement Systems (NIBSS), que é detida por todas as entidades licenciadas, incluindo o Banco Central da Nigéria, e que é responsável pelo estabelecimento da infraestrutura por trás do sistema de pagamentos nigeriano. É essa infraestrutura que dá suporte à interoperabilidade o eNaira.

Riscos e desafios associados à interoperabilidade

A implementação dos sistemas de interoperabilidade mencionados acima não vem sem riscos e desafios. Além da definição de qual o melhor sistema, a interoperabilidade requer, ainda, a adoção de mecanismos nacionais e internacionais robustos de mitigação de riscos e de gerenciamento monetário.

A uniformização das regulações nacionais e/ou a adoção de diretrizes internacionais requer esforços em múltiplas áreas. Um primeiro risco, que se traduz em um desafio de como enfrentá-lo, está relacionado a aspectos de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e Financiamento ao Terrorismo (PLD/FT). Independentemente do modelo de interoperabilidade escolhido, pagamentos interoperáveis, sejam eles transfronteiriços ou não, requerem coordenação entre diferentes bancos centrais e entre bancos centrais e agentes privados no estabelecimento de mecanismos eficazes de PLD/FT, principalmente de identificação de clientes, de reporte de operações suspeitas e de cumprimento de listas de sanções.

Outro fator de risco, que está diretamente ligado à necessidade de troca de informações para fins de PLD/FT, diz respeito à privacidade e à proteção de dados. De um modo geral, a troca de informações entre agentes públicos e entes privados, tanto dentro das fronteiras do país quanto entre fronteiras, é vital para garantir que mecanismos de PLD/FT sejam eficazes.

Interoperabilidade no Real Digital e no Piloto RD

Recentemente, o BC revisou as diretrizes do Real Digital por meio do Voto 31, de 14 de fevereiro de 2023, considerando principalmente a evolução das discussões internacionais sobre a tokenização de ativos e sobre a emissão de CBDCs.

Dentre o atual conjunto de diretrizes gerais para a plataforma do Real Digital descritas no Voto destacam-se: (i) emissão do Real Digital pelo BCB, como meio de pagamento, a fim de dar suporte à oferta de serviços financeiros de varejo liquidados por meio de tokens de depósitos; e (ii) adoção de solução tecnológica baseada em DLT que permita, entre outros, a interoperabilidade com sistemas domésticos legados e com outros sistemas de registro e transferência de informação e de negociação de ativos digitais regulados, bem como a integração a sistemas de outras jurisdições, visando à realização de pagamentos transfronteiriços.

No Brasil, as diretrizes do Real Digital e do Piloto RD já trazem, ainda que de maneira principiológica e sem grandes detalhamentos operacionais, a preocupação com a interoperabilidade. Está no radar do BC a ideia de aproveitar o sistema de CBDC para pagamentos internacionais como uma alternativa aos sistemas tradicionais de câmbio (como o sistema internacional de trocas de informações financeiras SWIFT).

Apesar da generalidade das diretrizes mencionadas, a construção que está sendo pensada para o Real Digital dá certa clareza de como o BC enxerga a questão da interoperabilidade. Segundo notícia publicada em seu portal, o BC espera que “o real digital se torne parte do cotidiano das pessoas, sendo empregado por quem faz uso de contas bancárias, contas de pagamentos, cartões ou dinheiro vivo” .

Com relação à interoperabilidade com outros criptoativos, embora no Piloto RD os ativos passíveis de registro sejam limitados, a infraestrutura já nascerá com a possibilidade de agregação de ativos de outras naturezas – dando preferência a ativos financeiros e valores mobiliários –, mas considerando a possibilidade de outras categorias de ativos.

As diretrizes do Real Digital mostram que o BC está entusiasmado com a adoção desse novo sistema e, em especial, com a possibilidade de uma rede amplamente interoperável a níveis doméstico e transfronteiriço. Apesar dos diversos desafios adiante, a visão clara já exposta pelo BC sobre um sistema interoperável nativo já será posta à prova no Piloto RD.

A arquitetura prevista como “moeda digital de atacado”, com participação dos players regulados na sua “distribuição”, dá amparo para a revolução que promete ser o CBDC verdadeiramente integrado com os sistemas não-CBDCs que já existem no país (como o STR e o Pix) e que poderá se integrar com outros sistemas CBDCs ao redor do mundo e até mesmo outros tipos de ativos.

*Fernando Mirandez Del Nero Gomes é sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados

Rodolfo Pavanelli Menezes é advogado associado do escritório Pinheiro Neto Advogados

Marcela Benhossi é advogada associada do escritório Pinheiro Neto Advogados

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