Uso de inteligência artificial já é uma realidade em diversos segmentos da economia brasileira (Blackdovfx/Getty Images)
O uso de inteligência artificial já é uma realidade em diversos segmentos da economia. A tecnologia permite analisar grandes quantidades de dados de forma rápida, identificando padrões, informações relevantes e ajudando a otimizar processos com mais escala.
E o quadro não é diferente no mercado financeiro brasileiro. Da área de investimentos à de consórcios, passando até pela criação de contas em bancos, essa nova tecnologia tem sido cada vez mais usada, seja por startups iniciantes ou até por grandes agentes já estabelecidos no setor.
Para Thiago Almeida, sócio-fundador e product manager da Turn2C, a inteligência artificial “já está mais presente nas nossas vidas hoje em dia” do que imaginamos. Isso não significa, porém, que a sua adoção ainda não enfrente desafios, que vão desde uma falta de regras até possíveis estranhamentos por parte da população em geral.
A própria Turn2C é uma startup que “já nasceu como solução de inteligência artificial para o mercado financeiro”, explica Almeida. A empresa usa a tecnologia para ajudar os clientes a encontrar os consórcios que estejam dentro das suas demandas em relação a prazo de pagamento, valores mensais e o produto desejado, como um carro de determinado valor.
Segundo o sócio, a tecnologia é usada para determinar todos esses fatores, o que “evita muito trabalho humano que seria necessário”. Ele cita ainda outras aplicações no cotidiano, como para analisar a correspondência entre os dados enviados por pessoas ao abrir contas bancárias em aplicativos, incluindo fotos e documentos.
A ideia principal, destaca, é que a inteligência artificial garanta que os processos possam ser feitos com escala, agilidade e mais eficiência, mas “mantendo os padrões de segurança cabíveis”. “A partir do momento em que consegue fazer um processo que o cliente não tem que ir à empresa, ou a empresa ao cliente, e tem segurança, pode ter estrutura menor para oferecer mais serviços, e isso dá escala”, observa.
Com isso, ele afirma que a tecnologia acaba gerando uma “cadeia positiva” ao seu redor conforme é implementada. As facilidades trazidas pelas suas aplicações são, na visão de Almeida, especialmente atraentes para clientes mais jovens, que acabam se acostumando mais facilmente.
E além de empresas que nascem já focadas na inteligência artificial, algumas companhias mais tradicionais do mercado também têm se voltado para a área. É o caso da corretora Clear, uma das maiores do país, que lançou em 2021 o serviço AIA.
A tecnologia pode ser aplicada nas duas áreas da renda variável, a de fundamentos – em que ela é usada para determinar tendências e projetar preços, dando recomendações de investimentos – e trade – ajudando no dia a dia das negociações de traders. O foco da AIA é na segunda área, explica Roberto Indech, vice-presidente de relações institucionais da Clear.
Segundo ele, existem alguns trabalhos voltados à aplicação de inteligência artificial em fundamentos, mas o foco da empresa foi em ter uma solução que servisse como diferencial no mercado e ajudasse a aumentar o tempo dos clientes atuando no segmento, que muitas vezes é abandonado após perdas.
“A receptividade positiva é impressionante, eu considero [a AIA] um grande diferencial da Clear, e os clientes gostam muito desse tipo de serviço, muitos estão só por conta da AIA”, destaca Indech.
Gustavo Mello, product manager da AIA, explica que a inteligência artificial “resolve um problema dos traders”: “os dados mostram hoje que a maioria das operações tem uma taxa de acerto alta, em torno de 60%, nas médias. O problema está nos vieses cognitivos, quando o cliente acerta vários dias, estuda, vai ganhando dinheiro, mas tem um dia que escorrega, tenta recuperar e não se controla e pode perder boa parte do que conquistou”.
A ideia é que a AIA analise dados e decisões de investimentos, identifique padrões e elabore feedbacks personalizados para cada trader, seja indicando os momentos de acerto ou alertando para possíveis momentos de excesso de confiança que podem levar a erros e perdas.
Por isso, ele classifica o serviço como um “personal trader”, ajudando os investidores a corrigirem falhas. “A AIA trabalha em ajudar o cliente no gerenciamento de risco, controlar o emocional. Ela não é um robô de operação, não opera, envia ordem, só ajuda a se manter nos trilhos, que é um dos principais pontos fracos dos traders”, explica.
Mello considera que, sem a inteligência artificial, seria praticamente impossível oferecer esse serviço da mesma forma: “A AIA dá escala para o processo de uma forma brilhante. Considerando o número de pessoas e a frequência de envios, precisaria de um exército de pessoas para fazer, e ela consegue deixar isso algo simples, direto, com cada mais formatos de conteúdo. A complexidade seria muito grande”.
Para Thiago Almeida, o avanço da inteligência artificial está ocorrendo “à medida que a economia permite”. Isso significa que a adesão não é tão alta ainda quanto em países mais ricos, que possuem mais capital para investimentos e acesso mais facilitado às novas tecnologias da área.
Além disso, ele acredita que será importante acompanhar as discussões que deverão surgir sobre a regulamentação desse tecnologia, englobando usos no mercado financeiro e outras áreas. Uma das principais questões, aponta, é sobre a responsabilização do serviço prestado, já que em teoria as recomendações são dadas por uma máquina, não por um humano.
“Já existem temas para discussão de regulamentação nesse sentido, de responsabilização, governança, direitos e deveres. E do ponto de vista de inciativas, temos as próprias fintechs, que, aos poucos, através de facilidades, ferramentas, mudaram o sistema financeiro do Brasil”, destaca.
Mesmo assim, ele acredita que o Brasil ainda não está avançando o suficiente na implementação de inteligência artificial ao ponto de precisar ter uma lei específica para a área ou para o mercado financeiro. Ele considera importante que a legislação “não pode impedir a ferramenta, antecipar problemas que talvez não ocorram, precisa deixar que a IA seja utilizada”.
“Tudo depende do que desenrolar no cenário. Se tiver usos no mercado que tragam soluções mas sem problemas legais, talvez uma lei geral já resolva. Mas se acontecer fraude financeiras usando inteligência artificial, aí talvez mude o cenário, demanda uma lei específica para o setor. Estamos em um passo anterior ainda”, destaca.
Almeida considera que, hoje, os principais desafios para implementar a tecnologia não estão em uma mentalidade atrasada ou refratária no mercado, mas sim a garantia de que ela será segura e cumprirá os requisitos legais de proteção de dados, para evitar que “a solução vire problema”.
Sobre a adesão à inteligência artificial, Mello, da Clear, pondera ainda que as empresas não podem escolher implementar a tecnologia apenas pelo “hype”, o desejo de entrar em uma nova tendência, sem entender no que ela será aplicada.
“Muitas empresas ainda estão vivendo o momento de tentar contratar times, implementar, mas sem necessariamente resolver um problema do cliente. Enquanto não tiveram esse olhar, não vejo um crescimento tão rápido, muitos projetos acabam morrendo porque não veem valor”, alerta.
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