Felippe Percigo: Como explicar a Web3, nova fase da internet, para os amigos
O conceito, assim como outros no universo blockchain, não é tão facilmente metabolizado pelo público. Entenda algumas características dessa nova geração da internet para usar naquela roda de conversa
Da Redação
Publicado em 3 de setembro de 2022 às 11h23.
Por Felippe Percigo*
No segundo trimestre deste ano, a maior parte do dinheiro do Venture Capital direcionado para a indústria blockchain escoou para o segmento da Web3, que, pela primeira vez, ultrapassou os investimentos em DeFi. Esse levantamento foi feito pela Cointelegraph Research e mostra que os fundos estão seriamente surfando o hype.
Segundo o relatório, sete dos dez empresas de VCs mais ativos, entre eles Animoca Brands, Coinbase e a16z, optaram por apostar forte no setor no período, motivados por ampliar sua inclusão no metaverso. A Web3 é considerada o motor do mundo virtual em blockchain.
Pode ser que você já tenha metabolizado os conceitos de criptomoedas e DeFi, o antigo queridinho dos investidores de risco, mas ainda não esteja familiarizado com o de Web3. Você não está sozinho. Acredito que nem mesmo quem assinou os cheques sabe exatamente no que está aportando.
A Web3 é um trabalho em progresso. Salta aos olhos porque promete revolucionar como hoje vivemos, trabalhamos e consumimos. Assim, se tornou “a nova sensação” da indústria e todo mundo quer fazer parte. Você que me lê, acredito eu, deve curtir a temática. Agora, se precisasse explicar em uma roda de conversa o que Web3 significa, como seria?
Na coluna de hoje, eu vou trazer algumas informações basilares para que você possa, de forma descomplicada, explicar a tendência para um amigo.
O termo não é de agora. No entanto, ficava restrito aos papos de corredor entre a galera da tecnologia. Foi o britânico Gavin Wood, cofundador da Ethereum e idealizador da Polkadot, que cunhou a expressão ao criar a Web3 Foundation, uma organização de especialistas encarregados em projetar o sucessor da Web2, a versão atual. O batismo aconteceu em 2014, logo após Wood colaborar com Vitalik Buterin para criar a Ethereum.
Web3 é um nome trendy para se referir à web descentralizada. Teoricamente, isso implica, entre outras coisas, em uma estrutura que deveria garantir dinheiro descentralizado e identidade descentralizada.
Gavin Wood defende que, em uma sociedade globalizada, não há mais espaço para uma internet que funcione na base de confiança para tudo, desde trocar informações até fazer negócios. Para ele, essa é uma herança enraizada de uma sociedade offline que, de alguma forma, se perpetua na world wide web. Mas pode ser que você nem se dê conta.
As pessoas entregam de mão beijada seus dados a gigantes da tecnologia em um grande voto de confiança. Essas informações, que deveriam ser preservadas, no entanto, são armazenadas em depósitos centralizados, manipuladas e usadas para lucrar. Por isso, o sistema de funcionamento da Web3 propõe substituir os servidores centrais pelas redes de computadores peer-to-peer, em um amplo banco de dados distribuído, subtraindo o controle das grandes companhias.
A era inaugural da internet, a Web1, era baseada em protocolos abertos e descentralizados. Quem quisesse criar conteúdo poderia usar as poucas ferramentas disponíveis de forma gratuita. Já o usuário podia acessar hyperlinks e ler conteúdos de interesse, mas de maneira estática. Muitos desenvolvedores classificam a versão de “ready-only” (apenas leitura).
Já a Web2 tem a pegada “read-write” (leia e produza), ou seja, o usuário sai do papel de mero espectador para participante ativo na construção do conteúdo. Diferentemente do que se via antes, a interatividade passou a dominar e transformou a maneira com que as pessoas se relacionam. Plataformas acessíveis e simples, como o Facebook e o Whatsapp, desenharam um cenário totalmente novo.
No entanto, o almoço nunca foi grátis. Big techs como Meta, Google e Amazon criaram silos de dados, comportamentos e ações de seus usuários para construir gráficos sociais que alimentam a indústria multimilionária da publicidade. O usuário agora é o produto.
Essa é uma das maiores birras da Web3, cuja proposta é instaurar o read-write-own (leia, escreva, possua). Baseada em protocolos abertos e de estrutura descentralizada, a exemplo da Web1, a nova versão está fazendo uma repaginação da atual para eliminar o imperialismo de grandes empresas, com seus servidores centralizados e a ingerência maligna sobre os dados que circulam nas redes. Assim, o usuário retoma o poder sobre suas informações pessoais.
A propriedade na Web3 também significa que tanto construtores quanto usuários e operadores de uma blockchain, através de participações em tokens, são detentores de uma parte do que é gerado no protocolo.
Sem dúvida, um triunfo desse novo estágio da web é conseguir criar dinheiro nativamente digital através da blockchain. Essa inovação sem precedentes pode transformar drasticamente a atividade financeira como a conhecemos. Toda uma economia virtual customizada vem sendo pavimentada a partir de criptomoedas, tokens fungíveis e não fungíveis (NFTs).
O objetivo é que ela não fique restrita ao ambiente online e leve soluções para limitações do mundo real. No ecossistema em blockchain, todos os participantes são recompensados, seja por criar, operar ou usar a rede.
A Web3 funciona também como uma camada de identidade para a internet. O usuário deve ser dono de sua própria identidade online e ter o direito de revelá-la se e quando for de seu interesse.
Hoje, nesse campo da web de terceira geração, já existe, por exemplo, o Ethereum Name Service (ENS). O serviço permite que o usuário compre um nome exclusivo, digamos joaodasilva.eth, na forma de token não fungível, que é associado a um endereço Ethereum.
Esse nome é como uma grande caixa onde estão diversas informações sobre o usuário. É possível, por exemplo, que algum banco tenha sua permissão para consultar o seu histórico de transações sem que você precise revelar onde mora. Aquela coisa de criar login, senha e cadastro em cada rede social da Web2 é deixada para trás, pois é possível transportar facilmente a identidade digital de uma plataforma para outra.
Outra característica da Web3 é ser uma bela saída para que artistas e criadores não apenas produzam para uma plataforma, mas também usem a tecnologia disponível livremente para ter uma plataforma própria se quiserem.
Os NFTs são uma ferramenta inestimável para os artistas. E, muito além das restrições para os criadores na web atual, a Web3 tem como trunfos a portabilidade e a interoperabilidade dos tokens.
O NFT pode, por exemplo, ser comprado em um marketplace, vendido em um mercado secundário ou ser usado em jogos e outros aplicativos. Os muros são derrubados.
A Web3 também chegou para implementar um modelo inédito de governança cooperativa. Você já deve ter ouvido falar de DAO ou Organização Autônoma Descentralizada. É uma entidade comandada pela comunidade que faz uso de contratos inteligentes para estabelecer regras fundamentais e executar as decisões acordadas, e tudo de forma automatizada.
A comunidade é o pilar e se encarrega de discutir a aprovação ou desaprovação das propostas, que podem ser desde retirar um desenvolvedor específico da equipe que não está agradando até bater o martelo sobre investir em algum novo projeto. As DAOs são encarregadas de administrar os cofres robustos de muitos protocolos.
Muita gente diz por aí que a Web3 não existe ou que não passa de um hype. Outros têm resistência porque não conseguem enxergar suas aplicações no mundo real e, por isso, apostam que é somente uma viagem da galera tech. Enquanto isso, os investidores de risco contra-argumentam com seus cheques gordos. Invenção ou incompreensão? Reflitam.
*Felippe Percigo é um investidor especializado na área de criptoativos, professor de MBA em Finanças Digitais e educa diariamente, por meio da sua plataforma e redes sociais, mais de 100.000 pessoas a investirem no universo cripto com segurança.
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