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Um pequeno chute para o homem, mas um golaço para a humanidade: o Exoesqueleto de Miguel Nicolelis

Para que os 29 segundos de demonstração robótica ocorressem, a iniciação científica teve uma equipe de 156 pesquisadores liderados por Miguel Nicolelis, atual professor da Duke University. O equipamento é o alicerce do “Projeto Andar de Novo”, idealizado e coordenado pelo cientista brasileiro

Juliano Pinto, portador de paraplegia completa do tronco e dos membros inferiores, utilizando o exoesqueleto para dar o chute inaugural da Copa do Mundo de 2014 (//Reprodução)

Juliano Pinto, portador de paraplegia completa do tronco e dos membros inferiores, utilizando o exoesqueleto para dar o chute inaugural da Copa do Mundo de 2014 (//Reprodução)

Publicado em 16 de junho de 2024 às 08h00.

Última atualização em 20 de junho de 2024 às 11h46.

Por Beatriz Franco

Há dez anos, na abertura da Copa do Mundo FIFA de 2014, sediada no Brasil, um momento histórico foi protagonizado por um exoesqueleto, controlado pela mente do usuário, desenvolvido pela equipe do neurocientista Miguel Nicolelis. Na ocasião, Juliano Pinto, que tem paraplegia completa do tronco e dos membros inferiores, utilizou o equipamento para chutar a bola de futebol.

Apesar de breve, o momento foi altamente significativo para o futuro da neurociência e para a comunidade de pessoas com deficiências motoras. Logo após o chute, Juliano transmitiu sua emoção: "sempre existe um caminho e sempre existe esperança para aquele que acredita e para aquele que sonha”.

Para que os 29 segundos de demonstração robótica ocorressem, a iniciação científica contou com uma equipe de mais de 156 pesquisadores liderados por Miguel Nicolelis, atual professor da Duke University. O equipamento é o alicerce do “Projeto Andar de Novo”, idealizado e coordenado pelo cientista brasileiro.

Em um episódio da TV Rádio Big Bang, o pesquisador compartilhou que o projeto surgiu a partir do desejo de mostrar à comunidade internacional, em um momento tão aclamado como a abertura da Copa do Mundo, uma outra face do Brasil, além da evidente do país do futebol: um país que investe na Ciência e na produção de meios de conhecimento que influenciarão a vida de milhões de pessoas.

Apesar da complexidade da ideia, Nicolelis relata que pôde contar com o incentivo nacional e internacional, estrelado por uma rede de cientistas seniores voluntários que, em menos de 18 meses, transformaram o “Projeto Andar de Novo” em realidade.

Com a equipe formada, iniciou-se a desafiadora missão de planejar, administrar e realizar uma abertura histórica para a Copa do Mundo FIFA, tanto como um evento esportivo, mas essencialmente para a Ciência global. O neurocientista brasileiro revelou que todos os profissionais envolvidos estavam motivados pela chance de mostrar para o mundo, e principalmente para as mais de 25 milhões de pessoas paralisadas devido à lesão medular, que o desenvolvimento tecnocientífico representa uma fonte de inovações e esperança, e tal propósito levou-os a encarar qualquer resquício de insegurança acerca do sucesso do projeto.

Diante de uma intenção tão digna, os cientistas responsáveis pelo “Projeto Andar de Novo” construíram o primeiro exoesqueleto integralmente controlado pela mente. O protótipo seria capaz de retornar informações táteis em tempo real para os pacientes, de modo que o usuário sentisse o chão ao caminhar, bem como os movimentos realizados pelos membros inferiores. O princípio de funcionamento do equipamento é denominado “interface cérebro-máquina, que associa diretamente aspectos neurológicos, análogos à força de um pensamento, à capacidade de controlar diretamente um equipamento externo ao corpo humano.

O paradigma “interface cérebro-máquina” é uma das principais áreas de estudo de Miguel Nicolelis desde 1999, responsável pelo desenvolvimento da ideia, juntamente com o neurocientista John K. Chapin. A dupla de neurocientistas, previamente à descoberta do princípio robótico, estudavam circuitos neurais, focalizando em como grandes populações de neurônios interagem para gerar comportamentos.

A interface procurava estabelecer uma conexão computacional entre um cérebro e um artefato mecânico, eletrônico ou virtual. O momento “Eureka” dos cientistas foi pautado, segundo Miguel Nicolelis, em uma “simples ideia”: registrar a atividade elétrica que o cérebro produz para conceber comportamentos motores. Um terço de segundo antes do início do movimento de um corpo, o cérebro desenvolve um programa motor e gera uma sequência de comandos elétricos, os quais são direcionados para a medula espinhal para, finalmente, alcançarem os músculos e iniciarem o movimento.

Com base neste arcabouço teórico, Miguel e John concluíram que seria possível registrar esta atividade elétrica e extrair, matematicamente, comandos motores presentes nestes neurônios. Com a gravura de cem neurônios, anterior ao início do movimento, os computadores processam estes potenciais elétricos, extraem a informação e transformam-a em informação elétrica, e, por fim, transmitem-a para o equipamento.

Os testes iniciais do preceito neurocientífico, realizados em animais, surpreenderam os pesquisadores com os resultados. Tanto os ratos como os macacos participantes do experimento foram aptos a compreender a sua capacidade de utilizar a interface cérebro-máquina para gerar movimentos no equipamento robótico apenas ao pensar na atividade. Em conclusão, o órgão neural dos organismos realizou que um comportamento poderia ser gerado sem a necessidade de movimentação de nenhuma parcela do corpo.

A concepção foi um sucesso, ainda mais quando os processos experimentais revelaram que se o feedback, seja a imagem ou a informação tátil proveniente do movimento, fosse intenso o suficiente, o cérebro dos animais começaria a incorporar o equipamento como uma extensão de seu corpo. O encéfalo é responsável por fornecer ao indivíduo a sensação de pertencimento à uma compleição física.

A realização dos experimentos baseados na interface cérebro-máquina proporcionaram à ciência e à sociedade a demonstração de que à medida que o indivíduo desenvolve proficiência no uso de alguma ferramenta externa ao corpo humano, tal artefato passa a ser assimilado como uma extensão do “senso de ser”. Ou seja, toda tecnologia criada e utilizada pelo ser humano passa a ser uma parte adicional do indivíduo. Na contemporaneidade, é possível associar isso à dependência tecnológica vivida pela sociedade visto que, de fato, os aparelhos eletrônicos, como smartphones, tablets e computadores, são extensões dos corpos dos usuários.

A criação da interface cérebro-máquina foi fundamental para que Miguel Nicolelis e John K. Chapin pudessem cumprir sua profecia publicada na “Scientific American” nos anos 2000. Eles imaginaram que em uma década, as interfaces seriam capazes de restaurar movimentos em pacientes sofrendo grandes níveis de uma paralisia corpórea, que foi efetivado há dez anos na abertura da Copa do Mundo de 2014.

O exoesqueleto desenvolvido por Miguel Nicolelis continua a ser uma verdadeira narrativa de triunfo humano sobre limitações físicas. Este marco não apenas celebra uma década de avanços tecnológicos, mas também destaca o poder da colaboração entre profissionais, da inovação científica e da ousadia tecnológica em elevar o potencial humano e melhorar a qualidade de vida da sociedade.

Acompanhe tudo sobre:NeurociênciaPessoas com deficiênciaPesquisas científicas

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