Um panorama nacional do combate ao câncer: desolador, mas finalmente claro
O acesso a dados de qualidade e uma comunicação assertiva podem oferecer uma esperança na atenção ao câncer de mama no Brasil; Panorama Nacional revela dados
Diretora Executiva do Instituto Natura
Publicado em 23 de abril de 2024 às 10h00.
Última atualização em 23 de abril de 2024 às 10h27.
Ao observarmos o Dia Mundial do Combate ao Câncer, no último dia 08/04, reconhecemos a importância da comunicação, responsável e educativa, como precursora e habilitadora de uma transformação sistêmica necessária à superação deste flagelo.
Não me refiro à comunicação sobre os avanços científicos, também fundamental, mas à dupla função da comunicação com as mulheres leigas e suas famílias a respeito dos fatores de risco, sinais, direitos e meios de acesso ao diagnóstico e cura, e, também, com a sociedade em geral, qualificando o debate público com base nas evidências a respeito da incidência, evolução, diagnóstico e tratamento do câncer, a partir das bases de dados do SUS.
Destaco, especificamente, o potencial do jornalismo sério e bem fundamento de mover consciências e vontade política, considerando que a história nos ensina que as transformações políticas são precedidas por transformações de consciências – e estas se manifestam por meio de diferentes formas de apelo social. Só então os dados cumprem sua função de iluminar cenários e mover a gestão pública na escolha de prioridades e construção de um compromisso político.
Tenho percebido que o apetite da imprensa por dados oficiais, rigorosos e bem-organizados é grande, até porque este é o tipo de prática que a diferencia do onipresente labirinto das fake news. O lançamento do Panorama Nacional do Câncer de Mama vem corroborar com esta observação.
Desenvolvido pelo Instituto Avon, em parceria com a ABRALE e a Cluster, o Panorama consegue mapear aspectos críticos para o aperfeiçoamento de uma gestão integrada do câncer de mama. Vejamos alguns dados que nos dão os contornos deste panorama: O Brasil adota uma política de fazer exames de rastreamento (não sintomáticos) em mulheres entre 50 e 69 anos. No período pré-pandêmico, a taxa de rastreamento mamográfico era de 23%, já bem abaixo do patamar preconizado pela OMS, de 70%. No período pós-pandêmico, 2021 – 2022, a taxa caiu para 20%.
Esta insuficiência na cobertura do rastreamento mamográfico cria as bases para um desastre previsível e evitável. A pesquisa também mostrou que pacientes entre 50 e 69 anos – faixa etária indicada pelo Ministério da Saúde para início da realização de exames de rastreamento de câncer de mama – foram diagnosticadas em estágios avançados em 35,3% dos casos entre 2015 e 2021.
O mesmo ocorreu com 39,6% das mulheres entre 40 e 49 anos e com 53,9% das que tinham entre 20 e 29 anos. O Panorama revela ainda que entre 2015 e 2022, 52,4% das mamografias para rastreio de câncer de mama foram realizadas em mulheres brancas, enquanto 28,5% foram realizadas em mulheres pardas e apenas 5,8% em mulheres pretas. Mulheres amarelas representam 13,4% dos exames, já indígenas apenas 0,1%.
A diferença entre a realização de mamografias, considerando características étnico-raciais, demonstra um desequilíbrio no acesso a exames de rastreamento da doença, pois é desproporcional ao cenário demográfico brasileiro, cuja população é formada em 55,5% por pessoas pretas e pardas de acordo com o IBGE.
Fica patente o quanto o perfil social, etário e étnico-racial está fortemente correlacionado ao tempo entre suspeita e diagnóstico – e entre este e o início do tratamento também. Os dados do Panorama podem ser analisados com recorte racial, regional e estadual oferecendo ao gestor público uma visão clara e aprofundada das oportunidades de aprimoramento das políticas públicas de atenção a esta moléstia, que nos desafia há décadas, sem melhoras significativas em nenhum estado brasileiro com a possível exceção do Amapá, que ainda precisa de importantes avanços em dados importantes mas apresentou relevantes avanços em cobertura mamográfica e tempo para início de tratamento.
Cabe a nós, sociedade civil nos apropriarmos dos dados, bem compreendidos e bem comunicados, entendendo que informação é poder. Este poder nunca é tão necessário quanto na tarefa de endereçar de forma transformadora esta demanda social urgente: avançarmos na superação da doença que mais mata a mulher adulta no Brasil.