Um manifesto para redefinir o capitalismo -- 50 anos após Friedman
Movimento IMPERATIVE 21 quer aproveitar efeméride para mostrar que o capitalismo centrado apenas no acionista ficou para trás
Lucas Amorim
Publicado em 13 de setembro de 2020 às 08h00.
Este domingo é uma data marcante para a história do capitalismo -- e, para um grupo crescente de ativistas, pode ser o marco de um novo momento. Há 50 anos o economista americano Milton Friedman disse sua conhecida frase "The business of business is business" (O negócio do negócio é negócio). Era um resumo sem rodeios de um capitalismo centrado no acionista, que tinha como objetivo central a maximização dos lucros. Friedman seria escolhido Nobel de Economia em 1976.
Pois 50 anos depois um grupo de empresários, investidores e ativistas sociais tenta mostrar que o mundo mudou de vez, e que o capitalismo de "shareholder", focado no investidor, deu lugar ao capilismo de "stakeholder", focado em todos os públicos. Neste domingo este grupo, batizado de IMPERATIVE 21, publica um anúncio no jornal The New York Times com o título "Redefina o Capitalismo" e ao longo da semana fará uma série de eventos em grandes centros financeiros do mundo, como a Nasdaq, em Nova Iorque, e a B3, no Brasil.
"A pandemia deixou mais visível o que já estava ali. Um sistema econômico que foi desenhado para cuidar de alguns e não de muitos", diz o americano Jay Coen, coordenador do IMPERATIVE 21. "É um sistema que foca em maximizar riqueza e não bem-estar, que privilegia o individualismo".
"Um anúncio não muda nada, é apenas um sinal. Precisamos mostrar que estamos aqui, e que concordamos que o sistema precisa ser transformado. De uma economia de exclusão para uma de inclusão, uma economia que não é mais de 'winner takes all'", diz Coen.
Coen e seu grupo se unem a vozes que têm defendido não um retorno ao mercado pré-pandemia, mas um reinício no capitalismo e na forma de fazer negócios. "O normal não estava funcionando. Queremos ter certeza que vamos resetar a economia numa nova trajetória, e não recomeçar a economia. Precisamos pensar em todos os stakeholders, ou vamos terminar na mesma situação em que estávamos quando a próxima pandemia vier, ou quando a mudança climática se acentuar", afirma.
Nos últimos 15 anos Coen, um ex-executivo da consultoria McKinsey, liderou o B Lab, um movimento que nasceu para mostrar que é possível ter negócios lucrativos e que criam empregos e ao mesmo tempo levam em consideração questões sociais e ambientais. Era o nascimento de um conceito que nos últimos meses se consolidou de vez, o ESG (sigla para Ambiental, Social e Governança, em inglês). O B Corp buscava unir empresas com os mais elevados conceitos de sustentabilidade, e hoje tem 3.500 empresas em 80 países, incluindo o Brasil.
Mas mais recentemente Coen viu que, o impacto destas empresas não era o suficiente. Passou, então, a buscar uma união mais ampla de esforços, com outras organizações. Os fundadores da coalizão global são o B Lab, The B Team, o CECP (Chief Executive for Corporate Purpose), Conscious Capitalism, Coalition for Inclusive Capitalism e Just Capital. No Brasil, a coalizão é formada pelo Sistema B (braço do B Lab na América Latina), Rede Brasil do Pacto Global, Instituto Capitalismo Consciente Brasil e Instituto Ethos.
Nasceu, assim, em abril, a rede IMPERATIVE 21. "A ideia é engajar todos os negocios -- mesmo aqueles que não são empresas B. As empresas b lideram o caminho e facilitam para que outros as sigam a cultura do stakeholder".
"Com a IMPERATIVE 21, nos unimos na missão de munir os líderes com os princípios de liderança do século 21 para guiarem as mudanças”, afirma Francine Lemos, Diretora Executiva do Sistema B.
O embrião da ação foi o Manifesto de Davos, lançado na edição 2020 do Fórum Econômico Mundial. Inspirada nesse aprendizado, a transformação proposta pela Imperative 21 se baseia em três pilares: design para uma economia de interdependência; investimentos para que todos os passos do sistema produtivo sejam mais justos; criação de valor para todos os stakeholders.
Coen afirma que a ideia não é desconstruir o conceito de Friedman, mas mostrar que o mundo mudou. "O próprio Friedman já falava que a responsabilidade de um negócio era maximizar o lucro operando dentro da lei e de forma ética. A lei muda à medida que as pessoas decidem que têm necessidades diferentes. E temos um entendimento maior dos riscos para a vida e para os mercados trazidos pela cultura do capitalismo focado no acionista", afirma.
"Nos anos 70 a geração era muito focada no indivíduo, mas agora sabemos que estamos conectados, que o meu futuro está ligado ao seu". É, para o americano, uma visão de mundo que ganhou força com a pandemia, mas que não tem volta.