Ivan Baron ao lado do presidente eleito Lula durante cerimônia da posse (Kayo Sousa/Reprodução)
“Eu, como uma pessoa com Paralisia Cerebral, já fui muito desacreditado e muito incapacitado. Isto no sentido das pessoas não acreditaram no meu potencial e futuro. É como se o diagnóstico que tive quando criança fosse minha sentença de morte”. As palavras do influenciador Ivan Baron, de 24 anos, expressam não só a história dele, mas também a minha e de mais de 17 milhões de pessoas com deficiência no Brasil, segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2021.
No último domingo, 1º de janeiro, Ivan contrariou qualquer um que pudesse ter duvidado de seu potencial ao subir a rampa do Palácio do Planalto na cerimônia de posse presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva. "Olha onde eu cheguei", pensava Ivan naquele momento.
Enquanto isso, em São Paulo, eu acompanhava o evento pela televisão da minha casa, e via ali um corpo com Paralisia Cerebral como o meu. Usando bengala, como eu uso, em um evento de importância e repercussão para além do contexto nacional.
O influenciador conta que, por ter tido meningite viral ao três anos de idade, sua família ouviu todo o tipo de sentença: que não ia andar ou falar, e mais. Mas essa mesma pessoa conseguiu uma visibilidade incomparável. “Olha, só que contrariedade. Isto é ressignificar o desacreditado. No Brasil, em uma posse presidencial, foi a primeira vez que uma pessoa com deficiência teve um espaço de destaque”, disse.
Mas, ele não estava lá por sorte ou acaso. O potiguar cursou pedagogia, e da curiosidade e gosto pelo ativismo nasceu a vontade de abordar a luta contra o preconceito com pessoas com deficiência. Em 2018, Ivan começou a postar vídeos explicativos sobre termos carregados inapropriados usados pela sociedade.
Depois de um vídeo chamando a atenção da ex-BBB Juliette sobre a utilização da palavra “aleijado” para descrever um colega dentro do reality, a conta de Ivan viralizou. Mas ele sonha em, cada vez mais, furar a bolha e tornar seu trabalho conhecido. Hoje, o “influencer da inclusão” tem mais de 1 milhão de seguidores somados os perfis de diferentes redes sociais.
Segundo o protocolo cerimonial, o presidente em fim de mandato passa a faixa para o novo eleito. Mas, neste ano, o Baron foi uma das 8 pessoas escolhidas para subir a rampa ao lado de Lula e passar a faixa. O convite para participar foi feito pela primeira-dama, Janja Lula, que chamou as pessoas para uma “missão especial”, só revelada 40 minutos antes.
Ainda durante a posse, algo que chamou a atenção foram as escritas na jaqueta de Ivan. Uma das frases, nas costas, era “parem de nos excluir”. Aquilo ecoou como um grito de protesto de Brasília até a sala da minha casa e de tantos outros brasileiros. Naquele momento, várias situações onde eu sofri preconceito por ser uma pessoa com deficiência passaram pela minha mente.
A sensação de realização descrita por Ivan é uma vivência compartilhada entre pessoas com deficiência que precisam se provar para conquistar espaços dentro de uma sociedade com preconceitos estruturais, e têm que lutar contra estereótipos sobre o próprio corpo, muitas vezes, desde a infância. E este é o trabalho do jovem potiguar: criar conteúdo que eduque e auxilie na luta anticapacista, o preconceito com pessoas com deficiência, e em prol da inclusão.
Ivan, que passou pela faculdade de pedagogia, explica o termo de uma maneira didática: “Mas que danado é capacitismo? Capacitismo nada mais é do que o irmão do racismo, do machismo, da LGBTfobia e toda essa família de preconceitos que a gente deve abominar. Sendo que o capacitismo é o preconceito exclusivo para as pessoas com deficiência (PcD)”.
O influenciador lembra que o capacitismo pode se apresentar em diversas formas, como em piadas ou uso de palavras problemáticas que são naturalizadas no nosso vocabulário (capacitismo recreativo), exclusão e falta de acesso à direitos básicos, como educação ou lazer, preconceito médico (capacitismo médico) e até em casos de violência física.
No mesmo dia da posse, Lula assinou o ato em prol da inclusão de PcD na educação, revogando o Decreto da Segregação. Segundo o influencer, a opção pela assinatura do termo já é um compromisso fincado com a comunidade de pessoas com deficiência.
Cada pessoa com deficiência tem uma história de inclusão ou a falta dela em diversos ambientes, ente eles, a educação. No meu caso, assim como aconteceu com Ivan, estudei em escolas que tinham alunos com e sem deficiência e o acesso a uma educação plural me impactou e me permitiu ocupar espaços. A lógica é válida para toda a sociedade, que ganha com a diversidade e a pluralidade.
"A partir do momento que você convive com uma pessoa que é atípica você acaba não criando preconceito, não dando brechas para ter dúvida sobre como conviver com outro. Você apenas convive de maneira natural. Graças a uma educação inclusiva que eu estou aqui te dando uma entrevista hoje. Porque foi através da educação que eu encontrei ferramentas para me empoderar e criar meus próprios argumentos”, afirma Baron.
Ivan sonha com o momento que a pauta anticapacitista seja enfim institucionalizada, para que o crime do capacitismo ganhe notoriedade na sociedade. “Assim como a gente encontra cenas racistas e é fácil denunciar, que a gente identifique situações capacitistas e consiga denunciar com a mesma facilidade, para que não haja essas fragilidades, essas distorções. “Ai, será que é mesmo crime aquilo?”, só porque fez uma piada com “aleijado”. Isso já deve ser caso de denúncia”, afirma.
Pessoas com deficiência não devem tolerar o capacitismo em nenhum sentido. Ivan aceitou o convite de Janja porque acredita que o governo deva institucionalizar a pauta anticapacitista, além de colocar pessoas com deficiência dentro do orçamento. “Mas não vamos apenas esperar, vamos começar a cobrar”.
Nós, PcD, devemos cobrar a sociedade das mudanças que queremos ver para que corpos atípicos não sejam julgados nem sequer rotulados ou até limitados por estarem fora de uma "norma" instituída. Além disto, “Pessoas sem deficiência têm privilégios que pessoas com deficiência não têm e, elas podem ajuda a “abrir portas”. Não que elas falem por nós, que elas não te tragam para o palco junto com elas. É uma luta que não é só nossa, de PcD. Elas precisam ser aliadas e sem roubar o nosso protagonismo”, finaliza Ivan.