Rascunho atrasado e sem números: cresce temor sobre "COP do retrocesso"
Texto divulgado nesta quinta pela Presidência da COP29 acende alerta máximo com indefinições sobre metas de financiamento e sem menção a combustíveis fósseis
Editora ESG
Publicado em 21 de novembro de 2024 às 07h42.
Somente na manhã desta quinta-feira, 21, a Presidência da COP29 divulgou o rascunho do documento que embasará a meta pós 2025 e, mais importante, trará o consenso entre países presentes à Cúpula sobre questões cruciais para alcançar o que determina o Acordo de Paris. E, desta vez, confirmando as expectativas, o documento - que estava previsto para a noite de quarta - veio cheio de lacunas e sem qualquer menção a combustíveis fósseis.
O atraso e qualidade do texto divulgado evidencia os intrincados desafios que a diplomacia climática internacional tem enfrentado no Azerbaijão. Embora em um contexto de negociações multilaterais complexas, algumas indefinições importantes sejam previsíveis mesmo a esta altura, o documento deixou quase todas os aspectos mais explosivos em uma zona de indefinição.Faltam ali, sinalizações de por onde caminharão decisões precisas sobre responsabilidades financeiras fundamentais: quem pagará, quanto será investido e qual será a arquitetura institucional desse financiamento.
A presidência da COP29 tentou acalmar os ânimos. Em declaração para a imprensa, afirmou que apresentar uma amplitude numérica detalhada neste momento não seria "útil". O que foi recebido como uma avalização de que, não somente nesta COP, mas principalmente nela, os interesses geopolíticos e econômicos estão condicionando as discussões sobre a crise climática.
Novo documento em algumas horas
De acordo com a presidência da COP, um novo documento está previsto para esta noite. "Será uma versão mais curta e terá números baseados em nossa visão de possíveis zonas de pouso para consenso", afirmou. O texto divulgado até agora traz duas opções que, de certa forma, traduzem as assimetrias de poder no cenário internacional. A primeira alternativa reproduz as expectativas dos países em desenvolvimento, enquanto a segunda materializa os interesses mais protecionistas das nações economicamente desenvolvidas.
Na proposta inicial está prevista uma meta anual de financiamento de 2025 a 2035, enquanto a segunda alternativa oferece às nações ricas um prazo mais elástico, possibilitando alcançar a meta até 2035 sem lastros pelo meio do caminho - uma concessão temporal que permitiria postergar compromissos urgentes. Na primeira opção, o financiamento seria exclusivamente advindos de países desenvolvidos, com um toque curioso: a possibilidade de que países em desenvolvimento contribuam "voluntariamente", num mecanismo que sugere corresponsabilidade.
A segunda alternativa amplia deliberadamente o espectro de fontes financeiras, incluindo setores públicos, privados e os chamados "inovadores". Não há clareza sobre esta última classe de financiadores, maso ponto de atenção é de que esta classificação deixasse brecha para aportes que descaracterizem o sentido do financiamento climático.
O documento propõe ainda que países desenvolvidos liderem o processo, mas convida "outras nações com capacidade econômica" a contribuírem. E este tem sido dos aspectos mais criticados. Na leitura de muitos especialistas e ativistas, esta seria uma transferência de responsabilidades históricas, usando da retórica de colaboração global, porém mascarando desigualdades estruturais.
Armadilhas dos mecanismos imprecisos
Conforme o texto divulgado, a meta financeira atual de US$ 100 bilhões anuais seria substituída. Os mecanismos porém, permanecem similares, ainda muito imprecisos. Na opção dois o conceito de financiamento é bastante expandido, e inclue possibilidades como impostos sobre transações ou passagens aéreas. Sob esse aspecto, a preocupação é de a amplitude para interpretações permita, por exemplo, que países desenvolvidos contabilizem recursos de mercados de carbono como contribuição climática, convertendo um mecanismo de mitigação em mais um instrumento financeiro especulativo.
Os países menos desenvolvidos e pequenos estados insulares têm reivindicado valores mínimos anuais de US$ 220 bilhões e US$ 39 bilhões, respectivamente. Contudo, as demandas permaneceram entre colchetes no documento, o que significa que não houve acordo. E um indicativo que também na COP, nações mais vulneráveis estão marginalizadas nas dicussões climáticas.
O detalhe mais preocupante contudo, é a ausência no rascunho de qualquer cláusula que impediria a contabilização de investimentos em infraestrutura de combustíveis fósseis como financiamento climático - um retrocesso potencialmente grave em relação a documentos anteriores, sobretudo o avanço conquistado na COP anterior, realizada em Dubai.