O marco legal para a exploração de energia eólica offshore no Brasil (Projeto de Lei nº 576/2021) foi aprovado em dezembro pelo Senado e aguarda agora a sanção presidencial. Apesar de criar um arcabouço legal importante para o setor eólico, os avanços foram ofuscados por uma série de inclusões de temas alheios e controversos à matéria original, apelidados de "jabutis", que alteram substancialmente o projeto original.
Dentre as emendas incluídas, destacam-se:
- Contratação compulsória de 4.250 megawatts (MW) de usinas termoelétricas a gás natural, como energia de reserva, pelo prazo de 15 anos a partir de 2030. Essa contratação inclui o compromisso de gerar energia por no mínimo 70% do ano.
- Contratação compulsória de 4.900 MW de pequenas centrais hidroelétricas (PCHs), como energia de reserva, pelo prazo de 25 anos a partir de 2030.
- Recontratação de usinas termoelétricas movidas a carvão mineral nacional, cujos contratos atuais já estão próximo ao vencimento, com período de suprimento até o fim de 2050. Estes ativos possivelmente seriam desmobilizados após o vencimento de seus contratos atuais.
- Prorrogação dos contratos das usinas participantes do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas (Proinfa) pelo prazo de 20 anos. Os contratos atuais, que já estão próximo ao fim, possuem preços elevados e, pela proposta, eles seriam reduzidos a preços mais condizentes com os ativos recentemente leiloados. Porém, cabe destacar que as usinas participantes deste programa contam com tecnologia ultrapassada, o que resulta numa eficiência menor em comparação aos novos parques.
- Contratação de uma planta de geração com capacidade de 250 MW, localizada no Nordeste, cuja energia seja proveniente do hidrogênio líquido gerado a partir do etanol.
- Contratação de 300 MW de energia proveniente de usinas eólicas localizadas na região Sul, com entrada em operação até o final de 2030.
- Ampliação do prazo para implementar usinas de geração distribuída, como painéis solares em residências, e garantir a estrutura atual de subsídios concedidos a este tipo de ativo.
Além da óbvia adição de emissões de combustíveis fósseis no setor, as alterações aprovadas pelo Senado subvertem a lógica econômica da expansão do sistema elétrico brasileiro ao imporem a contratação de determinados tipos de ativos sem estudos que comprovem a sua efetiva necessidade e economicidade. Caso esses artigos sejam sancionados pelo presidente, além de adicionar custos a serem cobertos pelos consumidores, entendemos que eles têm potencial de:
- Gerar uma pressão inflacionária importante, além de elevar o incentivo a modelos de negócio que são isentos do pagamento de encargos na parcela da energia autosuprida, como é o caso da geração distribuída e da autoprodução.
- Aumentar a sobreoferta física no sistema, reduzindo o espaço para novos ativos de geração e provocando uma pressão nos preços de curto prazo.
- Aumentar a geração inflexível no sistema, que, quando somada à sobreoferta, tende a elevar o nível de vertimento, tanto renovável como hidroelétrico.
- Aumentar o nível de emissões de gases de efeito estufa, reduzindo a atratividade do Brasil para indústrias que buscam produzir bens a partir de energia limpa, como é o caso do hidrogênio verde.
- Enfraquecer ainda mais as instituições responsáveis por planejar, operar e regular o setor elétrico brasileiro, como a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
Muitos dos apontamentos feitos acima foram quantificados pela PSR em estudo desenvolvido para um conjunto de associações em dezembro de 2023, quando a matéria emendada foi devolvida pela Câmara ao Senado. Considerando a visão da época e as evoluções regulatórias até o presente momento, as estimativas apontam para um incremento de custos da ordem de R$ 21 bilhões por ano, o que representaria um impacto tarifário médio da ordem de 7,5%.
Embora o PL das Eólicas Offshore represente um avanço importante para o Brasil, as modificações controversas põem em xeque a coerência da política energética nacional. A priorização de fontes fósseis, aliada a falta de planejamento estratégico de longo prazo e a desconsideração dos custos associados a estas medidas, pode comprometer os esforços para uma transição energética eficiente e a descarbonização da economia brasileira.