Na Inglaterra, Celso Athayde conta sobre a Conferência Internacional das Favelas
CUFA chega no país para a IFC20, Conferências que debaterão as demandas das favelas no âmbito internacional
CEO da Favela Holding
Publicado em 18 de maio de 2024 às 13h34.
Chegamos na terra gelada da Rainha. Nossa esperança é que na Inglaterra não seja uma agenda pesada. Afinal, viajar 12 países em 19 dias significa estar dividido em diversos fusos, sem tempo de se recuperar. Mas não vou reclamar porque está sendo muito massa e riquíssimo em todos os sentidos. Rico inclusive por estar convivendo com meu caçula em outro ambiente e o vendo em prática in loco os ensinamentos que passei.
As vezes dá a impressão de que ele fingia que aprendia, mas, no fundo, já sabia. No impulso ia descrever suas habilidades, e sua inteligência rara, mas como pai serei acusado de legislar em causa própria, e por isso deixarei para vocês o reconhecimento por seu talento ao longo do tempo. Mas afirmo, o moleque Vinicius é zica.
Desembarcamos sem nenhuma dificuldade e lá vamos nós carregando nossas malas e em paralelo articulando os encontros e administrando os desencontros, seja de agenda ou as novidades indesejadas. Essas nunca falham. Dessa vez a falha com nosso representante, o Benguela, que precisou se ausentar de Londres para a Nigéria e precisamos nos virar sozinhos. Deu certo, apesar de tudo errado.
Salvamos o que pudemos e tivemos a chance de organizar o relógio biológico. Até porque eu já não sou mais aquele menino sapeca da favela do sapo. Embora tenha uma imagem de jovenzinho, já passei dos 60. E quando chega aí não tem jeito, vai rolar sempre um remedinho para equilibrar a pressão, combater os excessos que a idade traz. Mas é engraçado que os coroas quando falam com os outros da sua idade ele sempre se dirigem como se o outro tivesse acabado e ele inteiro.
Minha tese é que quanto mais velho você fica menos você enxerga a sua velhice em relação aos outros, talvez miopia seletiva. Mas vamos mudar de assunto, essa conversa de velho eu já até sei onde vai parar. Daqui a pouco eu quero saber se tem vida depois da morte, começo a dar esmola para todo mundo na rua, inclusive para quem nem é mendigo para forçar uma barra para ir para o céu.
Quando bate a idade, bate o medo de como vai ser o resto do tempo. Ter vindo para essa viagem é um pouco disso, no fundo. Para viver com meu filho que conheci aos 18 anos e não tive esse tempo e também por saber que tenho hoje a chance de ir onde eu desejar e não vou perder a chance, já que tenho um time gigante cuidando das loucuras que inventei.
Mas chega de falar de velhice para não parecer semi despedida. Muito embora eu tenho recebido notícia de vários amigos da minha geração que começaram a morrer. Essa semana mesmo na viagem quem me escreveu foi o Juninho, irmão do Marreta. Meu amigo do tempo de camelô em Madureira. Época que éramos sócios da Nike e Adidas sem eles saberem na estrada do Portela, o que chamávamos de “Madureira Shopping Rua”.
Foram tantos momentos vividos ali por tantos anos que daria alguns livros, sim, mas deixa eu terminar a prosa do Marreta, para fechar essa conversa de velho para então mudar de assunto que isso tá me angustiando. E não consigo sair desse rodamoinho de pensamentos exatamente porque isso é coisa de velho.
Ai, meu Deus, já não sei o que estou escrevendo, tenho certeza que você não sabe o que está lendo, mas com o Estatuto do Idoso me protejo e tenho a prerrogativa de escrever o que quiser sem ser acusado de doido. Sim, o Juninho me escreveu perguntando se eu lembrava dele, que ele era irmão do Marreta. Claro que lembro, eu disse: Como esqueceria de vocês?
Mas eu não poderia ser muito aberto e muito acalorado em função de muitos hoje ligarem do passado como se eu tivesse a obrigação de ser seus caixas eletrônico de baixa renda.
- Pois, Celso. Ele morreu e estou avisando aos amigos mais próximos.
- Obrigado por avisar, irmão.
No fundo, eu nem sei se iria se tivesse no Brasil. E não aqui nas conferências da CUFA e Frente Nacional Antirracista, mas talvez ele seja o décimo recado de amigos de minha idade que se foram. A pergunta sempre é:
- Morreu diquê?
Aí vem um cardápio gigante: diabete, infarto, caiu da escada após vertigens.
Quer saber, eu queria falar de Londres e tô falando de terceira idade.
Tá passando agora na minha mente o disco do Caetano, London London, tá passando a imagem dos Beatles naquela ruazinha mixuruca andando em fila. Eu vou é para lá.
Aliás, eu tenho agora uma reunião que o Benguela marcou com o embaixador de Angola aqui na Inglaterra para tratar do receptivo na África. Cá estou na reunião com esse, também velho. Eu acho que estou precisamos ouvir mais Poze do Rodo e Mc Rian SP para me sentir menos pressionado pelo tempo.
Fui, partiu!