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Esse fazendeiro já ganhou R$ 18 milhões com carbono na Amazônia. Veja como

O paulista Ricardo Stoppe é responsável por conservar meio milhão de hectares de floresta. Venda de carbono é mais lucrativa do que criar gado

O potencial do mercado brasileiro de carbono é de 45 bilhões de dólares, a maior parte disso na Amazônia (Andre Dib/Pulsar)
RC

Rodrigo Caetano

Publicado em 18 de novembro de 2020 às 15h58.

Última atualização em 18 de novembro de 2020 às 16h25.

“O doutor está doido”. Essa era a frase que corria em Ituxi, no Amazonas, nos arredores da fazenda de Ricardo Stoppe, médico de Birigui, no interior de São Paulo, que se tornou o maior vendedor pessoa física de créditos de carbono do país . A doidera de Stoppe era justamente essa: ganhar dinheiro conservando a floresta. Não foi fácil, mas, neste ano, ele concluiu sua primeira venda e ganhou 18 milhões de reais. “Muito mais do que eu ganharia com gado”, afirma o fazendeiro.

A transação foi feita por meio da Moss, a primeira bolsa de carbono brasileira. Por meio dela, investidores podem adquirir “tokens” atrelados a créditos de carbono, da mesma forma que adquirem moedas virtuais, que usam blockchain, como o bitcoin. Para o fundador da Moss, Luis Felipe Adaime, o Brasil é uma espécie de “Arábia Saudita” do carbono e o potencial desse mercado chega a 45 bilhões de dólares. “Nenhum país tem esse potencial”, afirma Adaime.

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Para vender os créditos, Stoppe investiu cerca de 1 milhão de reais em certificação. De resto, o trabalho que ele teve foi evitar invasões em suas terras, principalmente dos chamados “toreros”, que extraem ilegalmente toras de madeira para vender a madeireiras tão ilegais quanto. “O problema é nas bordas da propriedade. Se eu fico uma semana sem olhar, já encontro tudo derrubado”, afirma.

Sua história com a Amazônia começou em 2000. Stoppe tinha o sonho de ter uma fazenda e, no final dos anos 1990, comprou algumas terras no Mato Grosso. Algum tempo depois, encontrou uma boa oportunidade na região de Ituxi, no Amazonas, a cerca de 300 quilômetros da capital de Rondônia, Porto Velho. Ali, ele comprou 150.000 hectares de terra, parte já desmatada.

Ricardo Stoppe: "Estou na Amazônia há 20 anos, mas sinto que estou desde que nasci” (Arquivo pessoal/Divulgação)

A primeira tentativa de fazer dinheiro foi com o gado. Aproveitando a área que já estava aberta, Stoppe colocou um rebanho para pastar. Criar boi na Amazônia, no entanto, é uma tarefa ingrata. O transporte é difícil e ficar em dia com a legislação ambiental, segundo ele, é uma tarefa quase impossível. Não por causa das leis, mas em razão da morosidade dos órgãos públicos, que praticamente torna a operação inviável.

Ao mesmo tempo, ele se apaixonou pela Amazônia. “Estou aqui há 20 anos, mas sinto que estou desde que nasci”, afirma. A floresta mudou diversos pontos de vista dele sobre a vida, a natureza, o tempo e, até mesmo, a medicina. Um episódio marcante foi quando ele levou um grupo de amigos de seu filho mais novo — Stoppe tem três filhos, dois concluindo a faculdade — para uma temporada na fazenda.

Um dos garotos sofria de diabetes e tomava injeções de insulina. Como é de se imaginar, não existem farmácias no meio da floresta. Há, porém, a maior biodiversidade do mundo. “Controlamos com chá de embaúba”, conta. “A mãe do menino ficou desesperada. Mas eu disse ‘pode deixar que o médico está aqui’. Quando estava na medicina, nunca iria imaginar que dava para controlar diabetes com um chazinho.”

Experiências como essa são a prova, segundo Stoppe, da riqueza da floresta. “Deveríamos estar fazendo todo tipo de pesquisa aqui. Não é possível abrir mão de tamanha riqueza. A amazônia é um tesouro”, diz ele. Outras histórias mostram a complexidade e os perigos de fazer qualquer coisa na floresta.

No processo de certificação da propriedade, Stoppe recebeu três americanos para fazer uma auditoria — duas mulheres e um homem. Em uma das incursões pelas terras, o motor do barco quebrou. Os americanos tiveram de passar duas noites na floresta, até que um funcionário, nativo da região, chegasse à fazenda para pedir socorro.

“Eu procurei esses americanos por todo lado com meu avião. Não achei de jeito nenhum. A sorte, é que eles estavam com alguém que conhecia muito a região. Quando o americano chegou, ele era só picada de mosquito. Com aquela pele branca, ficou todo vermelho. Eles nunca vão esquecer disso”, diz Stoppe, dando risada. A fazenda passou na auditoria sem problemas.

Os próximos passos de Stoppe serão para ampliar a operação de carbono. Ele está convencendo os vizinhos a entrar na jogada. Além disso, o fazendeiro adquiriu mais terras. Ao todo, ele é responsável por conservar quase meio milhão de hectares de floresta, e espera ser remunerado por isso. “Para falar a verdade, eu quase desisti. Ainda bem que decidi esperar mais um pouco”, afirma o maior fazendeiro de carbono do país.

A “Arábia Saudita” do carbono

As contas de Adaime que estimam um mercado de carbono de 45 bilhões de dólares no país levam  em consideração a expectativa de preço do crédito de carbono (cada crédito equivale à captura de 1 tonelada de carbono) e o potencial florestal brasileiro em capacidade de certificação de projetos. Hoje, o país certifica cerca de 5 milhões de toneladas por ano, mas poderia certificar 1,5 bilhão de toneladas. Considerando o preço atual praticado no mercado regulado europeu, o maior do mundo, de 30 dólares por tonelada, chega-se ao valor de 45 bilhões de dólares.

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Para Adaime, a conta é até conservadora. “O preço vai subir muito mais”, diz ele. As estimativas da gestora britânica Schroders, por exemplo, apontam que, para atingir a meta do Acordo de Paris, de manter o aumento da temperatura global abaixo de 2 graus Celsius, o carbono deve ser precificado a 100 dólares por tonelada.

Ainda segundo a Schroders, considerando o preço praticado no mercado europeu em fevereiro do ano passado, aproximadamente 25 dólares por tonelada, o valor em carbono contido em todas as florestas do mundo alcançava 1,6 trilhão de dólares. Aí que está o detalhe: o Brasil é dono de quase 40% das florestas tropicais, as mais preservadas do planeta. O país que chega mais perto em termos de volume é a República Democrática do Congo, com 11%. “Sem dúvida, considerando a estabilidade democrática que ainda temos, não há quem chegue perto do nosso potencial”, diz Adaime.

Esse sonho trilionário ainda está um pouco distante, e depende de variáveis como a regulamentação do artigo 6 do Acordo de Paris, que trata da criação de um mercado global de carbono. Mas, no curto prazo, também há um enorme potencial no chamado mercado voluntário, que congrega empresas que fizeram compromissos de descarbonização.

Somente neste ano, grandes companhias como Amazon, Unilever, Delta Airlines, Microsoft, entre outras, se comprometeram a compensar 163 milhões de toneladas. “Elas estão antecipando um cenário regulatório que, acredito, virá”, diz Adaime, se referindo à possibilidade do setor produtivo ser obrigado a zerar suas emissões por força de lei. “É isso que está faltando para reduzir as emissões: poder de polícia.” Para fazer valer seus compromissos, essas empresas terão de comprar muito carbono, e o Brasil pode fornecer.

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