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Esqueça Friedman, a mudança no capitalismo tem a ver com Adam Smith

Em livro pouco lembrado, Smith, o pai do capitalismo, já questionava o propósito das corporações, diz Antonio Batista, presidente da Fundação Dom Cabral

Adam Smith, retratado na nota de 20 libras, escreveu A Riqueza das Nações e é considerado o pai do capitalismo (kevinj/Getty Images)
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Rodrigo Caetano

Publicado em 22 de outubro de 2020 às 17h20.

Última atualização em 22 de outubro de 2020 às 17h37.

Antonio Batista, presidente executivo da Fundação Dom Cabral, uma das mais importantes escolas de negócios do país, mora em um condomínio com academia. Para reabrir o equipamento no pós-quarentena, o conselho tomou uma decisão lógica: disciplinar o uso. As instalações poderiam ser usadas por três apartamentos ao mesmo tempo, mediante reserva prévia feita por aplicativo. “Nunca vi a academia tão lotada”, afirma Batista.

O simples receio de não usufruir de um benefício disponível, mesmo que desnecessário, levou moradores antes sedentários a se transformarem em atletas de primeira hora. “Deu problema, começou a vir gente de fora”, relata o condômino. A situação se resolveu quando acabaram com o sistema de reservas. De repente, a academia voltou a ser frequentada pela mesma meia dúzia de musos e musas fitness. “Às vezes, você tem de deixar o mercado agir, que ele se autorregula”, define Batista.

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Liberais mais radicais, no entanto, cometem o erro de acreditar que o mercado é a resposta para todos os problemas da humanidade. Para Batista, não há evidência na história de que a autorregulação seja capaz de manter sequer o próprio mercado saudável, quanto mais viabilizar uma sociedade justa e igualitária. Essa ideia de estado mínimo também não encontra respaldo nos pensadores originais do capitalismo. Aliás, mesmo a ideia de que o lucro é o principal objetivo de uma empresa não pode ser atribuída a Adam Smith, o pai do capitalismo.

Foi o economista Milton Friedman, da famosa Escola de Chicago, que cunhou a expressão “as empresas existem para dar retorno aos seus acionistas”, publicada em um artigo no The New York Times, há 50 anos. O conceito de lucro em primeiro lugar dominou a ciência da administração de empresas nas décadas posteriores. Mais recentemente, essa ideia passou a ser questionada pelos que defendem o chamado capitalismo de stakeholder, cujo mote principal é que as empresas existem para dar retorno a todas as partes interessadas (stakeholder) e não apenas ao acionista, como defendia Friedman.

“O capitalismo não foi inventado para as pessoas ganharem mais dinheiro, mas para melhorar a distribuição e dar acesso a produtos e serviços”, afirma Batista. “Antes, o que existia era o escambo. O capitalismo trouxe a especialização, que gerou eficiência e um padrão de bem-estar inédito. O pobre, hoje, tem uma vida melhor do que o pobre há 300 anos.” O problema do capitalismo, diz o professor, é que ele acabou gerando um abismo entre o topo e a base da pirâmide. No Brasil, a situação é ainda mais grave. “A desigualdade por aqui é criminosa”, define o professor.

Essa contradição entre a geração de riqueza e o aumento da desigualdade leva o sistema a ser repensado. O papel das empresas também. Hoje, se entende que uma companhia não é apenas um agente de promoção econômica, mas um agente de promoção de bem-estar social — cenário ao qual as próprias escolas de negócios estão buscando se adaptar. “A academia terá de fazer um mergulho na base da pirâmide”, afirma Batista. “Na FDC, formamos 30.000 pessoas em nossos cursos de MBA. A maioria brancos de classe média alta. Não há negros, não há diversidade.”

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Mas Friedman e sua ideia de lucro em primeiro lugar, pensamento que se tornou uma espécie de “terraplanismo” entre os administradores mais antenados, têm pouco a ver com essa mudança. O trabalho do economista, ganhador do Prêmio Nobel, ainda é válido. Foi Adam Smith, na realidade, quem deu a ideia do capitalismo de stakeholder em um livro praticamente esquecido: Teoria dos Sentimentos Morais, de 1759, anterior, portanto, à obra A Riqueza das Nações, de 1778, que se transformou na bíblia do capitalista.

Em Teoria dos Sentimentos Morais, ensina Batista, Smith defende que o ser humano, apesar de sempre buscar satisfazer seus próprios interesses, também é capaz de enxergar o interesse do outro e combinar com os próprios. “Somos altruístas”, afirma o executivo, formado em administração de empresas. “O Adam Smith escreveu a Riqueza das Nações e mudou a forma da humanidade pensar. Mas ele também escreveu a Teoria dos Sentimentos Morais. Qual Adam Smith vamos considerar?” Ao que parece, o novo capitalismo é uma ideia mais velha do comprar na baixa para vender na alta.

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