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Roberta Anchieta: "Meu pai sempre dizia que eu podia ser o que quisesse. E se ele disse, não tinha ninguém no mundo que pudesse dizer o contrário”. (Bruno Namorato / SM2 Fotografia/Divulgação)
Repórter de ESG
Publicado em 13 de março de 2025 às 09h45.
Última atualização em 13 de março de 2025 às 09h59.
Roberta Anchieta nunca quis ser bailarina, professora ou astronauta. Desde criança, sabia que seu futuro seria no mercado de capitais. Afinal, em casa, acompanhar a oscilação da bolsa de valores fazia parte da rotina de infância.
“Se as ações subiam mais de 7%, eu e meu irmão ganhávamos presentes. Se fechava em queda, precisaríamos consolar nosso pai”, explica a executiva, cujo pai fez carreira - e mudou a vida da família - no mercado financeiro.
Numa regra comum a tantas famílias negras e de classe baixa, o estudo para eles, nunca foi opção, mas obrigação. "Fui criada para ser executiva", conta. E a certeza sobre a escolha profissional a fez trilhar um caminho estruturado.
Em um período ainda muito excludente, quando não havia política de cotas raciais, Roberta se tornou aluna de Matemática na concorrida Universidade de Campinas (Unicamp).
A força do apoio paterno
Embora os dados mais recentes da PNAD contínua e do Censo Escolar mostrem avanços sobre a inclusão racial nas universidades brasileiras após a Lei de Cotas de 2012, ainda hoje estudantes brancas têm praticamente o dobro de presença no ensino superior quando comparadas às negras.
Um levantamento realizado pelo Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais (Cedra) revelou que, entre 2016 e 2019, a participação de mulheres negras nas instituições de ensino superior cresceu timidamente de 15,2% para 16,9%, enquanto as mulheres brancas ocupam 29,4% das vagas - uma disparidade que evidencia como as desigualdades raciais permanecem como um desafio estrutural no sistema educacional brasileiro.
Em entrevista à EXAME, Roberta Anchieta destacou que as oportunidades que teve ao longo da carreira eram raras para pessoas negras na época. Ela atribui esse leque de possibilidades ao fato de seu pai ter tido condições financeiras de oferecer um pouco mais, como o estudo em escolas particulares durante sua formação básica.
Apesar desses privilégios relativos, a exclusão era uma constante em sua trajetória. "Sempre fui a única mulher negra dos espaços que convivia", revela. A influência do pai, porém, reverberou fortemente em sua autoestima em outros espaços onde se deparou com a solidão da falta de representatividade.
Como mulher negra em um mercado predominantemente branco e masculino, não chegou a duvidar do próprio potencial, pois tinha em casa a inspiração que precisava. "Meu pai sempre dizia que eu podia ser o que quisesse. E se ele disse, não tinha ninguém no mundo que pudesse dizer o contrário”, afirma.
Após a graduação, a executiva foi fazer um intercâmbio nos Estados Unidos. Ultrapassava assim mais uma das principais barreiras que excluíam candidatos em programas de trainee da época: a língua inglesa.
Quando se candidatou a vagas, foi aprovada em várias seleções. Contudo, ao receber o convite do Itaú e ao compartilhar com o pai, recebeu conselho categórico: "É esse que você aceitará". A explicação: o banco, segundo ele, tinha um forte histórico de ética.
E o resto virou 25 de seus 47 anos, fazendo história como funcionária - e inspiração - no banco onde está até hoje.
Desbravando o mercado de capitais
Na companhia, foram 17 anos no Itaú Asset Management, onde chegou ao seu primeiro cargo de gestão. Enquanto galgava espaços na empresa, seguiu firme na formação. Fez MBA em Finanças pelo Insper e tornou-se mestre em Modelagem Matemática Aplicada a Finanças pela Universidade de São Paulo.
Da área de produtos, Roberta buscou mudar sua perspectiva para a área fiduciária da companhia, uma transição que conseguiu cumprir na diagonal: além de mudar de área, subiu degraus na hierarquia, alcançando cargos cada vez mais altos.
Foi assim que, de gerente de produtos asset chegou a diretora de administração fiduciária, posição que ocupa há três anos, gerindo os fundos de investimento do grupo Itaú Unibanco.
Nos últimos quatro anos, se antecipou na preparação para Conselhos. E fez parte da primeira turma do Conselheira 101, iniciativa pioneira no Brasil, focada em qualificar altas lideranças femininas negras e índigenas para Boards.
Ali, despertou para o impacto da representatividade. “Quando vi outras 19 mulheres negras, com o meu biotipo, foi um respiro, algo que não consigo explicar”, conta emocionada.
Como fruto dos aprendizados e conexões da época, se tornou conselheira fiscal da Ânima Educação e integra o conselho consultivo do Instituto Humanitas 360, focado na reinserção de pessoas privadas da liberdade.
Diversidade no mercado de capitais
Se no início de sua carreira o debate sobre diversidade sequer existia, hoje Roberta reconhece uma clara e profunda transformação. "Quando comecei, falar disso era quase uma afronta à meritocracia. Hoje, estou aqui dando entrevista sobre o tema", reflete.
Até 2025, a meta do Itaú é ter 35% a 40% de mulheres na liderança e aumentar a representatividade negra na organização para 27% a 30%. "A pauta racial não deve ser combatida apenas por negros, mas pela sociedade", afirma. "Se queremos um amanhã diferente, o diálogo precisa se expandir."
Ciente da responsabilidade adicional que carrega junto com suas conquistas, no Itaú a executiva é colíder do Blacks Itaú, grupo de afinidade que promove discussões sobre raça dentro da empresa. Segundo ela, o banco tem avançado na equidade racial com programas de mentoria e diálogo direto com a alta liderança.
Roberta também vê o mercado financeiro avançando, embora reconheça que ainda há muito a ser feito para garantir maior diversidade e inclusão.Um dos principais focos, acredita, precisa ser o letramento racial, especialmente entre os mais velhos, que muitas vezes não tiveram acesso a essa educação durante a formação como os mais jovens.
“Temos que estudar para entender os estereótipos criados pelo racismo histórico que tanto impactam as nossas vidas", afirma.