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"Precisamos agir de maneira efetiva pois até o vislumbre de um futuro precisa de um planeta para acontecer, precisa de pessoas vivendo", disse o representante (evgenyatamanenko/Getty Images)
Colunista
Publicado em 9 de dezembro de 2025 às 11h56.
Por Joaquin Gonzalez-Aleman*
Com o fim do ano que se aproxima, celebrar marcos, conquistas e avanços faz, sim, parte da jornada percorrida e, em 2025, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) completou 75 anos de atuação no Brasil.
Em mais de sete décadas, o UNICEF participou direta ou indiretamente das principais conquistas para as crianças e para os (as) adolescentes brasileiros, que como acho importante sempre destacar são o capital humano mais valioso que o País tem.
Quando o País criou o primeiro programa de merenda escolar em 1955, estávamos lá, ao lado do Brasil. Quando o artigo 227 da Constituição Federal, de 1988, e do ECA, mudaram o marco legal dos direitos de meninos e meninas? Estávamos lá novamente, também neste ano com o ECA Digital. Na ampliação da escolaridade obrigatória de 4 a 17 anos no Brasil e no fortalecimento das práticas de imunização por todo o País? Estivemos presentes, de novo, contribuindo com o governo brasileiro e com parceiros para que isso se tornasse uma realidade para meninas e meninos no Brasil. Afinal, essa é a nossa razão de existir.
Mas eu não poderia usar esse espaço apenas para comemorações. Eu sei, há muito o que ser celebrado, mas sei também que há ainda muito por fazer. O inconformismo e a perseverança é algo que acompanha, sem um dia de folga, quem trabalha pela garantia de direitos.
O Brasil da década de 1950, quando o UNICEF chegou ao País, é muito diferente do de hoje e que bom. Os avanços na melhoria das condições de vida das crianças são inegáveis. Progressos importantes ao longo de mais de sete décadas foram feitos, mas, infelizmente, ainda não alcançam a todos(as). Existe ainda uma agenda inacabada em relação à infância e à adolescência no Brasil e é por isso que precisamos continuar.
A nossa agenda para o futuro de crianças e adolescentes brasileiros é grande, audaciosa, urgente e necessária. Não há alternativa senão continuar avançando, consolidando direitos ainda frágeis, encontrando soluções para novos desafios, fazendo bom uso de novas oportunidades e, acima de tudo, evitando retrocessos.
Para os próximos anos, uma das prioridades de atuação do UNICEF no Brasil será a redução da desigualdade e da pobreza infantil, em suas diferentes dimensões. O Brasil, país que tanto queremos bem, foi construído e incluído no mapa das sociedades modernas com base no colonialismo, no trabalho de pessoas escravizadas e na exploração dos recursos naturais e culturais. E isso gera consequências ainda persistentes e um lastro na vida de milhares de meninas e meninos que impede que eles atinjam todo seu potencial e contribuam ao desenvolvimento do País.
Uma dessas consequências são as diferentes formas de violência contra crianças e adolescentes, que podem ocorrer nas ruas, nas escolas ou em casa. Essa é uma agenda em que o Brasil não conseguiu progredir nas últimas décadas e enfrentar esse problema é também uma prioridade para nós. Hoje, ser um menino negro, vivendo na periferia de uma grande cidade, é fator de risco de não chegar à vida adulta. Da mesma maneira, a violência sexual, que atinge majoritariamente meninas, mas também meninos, ocorrida na maioria das vezes dentro de casa, por um agressor conhecido, é um desafio ainda sem solução. Precisamos continuar agindo até eliminá-lo.
O acesso à educação de qualidade segue como um dos pilares de atuação do UNICEF no Brasil. Ainda hoje são cerca de 1,3 milhão de crianças e adolescentes fora da escola. Meninas e meninos para os quais continuaremos trabalhando para que sejam matriculados e permaneçam na escola, o que inclui crianças negras, indígenas, quilombolas e com necessidades específicas. A melhoria de infraestrutura das escolas também faz parte de nossa agenda inacabada, incluindo acesso à internet e acesso adequado a água, esgoto e higiene, a adaptação ao clima e o desenvolvimento de protocolos resilientes para responder aos desastres.
Sei também que não posso deixar de considerar desafios presentes e que devem persistir no futuro em relação à saúde de crianças e adolescentes. Estou me referindo à saúde mental de meninos e meninas, ao acesso a uma alimentação saudável, à garantia de direitos sexuais e reprodutivos e aos esforços para que a confiabilidade nas vacinas não retroceda.
E como estou falando de uma agenda para o futuro, de uma agenda que pretende impactar como as crianças viverão ao longo das próximas sete décadas, eu não poderia deixar de falar das questões relacionadas ao meio ambiente, ainda mais em um ano em que o Brasil sediou a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30) e eu estive lá ao lado de muitos outros colegas e de 18 adolescentes e jovens de seis estados do Brasil, que falaram como as mudanças climáticas impactam suas vidas e a de milhares de meninas e meninos.
A crise climática é uma crise dos direitos de crianças e adolescentes, mesmo sendo esse grupo o que menos contribui para as mudanças climáticas em curso. No Brasil, 33 milhões de crianças enfrentam pelo menos o dobro de dias extremamente quentes a cada ano, em comparação a seus avós. Em 2019, mais de 3 mil crianças de até 12 anos morreram devido a fatores de risco ambientais. Em 2024, 1,17 milhões ficaram fora da escola devido a desastres.
Precisamos agir de maneira efetiva pois até o vislumbre de um futuro precisa de um planeta para acontecer, precisa de pessoas vivendo. Precisamos lembrar que esses sistemas naturais também são sistemas humanos. Não existe como garantir direitos de crianças e adolescentes sem garantir o direito deles(as) ao meio ambiente limpo, saudável e sustentável.
Veja, eu disse que nossa agenda para o futuro de crianças e adolescentes brasileiros é grande, audaciosa, mas também urgente e necessária. Nossa missão de cuidar de cada menina e menino de maneira integral para garantir uma vida saudável, livre de violências, e com oportunidades não nos permite focar em apenas um tema, mas também nos leva a trabalhar com foco em mudanças de longo prazo, com foco em melhorias sistêmicas.
Nas próximas décadas continuaremos com o que fazemos de melhor, ou seja, contribuindo e influenciando governos para o fortalecimento de serviços, priorização de crianças e adolescentes nos orçamentos e investimentos e aperfeiçoamento de políticas públicas, construindo coletivamente e formando coalizões com a sociedade civil e estabelecendo parcerias com o setor privado, tornando o motor da economia sensibilizado à causa da infância. E, sobretudo, essa agenda acontece ao continuarmos nosso trabalho com crianças, adolescentes e suas famílias, incentivando a sua participação ativa, prevista nas democracias.
Para fechar respondendo à pergunta-título desse artigo, eu espero que em 75 anos a presença do UNICEF no Brasil não seja mais necessária. Que cada menino e menina — independente da região em que vive, da cor da pele, das condições físicas ou mentais e do gênero — viva de maneira digna, viva usufruindo de cada direito que lhe é cabido, viva pensando e sonhando com seus próximos 75 anos. Assim como o UNICEF no Brasil está fazendo no momento.
Agradeço se você também puder se unir à causa da infância junto ao UNICEF. Estou certo de que, juntos, podemos enfrentar os desafios e promover oportunidades para cada criança e adolescente no Brasil.
*Joaquin Gonzalez-Aleman é representante do UNICEF no Brasil