Como a divulgação científica brasileira evoluiu com o passar dos anos
"A ciência é para todos, e a internet é uma ferramenta poderosíssima de comunicação de largo alcance", escrevem participantes do projeto Jovens Cientistas Brasil
Colunista
Publicado em 16 de janeiro de 2024 às 08h02.
Última atualização em 16 de janeiro de 2024 às 09h09.
Por muitas vezes, a ciência é dada como uma área constituinte de conhecimentos extremamente complexos, dominados exclusivamente por aqueles que detêm o potencial de compreendê-los, afastando assim o público não-especializado do discernimento de diversos conceitos e situações cotidianas.
Tal estigma é proveniente de séculos de elitização do espaço científico, o qual é marcado por um acesso restrito àqueles que frequentam universidades, congressos e o ambiente acadêmico de modo geral. Contudo, no Brasil, a partir do século XIX, surgiu um movimento que visava a transmitir a informação produzida pelos cientistas, trazendo o conceito basal daquilo que, posteriormente, viria a ser chamado de Divulgação Científica.
A importância da transmissão da informação produzida pelo meio científico tornou-se evidente e ganhou visibilidade especial durante a pandemia de COVID-19, quando pesquisas sobre o vírus e as vacinas eram constantemente noticiadas à população.
Apesar disso, a Divulgação Científica no Brasil é anterior à independência do país, tendo início com a criação da Imprensa Régia, em 1810. O portal de comunicação foi palco da publicação dos primeiros textos de educação científica, os quais, em sua maioria, reduziam-se a manuais para o ensino de engenharia e medicina.
A dinâmica iniciada pela Imprensa Régia sucedeu o surgimento dos primeiros jornais, como a Gazeta do Rio de Janeiro, e, consequentemente, modificou o padrão da Divulgação da Ciência, que, anteriormente, era feita pela própria comunidade científica.
A partir da segunda metade do século XIX, a espécime da comunicação do conhecimento foi ainda mais desafiada com a aparição de iniciativas voltadas à popularização científica, dentre elas destacam-se as exposições, os museus, as conferências abertas ao público e, principalmente, as fundações de fomento à pesquisa.
O professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP), Wilson Bueno, enfatiza a importância de tais realizações, defendendo que “a partir daí [momento do surgimento das iniciativas anteriormente citadas] podemos chamar efetivamente de divulgação científica para o cidadão comum”.
Com a expansão do alcance dos jornais e das revistas, os acontecimentos e as descobertas do mundo científico se tornaram notícias com grande visibilidade em portais de comunicação. No século XX, episódios marcantes, como a corrida espacial, foram tratados com relevância altamente significativa pela imprensa da época, fazendo parte dos noticiários internacionais.
Todavia, inegavelmente, a emergência da rede de Internet é o marco do impulsionamento da Divulgação Científica, a velocidade da transmissão das informações aumentou exponencialmente com a chegada do meio digital. A partir desta revolução, diversos portais de comunicação surgiram a fim de compartilhar conhecimento complexo de uma maneira descomplicada.
Por meio da internet, com o intuito de popularizar a ciência e levar o conhecimento das universidades para pessoas fora do contexto acadêmico, graduandos e pós-graduandos do Departamento de Química da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) projetaram o Portal Ciência na Web. Recorrendo a podcasts, textos, vídeos e publicações em plataformas de mídias sociais, a iniciativa traz conteúdos científicos em uma linguagem mais simples e acessível para um público amplo.
O projeto, que teve início na pandemia, conta com voluntários de diversas universidades por todo o Brasil, que produzem conteúdo de acordo com sua área de estudo sob a orientação da profª Drª Maria Helena de Araujo (DQ-UFMG). Segundo Lívian Kessy, uma das idealizadoras do projeto, “o Ciência na Web surgiu durante a pandemia, por ter sido um período onde tivemos um grande problema com a questão do negacionismo e da desinformação; nós queríamos mostrar que a ciência é fundamental na vida das pessoas.”
O Ciência na Web possui uma variedade de formatos para divulgação científica, visando a alcançar efetivamente seu público-alvo. Um dos primeiros meios de publicação adotados foi o podcast, devido à sua popularidade crescente nos últimos anos e à facilidade de acesso para os usuários do portal.
Recentemente, o projeto tem se adaptado às demandas atuais e também passou a publicar conteúdo no Instagram e no YouTube, sendo a última uma das plataformas de vídeos online mais populares. Ainda segundo Lívian, “as redes sociais estão sempre mudando, e isso influencia no formato que a gente produz conteúdo de Divulgação Científica.”
As próximas etapas do projeto envolvem uma transição para o formato presencial, de modo a ampliar seu alcance. Entre as ações já realizadas, estão a elaboração de kits de experimentos, que foram gratuitamente distribuídos para professores da educação básica, juntamente à produção de vídeos instrutivos e a produção de material de divulgação científica em colaboração com outros projetos e iniciativas com ênfase em desenvolvimento sustentável e ação social.
Jovens Cientistas Brasil
Outra iniciativa é o Jovens Cientistas Brasil (JCB), que ilustra exatamente a relevância da acessibilidade da ciência nos meios de comunicação. O projeto, criado em 2020, produz artigos nas áreas de Ciências Naturais, Ciências Humanas e Matemática feitos por estudantes de Educação Básica e Universitária para um público da mesma faixa etária.
Os textos são publicados na internet e divulgados nas redes sociais, principalmente no Instagram, abarcando toda a extensão do Brasil. Com o objetivo de alcançar jovens de 13 a 19 anos, intervalo etático dos próprios participantes do JCB, a linguagem, o uso de analogias, as simplificações e os termos comuns ao público-alvo, e, o mais importante, o uso do meio digital para realizar Divulgação Científica são utilizados para a difusão dos conhecimentos acadêmicos de forma eficaz.
O Jovens Cientistas Brasil cria um espaço seguro para adolescentes aprenderem sobre ciência. Beatriz Franco, coordenadora do Jovens Cientistas Brasil, diz que os estudantes que mantêm o projeto também não são especialistas nos assuntos que discutem, mas querem compartilhar o que sabem: "Nós ainda temos muito a aprender, mas queremos estimular o jovem a seguir carreira científica nesse momento formativo da escola, principalmente durante o Ensino Médio, período crucial nas decisões de carreiras futuras". A coordenadora conta que o JCB é uma rede de comunicação e apoio entre jovens, e, a partir disso, a plataforma se expandiu, atingindo centenas de brasileiros por todo o país.
O sucesso do Jovens Cientistas Brasil está diretamente ligado à proximidade entre quem escreve e quem lê os artigos do projeto. A equipe do JCB é responsável pela produção, pela revisão e pela edição de todo o conteúdo publicado no jornal digital e nas redes sociais.
A partir da comunicação entre o produtor de conteúdo e o público alvo, incentiva-se a iniciação dos jovens no universo científico, encorajando-os a pesquisar, a escrever e a estar sempre atualizado nas notícias relacionadas ao seu tema de interesse.
Além de integrar os seus próprios leitores no universo da ciência, o projeto convida seus participantes a produzirem textos de divulgação científica, incentivando boas práticas científicas de pesquisa, síntese, discussão e organização das ideias em um texto escrito.
Ser um jovem divulgador científico possibilita o desenvolvimento de costumes que envolvem responsabilidades com o conhecimento a ser divulgado e sua articulação com a realidade. O “Jovens Cientistas Brasil” é um sistema de oportunidade para jovens que desejam exercitar habilidades de escrita, pesquisa e comunicação; além de criar uma rede de apoio entre estudantes de todo o Brasil, um país com uma educação extremamente desigual, visto que não são todos os estudantes que possuem estrutura e oportunidade de obter uma boa formação acadêmica e, consequentemente, científica.
Portanto, a importância dessas iniciativas no contexto moderno se tornam claras. Com os avanços dos meios de comunicação por conta da expansão das redes e da intensa globalização, informações se espalham muito rapidamente, o que aumenta a difusão de notícias falsas e desinformação.
Assim, torna-se primordial que a ciência consiga se inserir nesse cenário e que os meios de comunicação da atualidade sejam utilizados para a divulgação responsável dos conhecimentos produzidos pela academia. A ciência é para todos, e a internet é uma ferramenta poderosíssima de comunicação de largo alcance, de forma que se valer de novas modalidades de divulgação – externas à academia e inseridas na modernidade – garante que os conhecimentos sejam acessíveis para o público geral e não-especialista.