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Cientistas alertam para efeito cascata da redução de umidade na Amazônia

No mês passado, oito das 10 estações convencionais do Inmet no Amazonas registraram volumes até 90% abaixo das médias climatológicas

Bioma sofre com seca no Alto Solimões. (Leandro Fonseca/Exame)
AO

Agência O Globo

Publicado em 8 de outubro de 2022 às 15h33.

Alcançado pelo arco do desmatamento, o Amazonas enfrenta redução no volume de chuvas este ano. Na região de Tefé, afluentes do Rio Solimões apresentam extensas faixas de areia, dificultando a passagem de embarcações. Dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) mostram que o estado teve o menor volume de chuvas dos últimos 15 anos de janeiro a abril (989,4 mm), período mais chuvoso na região. Nos meses mais secos, de julho a setembro, a chuva acumulada foi a menor em 20 anos.

No mês passado, oito das 10 estações convencionais do Inmet no Amazonas registraram volumes até 90% abaixo das médias climatológicas. Em Manaus, as temperaturas chegaram a 38,3°C em setembro, o que significa 4ºC acima da média esperada para o mês. O município de Lábrea, no sul do Amazonas, um dos mais afetados por desmatamento, chegou a registrar 38,6ºC, a temperatura mais elevada do estado.

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Segundo Andrea Ramos, meteorologista do Inmet, o fenômeno La Niña altera o regime de chuvas pelo terceiro ano consecutivo, mas a Amazônia enfrenta, assim como o resto do mundo, o fenômeno dos extremos, com secas mais longas e chuvas de um dia que equivalem à quantidade de um mês.

— Na Amazônia não há estações bem definidas, mas o período chuvoso reflete em todos os demais meses do ano. Se chove menos no início do ano, no período mais seco a situação piora — afirma Andrea.

Em Tefé, choveu em setembro apenas 45% da média registrada para o mês.

O pesquisador Marcílio Medeiros, da Fiocruz Amazônia, que desenvolve um projeto de saneamento ambiental na área, conta que teve de andar por 2 km no leito do Rio Uarini, um dos afluentes do Rio Solimões, para alcançar comunidades do município de mesmo nome. Não conseguiu chegar na cidade de Fonte Boa, pois as embarcações suspenderam o transporte devido à seca.

— Os ribeirinhos relatam que esta é uma das piores secas dos últimos anos — conta Medeiros.

Na região do Médio Solimões, onde fica Tefé, a seca que afeta os rios desacelera chegada de remédios e suprimentos, dificultando a vida das comunidades ribeirinhas.

A Amazônia registrou secas extremas em 2005 e 2010, a maior em mais de 100 anos (desde 1902). O problema se repetiu em 2015 e 2016.

Henrique Barbosa, professor do Instituto de Física da USP e da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, lembra que nos últimos 20 anos ocorreram quatro grandes secas na Amazônia, quando o padrão deveria ser de uma em 100 anos.

Rios voadores

Barbosa é coorientador de um estudo com pesquisadores internacionais que mostra um efeito cascata dentro da própria Amazônia, decorrente de secas esperadas em função da mudança climática. Mesmo que a seca atinja apenas uma determinada área, ela vai impactar outras que não foram afetadas diretamente. Os cálculos têm como base o transporte de umidade na atmosfera, popularmente conhecido como "rios voadores".

— A cada três árvores que morrem no Leste da Amazônia, uma quarta morrerá no Sudoeste e Oeste da região. O aporte de umidade levado pelos ventos, que sopram do oceano em direção aos Andes, será 25% menor, o que faz que essa quarta árvore receba menos água — prevê Marina Hirota, professora da Universidade Federal de Santa Catarina, coautora do estudo com apoio do Instituto Serrapilheira.

Barbosa explica que a floresta Amazônica devolve para a atmosfera pelo menos 50% da chuva que absorve, por meio da evapotranspiração (liberação de vapor).

Quanto mais se adentra em direção aos Andes, maior é a fração de reciclagem da chuva.

Segundo ele, em Belém, 10% da chuva retorna à atmosfera. Em Manaus, 50%. Na região de Tefé, mais perto da fronteira com Peru e Bolívia, o percentual é ainda mais alto.

— Do oceano em direção ao continente, quanto mais para dentro, mais intensa é a reciclagem da chuva e mais a floresta depende da quantidade de umidade que chega à região para que se mantenha como é hoje, diversa. Sem a umidade adequada, as árvores mais robustas vão morrendo e a floresta passa a ser mais esparsa — diz Barbosa.

A interação entre floresta e clima garante umidade — e chuvas — em toda a Bacia do Prata, que alcança Argentina, Paraguai e Uruguai. É essa umidade também que abastece o fluxo de águas ao Pantanal.

— À medida que removemos a floresta, tiramos água desse rio voador e ele vai contribuir menos para a chuva em outras regiões, inclusive com o regime de chuvas no Sul e Sudeste do Brasil — diz o professor.

O estudo indica que o Sul do Amazonas, nova fronteira de desmatamento, será uma das áreas mais afetadas pela redução da umidade levada pelos rios voadores.

— Quando a floresta é trocada por qualquer outra coisa, essa outra coisa devolve menos água para a atmosfera. Regiões abaixo da área impactada também vão sofrer, mesmo que não se tenha mexido nela. Vai ter menos umidade e menos chuva — afirma.

A pergunta dos cientistas é qual o limite para a perda de floresta na Amazônia. Ou seja, até que ponto é possível reverter a degradação. A transformação é chamada de "savanização", com mudança da paisagem para campo ralo, árvores espaçadas e com menor quantidade de folhas.

Os estudos, segundo Barbosa, apontam que o limite varia entre 22% e 45% de perda florestal. Acima deste, que não se pode ainda precisar, explica Barbosa, todo o resto da floresta vai morrer sozinho.

— Não deveríamos nem chegar perto destas estimativas, mas estamos chegando. A taxa de desmatamento está se aproximando de 20%.

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