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Brasil é a “menina de ouro” da transição energética, diz Luiza Demôro da BloombergNEF

Em entrevista exclusiva à EXAME, a chefe global de transição energética abordou as expectativas para a COP30, o potencial do país para liderar a agenda de renováveis e os desafios para se chegar lá

Luiza Demôro, chefe global de transição energética da BloombergNEF: provedora de pesquisa estratégica que cobre mercados globais de commodities e as tecnologias disruptivas que impulsionam a transição para uma economia de baixo carbono (Leandro Fonseca/Exame)
Sofia Schuck

Repórter de ESG

Publicado em 9 de setembro de 2024 às 10h23.

Última atualização em 9 de setembro de 2024 às 12h04.

Uma dose de otimismo e outra de preocupação: é assim que Luiza Demôro, chefe global de Transição Energética na BloombergNEF, se sente em relação ao momento do Brasil frente à descarbonização do setor energético. Em visita ao Brasil, a executiva, que atualmente mora em Londres, conversou com a EXAME no escritório da Bloomberg em São Paulo e contou suas “ansiedades específicas” em relação ao país, ao mesmo tempo em que entende seu potencial para liderar a agenda de renováveis e ser um provedor de soluções e tecnologias verdes a nível global. A empresa é referência em prover pesquisa estratégica de mercados de commodities e das tecnologias disruptivas que impulsionam a transição para uma economia de baixo carbono no mundo.

“O mundo está mirando em Belém e o Brasil é a menina de ouro”, disse na entrevista exclusiva, referindo-se à COP30 de 2025. A executiva destaca que essa COP será emblemática e trará vários marcos: será a primeira Conferência do Clima da ONU no Brasil, em uma cidade-sede na Amazônia e, além disso, ocorrerá 10 anos após a assinatura do Acordo de Paris na COP21. “Não temos que colocar a COP como a esperança de tudo. Mas é o momento em que teremos o mundo inteiro olhando para nós, pensando em clima. Em poucos países há essa oportunidade única, como no Brasil, de ser um grande líder e exemplo – em energia limpa, hidrogênio, combustível de aviação, biocombustível, mercado de carbono ou biodiversidade”, disse Luiza.

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Por outro lado, a grande preocupação da executiva é que muitas pessoas, organizações e empresas estão colocando todas as esperanças e expectativas na COP do Brasil e decidindo "pular" a COP29, que acontecerá neste ano no Azerbaijão. “Isso não necessariamente é bom, porque você cria a possibilidade de haver realmente conclusões concretas e acordos vindos do Azerbaijão, e aí coloca o peso de pelo menos duas COPs aqui. E também não podemos pensar que um evento irá solucionar tudo, né? Temos muito trabalho pela frente”, disse.

Olhando a nível global, as projeções da Bloomberg mostram que o cenário do Acordo de Paris, de limitar o aquecimento a 1,5ºC, já não é mais viável. Em 2050, só será possível modelar um cenário de 1,75ºC, e 45% do que precisamos para chegar lá será investindo em energia proveniente de fontes limpas – como a solar e a eólica. Mas, enquanto o mundo foca nas emissões de gás, carvão e óleo – as três principais fontes de emissões no setor –, o Brasil tem uma realidade muito diferente.

“Nossa situação já é muito privilegiada, o que faz com que nossas necessidades de descarbonização sejam outras. Hoje, quase 90% da nossa geração energética é renovável. O desafio é que precisamos de soluções que são menos competitivas hoje e de tecnologias que ainda precisam ser escaladas”, destacou.

Para ela, a virada do jogo pode estar no hidrogênio verde e na biomassa, com o primeiro tendo maior potencial de escala. Mas, para isso, é preciso que aconteça um movimento parecido com o que ocorreu com a eólica e a solar nas últimas décadas – com subsídios vindos principalmente da Europa e tecnologias crescendo com apostas da China.

Na questão dos subsídios, ela enxerga um desafio: “essa dinâmica não existe mais, com o atual contexto geopolítico. Mas sim, o caminho vai existir. Há muita vontade e talvez seja algo um pouco novo. Precisamos aprender a lidar com uma escala mais lenta das tecnologias. Ainda não sabemos como isso será. E, com essa questão da segurança energética, que surgiu com a guerra da Ucrânia, há muitas variáveis. Estaremos aí para assistir”.

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No Brasil, a maior parte das emissões de energia vem do setor de transportes, e há um grande potencial de descarbonização em veículos elétricos e flex (movidos a biocombustíveis). “Se compararmos com as emissões de veículos a combustão de outros países, estamos muito bem posicionados, em razão da nossa fonte de combustível. Quando você compara a bateria, também estamos competitivos, porque nosso uso provém de matriz energética renovável”, explicou Luiza.

Em relação a um ano atrás, a executiva está otimista e diz que o avanço é muito maior do que tudo o que viu durante todo seu tempo à frente da BloombergNEF, visto que atualmente todos os atores estão conseguindo dialogar e entender as oportunidades. “A visão de todos os setores mudou. Todos querem ser parte da solução, e isso inclui a visão das empresas de energia, de indústria e até do agronegócio”, disse.

Como maior vitória da COP30 no Brasil, ela acredita na resolução do mercado de carbono, visto que não é possível modelar o cenário de 1,75ºC apenas com as soluções tecnológicas atuais e a redução das emissões. Já a criação de um mecanismo global poderia, talvez, nos permitir alcançar esse objetivo. “Mesmo para o mercado voluntário, é necessário que você dê passos e finalize a regulação para criar estrutura, assegurar qualidade e também criar incentivos”, destacou. Segundo ela, o que conta é a “taxonomia” – ou seja, o que pode e o que não pode ser feito para, de fato, reduzir emissões. No entanto, cada país tem suas peculiaridades e problemas, e não se deveria adotar regras totalmente distintas, que não seriam eficazes para nós, por exemplo. “A questão é que a taxonomia é alinhada com o mundo. Mas as complexidades do Brasil e de países tropicais não são as mesmas. Essa é uma reclamação do setor”, complementou.

Outra preocupação da executiva é em relação à comunicação do Brasil para o mundo. “Nos comunicamos muito mal e, assim, damos a permissão para a construção de uma visão caricata do país. Os problemas, que normalmente não são os fatos, também são estereotipados, e isso faz com que a energia seja gasta em distrações, em vez de no potencial de resolução”, disse. Segundo ela, os dados mostram que estamos bem posicionados, mas a incapacidade de comunicar no que somos bons e em todo nosso potencial pode levar a um impacto real na economia brasileira.

“Afinal, o que queremos como país? Onde vamos colocar nossos esforços? A direção é ser um líder global em soluções verdes e capaz de ajudar na descarbonização mundial. Isso pode ocorrer pelo desenvolvimento de tecnologia, para sermos um grande provedor, ou pela criação de um mercado de carbono robusto e de qualidade, para avançarmos com credibilidade. É uma decisão que deve unir o setor público e privado em uma mesma missão”.

Buscando levar mais informações e dados com credibilidade sobre o Brasil, a BloombergNEF irá lançar um material com 50 fatos sobre o setor energético do país neste mês de setembro.

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