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Diagnóstico tardio afeta relações sociais e profissionais da mulher, afirma pesquisadora Christine da Silva-Schröeder (Divulgação/Shutterstock)
Repórter de ESG
Publicado em 2 de abril de 2024 às 08h13.
Mulheres no transtorno do espectro autista (TEA) enfrentam maiores dificuldades para conseguir diagnósticos do que homens, aponta o Mapa Autismo Brasil, pesquisa que busca entender as complexidades vividas pela população com autismo no Distrito Federal, realizada pelo Instituto Steinkopf e a Universidade de Brasília.
Um terço das mulheres recebeu o diagnóstico após os 20 anos de idade, o que caracteriza o diagnóstico tardio do TEA. Apenas 9% dos homens receberam o diagnóstico na mesma faixa de idade. Enquanto a idade média dos homens ao receberem o diagnóstico é de 7 anos, para mulheres a média é de 14 anos. O diagnóstico precoce, entre os 0 e 4 anos, é mais frequente entre eles: 61,6% dos homens recebem o diagnóstico nesta idade, realidade para apenas 37,2% das mulheres.
A professora e pesquisadora em Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Christine da Silva-Schröeder, afirma que, entre os fatores que explicam a desigualdade de gênero no diagnóstico, estão os estereótipos dos profissionais da saúde e famílias. “Nós temos alguns vieses socialmente construídos, como ver as meninas como mais obedientes e quietinhas. Os vieses interferem nesse olhar para as mulheres, por isso a nossa sociedade identifica mais naturalmente o autismo no menino do que em uma menina”, conta.
Silva-Schröeder, que é neurodivergente, conta que os efeitos desse diagnóstico tardio — ou inexistente — aparecem principalmente nas relações interpessoais das mulheres. “A mulher autista leva uma vida inteira com dificuldades, limitações e comportamentos tidos como estranhos, e a gente não vê a origem desses comportamentos sem o diagnóstico”, conta. “Nas relações, a falta do diagnóstico não explica problemas como a falta de leitura dos comportamentos das pessoas, uma certa ingenuidade na relação com outros e no próprio posicionamento. Isso não só afeta as oportunidades de trabalho e carreira, mas as relações pessoais dessa mulher, como a formação de família, papel socialmente esperado das mulheres”.
Ela ainda destaca que papéis já socialmente distantes para mulheres neurotípicas — ou seja, com um comportamento cerebral que se enquadra nas expectativas culturais —, como assumir posições de liderança, se tornam ainda mais difíceis para mulheres neuroatípicas. “O déficit de comunicação comum ao autismo impede que essas mulheres se sintam à vontade para demonstrar suas melhores habilidades”, explica.
Christine explica que as empresas brasileiras ainda precisam trabalhar muito para garantir que neurodivergentes vejam a verdadeira inclusão no cotidiano corporativo, independentemente da divergência. “A nossa forma de pensar e como nosso cérebro funciona vai interferir, sim, em muito a nossa vida em geral, incluindo o mercado de trabalho. Nós temos muito o que trabalhar para tornar as organizações naturalmente neuroinclusivas, ou seja, adaptadas para pessoas autistas, superdotadas, com TDAH... Para trabalharmos as diferenças do cérebro como potência precisamos desconstruir os vieses que temos socialmente”, afirma.
A pesquisa da Mapa Autismo Brasil aponta que mudar esse cenário de desigualdade de gênero na saúde e garantir diagnósticos precoces é tarefa dos profissionais de saúde e educação. Além de aumentar a atenção aos sinais e sintomas do TEA, por vezes escondidos e mascarados nas mulheres, os especialistas também podem levantar discussões e pesquisas sobre a vivência do autista, o que aumenta a visibilidade e atenção da sociedade no tópico.