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Aos 30 anos, Fundação Boticário se une a marcas e busca novo perfil

Uma das primeiras organizações ambientais do país vai apostar em ciência e inovação. “Já temos conhecimento ambiental suficiente”, diz diretora

Sede do Grupo Boticário, em Curitiba: 1% da receita anual do grupo é direcionado para a fundação criada por Miguel Krigsner (Guilherme Pupo/Divulgação)
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Rodrigo Caetano

Publicado em 10 de novembro de 2020 às 17h08.

Última atualização em 10 de novembro de 2020 às 19h18.

A Fundação Grupo Boticário celebra, neste mês de novembro, 30 anos de existência. A entidade é uma das primeiras organizações empresariais voltadas para a defesa do meio ambiente. Ela surgiu a partir da visão do fundador do grupo, o curitibano Miguel Krigsner, que, nos anos 1970, acompanhou o surgimento do ambientalismo na Europa e sua chegada ao Brasil.

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Para celebrar o aniversário, todas as marcas do grupo (O Boticário, Beauty Box, Eudora, Eume, Beleza na Web, Quem Disse, Berenice? e Vult) promoveram uma ação conjunta nesta quarta-feira, 11. A ideia é chamar atenção sobre os compromissos assumidos pela fundação e engajar a sociedade “para proteger o patrimônio natural brasileiro.”

Aos 30 anos, a entidade passa por uma mudança de direcionamento. Desde o início, a fundação teve como foco a geração de conhecimento, com o fomento a pesquisas científicas. Para isso, ela recebe, anualmente, 1% da receita bruta do grupo, que, no ano passado, foi de 5 bilhões de reais. A partir deste ano, ela pretende se envolver mais diretamente em iniciativas que promovam o desenvolvimento sustentável nos biomas brasileiros.

“Já possuímos conhecimento suficiente que nos permite tomar medidas concretas para produzir e movimentar a economia, sem afetar o meio ambiente”, afirma Malu Nunes, diretora-executiva da fundação. Segundo a diretora, a ação no aniversário da entidade é uma oportunidade de unir força com as marcas para chamar atenção de todos em relação à conservação do meio ambiente. “É importante exercermos um papel transformador e de             conscientização e passar uma mensagem positiva de proteção à natureza”, diz Nunes.

A campanha de aniversário traz posts com elementos “vivos” da natureza, que representam o trabalho feito pela fundação nessas três décadas e os seus compromissos com água, oceano, espécies brasileiras, natureza, pesquisa, ciência e inovação, florestas, saúde e proteção de reservas naturais. Entre os convidados especiais da “festa” online estão o mico-leão-da-cara-dourada, a arara-azul, a tartaruga-oliva e os botos-cor-de-rosa da Amazônia.

ONGs sob ameaça

A celebração do aniversário de uma das primeiras organizações ambientais do país contrasta com a apreensão, do terceiro setor em geral, com movimentos do governo que buscam controlar a atuação dessas entidades. Segundo reportagem do jornal O Estado de São Paulo, o Conselho da Amazônia, comandado pelo vice-presidente Hamilton Mourão, indicou, em documento oficial, a possibilidade de banir da Amazônia ONGs que não estejam de acordo com os “interesses nacionais”.

Mais de 70 organizações ambientais, entre elas Greenpeace, WWF, Fundação Tide Setúbal e SOS Mata Atlântica, assinaram uma carta repudiando a intenção do governo. “A atuação de organizações da sociedade civil é a expressão viva do pluralismo de ideias e sua liberdade está garantida na Constituição. Querer controlá-las é, em última instância, tentar silenciar liberdades constitucionais”, afirma o documento, intitulado “Garantir a liberdade das ONGs é defender o interesse nacional”.

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A história da Fundação: Miguel Krigsner e a floresta sem alma

No final da década de 1970, Miguel Krigsner, fundador do Grupo Boticário, dava os primeiros passos na jornada que terminaria com a criação de uma das maiores empresas de cosméticos do país. O empreendimento começou como uma farmácia de manipulação, na Rua Saldanha Marinho, tradicional endereço no centro de Curitiba. A falta de clientes o levou a buscar outros caminhos e, assim, surgiram os primeiros produtos “de prateleira” da marca.

Nessa mesma época, Krigsner leu um dos livros mais importantes na história do ambientalismo: “Silent Spring” (Primavera Silenciosa), da bióloga Rachel Louise Carson. A obra é um marco ambiental. Ela levanta a questão dos efeitos nocivos dos pesticidas à saúde das aves, mostrando como o DDT, usado em larga escala no combate a mosquitos no período do pós-guerra, era responsável por reduzir a espessura das cascas dos ovos, provocando elevados índices de mortalidade entre os animais.

Miguel Krigsner: “Eu buscava entender onde poderia colocar esse pensamento novo que estava surgindo" (RAUL JUNIOR/Exame)

Krigsner compreendia a importância do tema para a marca e para o mundo. Mas, ainda não sabia o que fazer com isso. “Eu buscava entender onde poderia colocar esse pensamento novo que estava surgindo. Mantive no radar e pensei que, quando tivesse uma empresa maior, seria uma bandeira importante para defender”, relata Krigsner.

Em 1989, a queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética ofereceram uma oportunidade ao empresário. Ele localizou, no lado oriental da Alemanha, uma pequena fábrica de vidros. O material, na época, era difícil de ser encontrado no Brasil, especialmente os coloridos. Em dificuldades, a fábrica queria se livrar de um estoque de ânforas verdes. Miguel arrematou o lote e os vidros verdes se tornaram um diferencial do Boticário.

No caminho entre Nuremberg, onde estava hospedado, até a pequena cidade onde se localizava o fornecedor, o empresário notou a beleza das vastas florestas da região. Reparou, também, na falta de pássaros. “Achei estranho, todo aquele verde, e nenhum pássaro. Questionei os moradores. O que me responderam é que se tratava de uma floresta plantada, recuperada do desmatamento. Os pássaros foram embora e não retornaram”, diz ele. “A floresta estava ali, mas sem alma.”

Naquele momento, o Boticário já era uma rede robusta, com mais de 500 lojas. Miguel decidiu que era hora de tomar medidas efetivas. Assim surgiu a Fundação Grupo Boticário, uma das primeiras entidades privadas de defesa da natureza.

Sua ideia era trabalhar com pesquisadores no desenvolvimento de soluções ambientais. O empresário percebeu que a destruição do meio ambiente é um caminho sem volta. Derrubar uma floresta é interferir num sistema complexo, ao qual se conectam inúmeras vidas e realidades. Ele também percebeu que conhecemos muito pouco desse sistema. Daí a necessidade de se financiar a ciência, a fim de descobrir a própria essência da natureza.

Esse seria o objetivo da Fundação Boticário. Para isso, precisava garantir um fluxo constante de recursos. “Muitas pesquisas ficavam paradas, ou pela burocracia, ou pela falta de dinheiro”, diz o empresário. A solução encontrada foi destinar, obrigatoriamente, 1% da receita da companhia para a fundação. Dessa forma, os recursos não estariam atrelados ao desempenho financeiro do Boticário.

Com trechos do livro “Empreendedorismo Consciente: como melhorar o mundo e ganhar dinheiro”, de Rodrigo Caetano e Pedro Paro (Alta Books, 2020).

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