ANP leiloará 92 blocos de exploração de petróleo; entenda risco ambiental
Entidades e o Estado de Pernambuco pedem na Justiça a suspensão da licitação por riscos que atividade traria a reservas naturais como Fernando de Noronha
Agência O Globo
Publicado em 7 de outubro de 2021 às 08h32.
Mesmo após questionamentos na Justiça por possíveis ameaças ambientais, a Agência Nacional de Petróleo ( ANP ) manteve marcado para esta quinta-feira um leilão de 92 blocos de exploração de petróleo e gás em quatro bacias no litoral do país.
A 17ª Rodada de Licitações da ANP marca a retomada dos leilões de petróleo no país. O último foi o chamado megaleilão, em 2019, que teve um resultado frustrante para o governo.
Apesar da expectativa das tentativas de barrar o certame na Justiça até o último minuto, as entidades envolvidas nas ações já preparam uma nova estratégia caso o leilão de hoje se realize: pretendem exercer forte pressão sobre os vencedores de blocos considerados sensíveis para impedir atividades que possam ameaçar santuários ecológicos.
Áreas próximas aos arquipélagos que formam o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha e a Reserva Biológica do Atol das Rocas, no Nordeste, foram as que mais chamaram a atenção de ambientalistas. São 14 blocos no meio do Oceano Atlântico.
Há também blocos na Bacia de Pelotas, no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, com risco de dano ambiental, segundo ativistas, porque tem áreas relevantes de corais.
O leilão está sendo discutido em tribunais de Pernambuco, Distrito Federal, Santa Catarina e no Supremo Tribunal Federal (STF). Na noite de quarta-feira, o governo de Pernambuco, em cujo litoral está Fernando de Noronha, se somou a uma ação do partido Rede Sustentabilidade no STF para pedir a suspensão do leilão.
O principal argumento contra a licitação é o de que um acidente na exploração de petróleo ali poderia causar danos graves ao patrimônio natural dessas áreas.
De acordo com a ANP, estão habilitadas para participar do leilão, além da Petrobras, as petroleiras Chevron, Shell, Total, Ecopetrol, Murphy Karoon, Wintershall e 3R Petroleum.
As bacias em jogo ocupam uma região de quase 54 mil quilômetros quadrados nos litorais de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte.
Os blocos próximos à “Cadeia de Fernando de Noronha”, uma sequência de montes submarinos que se conectam ao litoral, são os que chamam mais a atenção. Segundo o próprio ICMBio, órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, a inclusão dos blocos no leilão para exploração petrolífera é “temerária”.
O Instituto Internacional Arayara é um dos órgãos que está pedindo a suspensão do leilão na Justiça pela falta das Avaliações Ambientais de Áreas Sedimentares (AAAS). Mas o leilão foi viabilizado com uma manifestação conjunta do Ministério do Meio Ambiente e do Ministério de Minas e Energia, em um documento considerado menos exigente.
A diretora do Arayara, Nicole Oliveira, entende que essa manifestação conjunta é muito rasa e não faz uma análise concreta de quais impactos o leilão traz e quais os riscos para a biodiversidade e economia local:
— Simplesmente ofertar os blocos dizendo que o licenciamento ambiental vai ser feito depois, a gente sabe que isso não é suficiente. Os licenciamentos ambientais vão precisar de análise de área sentimental é uma irresponsabilidade da ANP de colocar esses blocos à venda.
Licenciamento ambiental depois do leilão
Na manifestação conjunta dos ministérios que substituíram as AAAS, há algumas recomendações para o licenciamento ambiental. Uma delas é dar “especial atenção” ao ambiente de fundo com os banco de rodolitos (algas calcárias) e aos corais de águas profundas.
Esse licenciamento, porém, será feito após o leilão e se torna mais um risco a ser assumido por quem arrematar esses blocos.
O processo envolve a avaliação dos potenciais impactos e riscos ambientais da atividade, concluindo-se pela viabilidade, ou não, da exploração de petróleo e gás natural na região. Ou seja, uma empresa pode vencer a licitação e acabar não conseguindo explorar a área.
'É um alerta', diz pesquisador
O professor do Departamento de Oceanografia e vice-reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Moacyr Araújo, avalia que a área leiloada na bacia Potiguar é muito sensível. Por isso, diz que fazer o licenciamento ambiental depois do leilão não parece estar na ordem certa.
Ele destaca que aquela região é considerada um “oásis de vida” e qualquer vazamento de óleo poderia ser muito grave para a biodiversidade, inclusive porque existem sistemas de correntes oceânicas que vão das regiões dos blocos até o Atol das Rocas e Fernando de Noronha.
— Quando a sonda está perfurando o solo do oceano pode acontecer sim um vazamento de óleo de proporções significativas e esse óleo pode ser transportado para esse bancos e montes submarinos para Rocas e Fernando de Noronha — alerta o pesquisador.
Ações continuarão mesmo após licitação
Araújo ressalta que, além do impacto ambiental, há o social e econômico para os pescadores da região e a indústria do turismo:
— Para qualquer lugar que você olhe é um alerta: do ponto de vista ambiental, ecológico, das correntes marinhas, do turismo, da pesca. Os alertas são muitos.
Segundo Nicole, do Arayara, mesmo que o leilão aconteça, o instituto vai continuar com a disputa na Justiça e vai continuar insistindo no cancelamento da licitação, o que ela avalia como um fator que reduz a atratividade das áreas sensíveis:
— Quando há uma insegurança jurídica, as empresas não tem muito apetite para investir. O mérito vai continuar sendo discutido em todas as instâncias.