Aliadas e aliados, um brinde a vocês!
"Aos 50 anos, me parece quase inacreditável que ainda escute de jovens executivas que têm receio de 'parar' para ter filhos", conta Daniela Cachich, presidente da divisão Beyond Beer da Ambev, para a EXAME Plural
Plataforma feminina
Publicado em 28 de março de 2024 às 11h56.
Última atualização em 28 de março de 2024 às 16h14.
Por Daniela Cachich*
O que dividir sobre esses meus 30 anos de jornada profissional no mercado de trabalho? Essa foi a pergunta que me fiz para escrever esse texto. E o que eu tenho para dividir é justamente a minha experiência, que está longe de ser universal ou uma verdade absoluta, é somente minha experiência. E é a partir dela que vou contar alguns episódios da minha carreira que justificam o título desse artigo: a importância dos aliados e aliadas.
Começo admitindo que foram muitos momentos em que pensei que seria impossível que uma mulher ocupasse determinado cargo ou espaço. Momentos que eu me questionei se teria que solucionar o famoso dilema: ser mãe ou ser executiva? Uma escolha que não deveria ser um dilema, mas somente uma escolha. Mas a verdade é que ainda é um dilema.
E hoje, aos 50 anos, me parece quase inacreditável que, muitos anos depois, ainda escute de jovens executivas, que têm receio de “parar” para ter filhos. Isso mostra o quanto ainda é preciso reforçar que é possível conciliar maternidade e profissão. Vai existir momento correto? Idade correta? Não, não vai. Sempre teremos um projeto importante, uma entrega prioritária, alguma justificativa de que não é o melhor momento. Meu conselho? Se você quer ter filhos, os tenha. Ponto.
Eu tenho dois. A primeira filha veio aos 34 anos e durante a licença maternidade recebi uma ligação da minha líder comunicando que a minha posição havia deixado de existir. Sim. Organizações mudam, se ajustam e seguramente isso vai acontecer. Mas nada me foi sinalizado antes de sair de licença. Nenhuma conversa, nenhuma hipótese levantada e, tampouco, nenhuma troca sobre possibilidades de retorno. Duro, duríssimo.
Então que uma outra líder da mesma organização me liga e me oferece uma nova oportunidade. Era a ideal? Não. Era uma posição que, dependendo do ponto de vista, poderia parecer menos relevante do que a que eu ocupava antes. Mas era uma oportunidade real, oferecida por uma aliada. E se tem uma certeza de que aprendi nesses anos é: confiem nas aliadas e nos aliados. Apenas confiem.
Me lembro claramente sobre essa conversa. Desliguei e pensei: não é como eu saio de licença, é como eu volto de licença. E aqui cabe dizer o óbvio: que nem todas as mulheres possuem a mesma rede de apoio que eu possuía. Mas a verdade é que eu voltei com muita vontade de mostrar que era possível seguir nessa jornada de mãe e executiva. Mesmo sabendo de todos os desafios, percalços e culpas. E essa líder foi mais do que uma aliada, foi uma mentora, foi e é um exemplo até hoje! É para ela que eu ligo quando me encontro num desafio profissional ou pessoal e com quem tenho o orgulho de dividir o posto de Conselheira Consultiva, lado a lado, em uma das companhias que mais admiro no Brasil.
O meu segundo filho veio aos 37 anos. Eu havia feito aquela famosa “rede de projeto”, em que a maioria das mulheres que trabalham fazem, na tentativa de tratar temas pessoais como mais um projeto. Fiquei fazendo um cálculo de quanto tempo uma mulher de 37 anos demoraria para engravidar, já que os famosos “35 anos” do período fértil tinham passado. A realidade é que não funciona assim. Vamos assumir que é impossível controlar o imponderável. Apenas assumamos isso!
Eu havia acabado de mudar de empresa. E confesso que na entrevista, antes de aceitar a proposta, eu mencionei que queria ter outro filho, quase como que justificando o motivo que me faria não aceitar a proposta, pois não achava justo “trair” a empresa que estava me oferecendo uma oportunidade. Hoje, com mais letramento e mais maturidade, vejo como somos rapidamente enredadas por definições já postas da cultura, da dinâmica estrutural do que se considera justo ou não.
Depois de um mês trabalhando, descobri que estava grávida. O chão se abriu e a vergonha ocupou a minha mente e meu coração. Uma executiva de 37 anos, com experiência no mercado, com credibilidade, reputação e uma carreira sendo bem construída, estava envergonhada por querer realizar o sonho de ser mãe novamente.
Me lembro de quando fui contar para o meu líder. Nervosa era pouco para descrever o que estava sentindo. E mais uma vez eu entendi o poder do líder aliado. E a forma como ele teve empatia, mudou tudo. E se na primeira gravidez eu fiquei sem posição, na segunda gravidez eu fui promovida durante a licença maternidade. Vale outro conselho? Não generalizemos. Existem tantas pessoas, entre mulheres e homens, que cruzei no meu caminho e que foram fundamentais na minha carreira.
E eis que 10 anos depois, aos 47 anos, onde a maternidade já não era mais um dilema, mas o etarismo e a menopausa eram, encontrei com mais um aliado no desafio que eu assumia. Meu atual líder, que com maestria encontra muitas maneiras de demonstrar o quanto é meu aliado nessa jornada.
Eu poderia citar muitas pessoas que tiveram esse papel na minha vida. E fico me perguntando o quanto eu pratico isso diariamente, da mesma forma que fizeram comigo. Eu penso muito no poder que aliadas e aliados têm em transformar a carreira, a evolução e a potência de nós, mulheres. Não é sobre estar em uma determinada posição por ser mulher, é sobre ter a oportunidade de mostrar como podemos agregar valor aos negócios. É estar nessa posição porque entregamos crescimento, somos boas líderes, porque criamos valor. É preciso normalizar vozes femininas em todos os espaços do mundo corporativo.
Aliadas e aliados, talvez vocês saibam o tamanho da contribuição de vocês no meu crescimento profissional, talvez não, então na dúvida, um brinde a vocês! Cheers!
*Daniela Cachich é presidente da divisão Beyond Beer da Ambev