(Arte/Esfera Brasil/Reprodução)
Da Redação
Publicado em 27 de janeiro de 2023 às 00h03.
Por Mansueto Almeida*
O Brasil passou por mudanças profundas na agenda econômica nos últimos sete anos. Importantes reformas foram aprovadas pelo Congresso nesse período, mesmo com o país passando por circunstâncias políticas adversas: primeiro, um governo que decorreu de um processo de impeachment, e, em seguida, outro que começou sem base política e em um ambiente polarizado.
Destaco aqui, em ordem cronológica, as principais mudanças na agenda econômica no período.
Teto de gastos e Lei das Estatais
Em maio de 2016, no final do governo de Dilma Rousseff (PT), um dos maiores problemas do Brasil era o crescimento expressivo projetado para a dívida pública, em um contexto de recessão, inflação esperada acima da meta e déficit primário previsto de 2,5% do PIB.
Entre junho e dezembro daquele ano, o presidente do Brasil, Michel Temer (MDB), conseguiu aprovar duas reformas importantes. A primeira foi a da emenda constitucional que instituiu o chamado teto de gastos. A regra estabeleceu que, durante 10 anos, a despesa primária do governo federal só poderia crescer de acordo com a inflação. Embora se tratasse de um ajuste fiscal muito gradual, a novidade foi a tentativa de fazê-lo pelo corte gradual da despesa pública, o que permitiu uma forte redução da taxa de juros.
A segunda foi sancionar a Lei das Estatais com novas exigências de transparência e governança para as empresas. A legislação estabeleceu critérios mais rigorosos para nomeação da diretoria e conselho de administração dessas empresas.
Veja também: “Cenário econômico de 2023 será desafiador” Reforma administrativa: não deixemos passar essa oportunidade
Reforma trabalhista e Taxa de longo prazo
Em julho de 2017, Temer sancionou a importante lei da reforma trabalhista. O texto não mexeu em nenhum dos direitos fundamentais dos trabalhadores, já previstos no artigo 7º da Constituição Federal, e conseguiu reduzir em mais de 40% a litigiosidade das relações de trabalho até 2022.
Ainda no governo Temer, o Brasil começou a reduzir o endividamento dos bancos públicos e empréstimos, com a aprovação da Taxa de Longo Prazo (TLP) em 2018. O fato gerou duplo benefício: reduzir a despesa pública e promover uma importante expansão do mercado de capitais.
A captação das empresas no mercado de capitais doméstico foi de R$ 125,5 bilhões em 2016 para R$ 610,3 bilhões em 2021 e para R$ 543,7 bilhões em 2022 – quando houve uma redução momentânea decorrente do fechamento da janela de IPOs. Hoje, estamos em um país cuja emissão anual de debêntures, por exemplo, alcançou R$ 271 bilhões em 2022, ante R$ 64 bilhões em 2016.
Reforma da previdência e marco do saneamento
Em 2019, no primeiro ano de um governo sem base política consolidada, o de Jair Bolsonaro (PL), o Congresso aprovou a tão necessária reforma da previdência, que estabeleceu a idade mínima para aposentadoria – 65 anos para homens e 62, para mulheres. É importante destacar que, mesmo com a reforma, o gasto com previdência de servidores públicos e privados no Brasil ultrapassa 12% do PIB, o que é um valor muito acima da média para países com estrutura demográfica semelhante à nossa.
No governo Bolsonaro, as diversas mudanças de marcos regulatórios foram também importantes para o sucesso de leilões de concessão. Em 2020, entrou em vigor a lei do marco regulatório de saneamento e, desde então, os leilões de serviços de saneamento têm atraído capital privado para o setor e ainda reforçam o caixa dos estados com o pagamento de outorga, abrindo espaço para investimento em saúde e educação.
Mandato fixo para o Banco Central e privatização da Eletrobras
Em 2021, a aprovação da lei que instituiu mandatos fixos para o presidente e diretores do Banco Central, constituiu mais um avanço na lista de reformas estruturais da economia brasileira. Pela primeira vez desde a Constituição de 1988, tivemos uma eleição no país na qual não se discutiu quem seriam os ocupantes do alto escalão do BC.
E, em 2022, um ano difícil para o mercado de capitais e a poucos meses de uma eleição presidencial, a privatização da Eletrobras foi mais uma conquista na agenda de reformas econômicas que marcaram os anos recentes do Brasil, apesar da polarização política.
Desafios do governo Lula 3
Mesmo com tais avanços, estamos começando o terceiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o desafio de seguir com o ajuste fiscal. Dada a expansão permanente de algumas despesas como o novo Bolsa Família e com a aprovação da PEC 32/2022, a chamada PEC de Transição, que permitiu uma expansão da despesa do governo este ano em até R$ 170 bilhões, a expectativa é que o Brasil volte a ter déficits primários com crescimento da dívida.
Há duas semanas, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou um pacote de medidas para reduzir a dívida pública em R$ 242,7 bilhões em 2023. Mas o mais provável é que o déficit primário fique perto de R$ 100 bilhões.
O desafio do novo governo é conseguir sinalizar o ajuste ao longo dos próximos anos com algum controle da despesa pública. O Brasil já tem uma carga tributária de quase 34% do PIB, logo um ajuste fiscal focado apenas no aumento da receita teria o efeito inevitável de pesar sobre a rentabilidade dos investimentos e reduzir o crescimento do PIB potencial. Existem diversos tipos de ajustes fiscais possíveis, mas para um país que tem carga tributária de país rico e gasto público elevado, seria desejável alguma regra de controle no crescimento da despesa pública.
Reformas tributária e administrativa
A agenda fiscal deveria ser acompanhada da aprovação da reforma tributária, uma agenda já destacada por Haddad com o objetivo de reduzir a complexidade do nosso sistema tributário e de regimes especiais que não são eficientes e nem justificáveis do ponto de vista social.
Uma reforma administrativa também seria bem-vinda por sinalizar aumento da eficiência do setor público, o que poderia, no longo prazo, ajudar no controle da despesa com pessoal.
Adicionalmente, a continuidade da agenda de avaliação de políticas públicas será essencial para mudar a composição do Orçamento e priorizar políticas distributivas e que contribuam ainda mais para o crescimento do país.
Compromisso com a agenda de reconciliação
Embora os desafios sejam grandes, temos hoje um governo que foi eleito pregando uma agenda ampla de conciliação. A reabertura da China para negócios após três anos deixou investidores externos otimistas com o impacto que poderá ter nas economias emergentes, em especial, no Brasil. Também há expectativa para o crescimento projetado para a oferta de energia fóssil (petróleo) e também de renovável.
Se o governo mostrar real compromisso com a agenda de responsabilidade fiscal e de reformas, será possível melhorar as projeções econômicas para 2023 e 2024, reduzir a taxa de juros de longo prazo e sinalizar para um período de crescimento mais elevado com taxas de juros menores.
*Economista-chefe e sócio do BTG Pactual