Na Argentina, o livre comércio costuma ser associado ao desemprego, (Miguel Schincariol/Getty Images)
João Pedro Caleiro
Publicado em 13 de novembro de 2018 às 19h05.
Última atualização em 13 de novembro de 2018 às 19h41.
Brasil e Argentina, duas das economias mais protecionistas do mundo, concordam que é preciso reformar o Mercosul. A mudança pode atender a demanda represada por anos, mas também trazer custo político.
O presidente eleito Jair Bolsonaro sinalizou intenção de tornar o Mercosul mais ágil e permitir que seus integrantes negociem acordos de livre comércio bilateralmente, de modo parecido com o que defende o presidente dos EUA, Donald Trump.
Na Argentina, o presidente Mauricio Macri também quer reformar o bloco, segundo dois integrantes do alto escalão de governo que pediram anonimato.
Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai (os dois outros parceiros do bloco) não conseguiram fechar nenhum acordo comercial significativo desde a fundação do Mercosul, há quase três décadas.
Agora, Bolsonaro e Macri precisam mostrar ao eleitorado que políticas pró-mercado podem melhorar a vida da população, ao atrair mais investimentos, trazer produtos importados mais baratos e abrir mercados para suas exportações. No entanto, muitos grupos defendem as tarifas protecionistas do Mercosul.
"O preço da transição será salgado e trará custos sociais e políticos, mas o esforço acabará valendo a pena", disse Benjamin Gedan, responsável pelo Projeto Argentina do Wilson Center, que foi diretor do Conselho Nacional de Segurança da Casa Branca para a América do Sul durante o governo Obama.
Nas últimas semanas, vem surgindo uma retórica unificada sobre o comércio — algo raro na América do Sul —, sinalizando que as reformas podem ser iniciadas quando Bolsonaro assumir o cargo, em janeiro.
"O Mercosul não é uma gaiola de ouro, mas uma plataforma de inserção global”, disse o vice-ministro de Relações Exteriores do Uruguai, Ariel Bergamino, em entrevista por telefone. “Talvez o Mercosul precise se modernizar para refletir o mundo atual.”
Paulo Guedes, escolhido por Bolsonaro para comandar Ministério da Fazenda, criticou o Mercosul e disse que o Brasil não será "prisioneiro" da ideologia protecionista do bloco. Entre os líderes argentinos, um sentimento parecido sobre o legado das tarifas se faz mais presente.
"Na Argentina, não funcionou", disse o presidente do Banco Central argentino, Guido Sandleris, em entrevista recente à Bloomberg. "No governo anterior, houve um processo de desengajamento com o comércio global e estamos tentando reverter isso."
Remover as tarifas do bloco não traz muito ganho de curto prazo para Bolsonaro, que pode liderar a reforma.
A maior parte das exportações brasileiras de bens manufaturados vai para parceiros do Mercosul e, se novos acordos comerciais reduzirem as tarifas sobre as importações de países de fora do bloco, o País pode perder clientela porque os produtos brasileiros são mais caros e têm menos qualidade, segundo especialistas.
"Essa conversa de que o Brasil não negocia [acordos bilaterais] porque não pode é uma das maiores falácias de política comercial", disse Pedro Motta Veiga, associado ao Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), no Rio de Janeiro, e diretor do CINDES (Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento). "O Brasil é, de longe, o mais protecionista dos países do Mercosul."
A retirada das tarifas poderia colocar empregos em risco no Brasil e Argentina, que ocupam, respectivamente, os 72º e 81º lugares do Índice de Competitividade Global do World Economic Forum, que acompanha 137 países.
Na Argentina, o livre comércio costuma ser associado ao desemprego, após a tentativa do ex-presidente Carlos Menem de abrir a economia na década de 1990.
Macri pode não dar conta dessa perspectiva, já que tentará a reeleição no ano que vem em meio a uma situação econômica difícil. No Brasil, o desemprego é quase recorde e setores da indústria têm poderoso lobby no Congresso.
A eventual transformação do Mercosul pode colocar em xeque um acordo comercial que vem sendo trabalhado há anos entre o bloco e a União Europeia. As negociações com a UE serão retomadas nesta semana em Bruxelas, mas recentemente caíram em um impasse e o acordo visado há tanto tempo não tem previsão para sair.
De acordo com uma resolução assinada pelo Mercosul em 2000, cada país integrante fica comprometido a negociar pactos comerciais como bloco. Essa resolução precisaria ser revogada ou alterada por meio de um comitê executivo do Mercosul.
Para Motta Veiga, alterar a resolução ou negociar uma concessão não seria um grande obstáculo. Especialistas alertam que problemas políticos marcam o caminho para o livre comércio.
"As barreiras políticas na Argentina são altas", disse Juan Cruz Díaz, diretor da consultoria política Cefeidas Group, de Buenos Aires. "Quanto capital político Bolsonaro está disposto a gastar?"