Economia

Seis fatos assustadores sobre o novo Refis

Uma nova rodada de perdão e parcelamento de débitos deve custar 6 bilhões de reais ao governo. E, mais uma vez, sinaliza que o Brasil é o país do jeitinho

 (Mario Tama/Getty Images)

(Mario Tama/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 25 de outubro de 2017 às 12h16.

Última atualização em 25 de outubro de 2017 às 14h12.

Apesar da situação fiscal crítica, o governo abriu os bolsos para se salvar. A negociação política para barrar duas denúncias criminais contra o presidente da República, Michel Temer, pode passar de 30 bilhões de reais.

Entram na conta 4 bilhões de reais empenhados em emendas, 6 bilhões de reais que não serão arrecadados com o cancelamento da privatização do aeroporto de Congonhas e cerca de 6 bilhões de reais com a última medida do pacote de maldades: um novo Refis, o parcelamento de débitos tributários.

O Refis estava em negociação há noves meses, foi aprovado pelo Congresso no início de outubro, e foi sancionado na noite desta terça-feira, de supetão, por pressão de deputados que pressionavam não votar a favor do governo. Pelo texto, os descontos incidentes sobre os juros vão de 50% a 90. Os descontos das multas variam de 25% a 70%.

EXAME selecionou seis fatos que mostram a incoerência de sancionar um novo perdão de dívidas para um país que acumula déficits fiscais e que está numa cruzada contra a corrupção e os desvios.

“O Refis há muito faz parte de nosso manicômio fiscal e de nossa estrutura de incentivos perversos. Como dizia Roberto Campos, por enquanto não há perigo de melhorar”, diz Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, em Washington.

1- A Fazenda foi contra

Dos seis vetos recomendados pelo Ministério da Fazenda, o presidente acatou apenas dois, o que desagradou a Receita e deve levar a uma queda relevante de receita nos próximos anos. Em 2017, a receita com o Refis deve ficar entre 6 e 7 bilhões de reais, ante 13 bilhões de reais previstos inicialmente. A perda deve dificultar ainda mais o governo a fechar a meta fiscal do ano, que prevê um rombo de 159 bilhões de reais.

2- No Brasil, não pagar é ótimo negócio

O Estado brasileiro arrecada só 25% do que deveria com tributação. E não é só por causa da crise: nos últimos 15 anos, o país teve um Refis a cada três anos. Ou seja, uma nova rodada de perdão é tão certa no Brasil quanto as enchentes de verão.

“O Refis premia a sonegação. Vamos supor que eu devo 100 reais em tributo, fico usando e não pago: se o meu concorrente também deve 100 reais, mas faz um empréstimo no banco com juros para quitar os tributos que deve, ele sai perdendo”, diz o professor Amaury José Rezende, do núcleo de estudos em controladoria e contabilidade tributária da FEA/USP de Ribeirão Preto.

Ele coordenou um estudo que analisou os balanços de 114 companhias de capital aberto entre 2008 e 2015, e mostra que, para as grandes empresas, vale mais a pena não pagar os tributos e esperar por refinanciamentos e multas do que efetivamente pagá-los em dia.

3- Perdoar o atraso não compensa

De 2000 a 2013, o governo lançou quatro grandes pacotes de refinanciamento de dívidas tributárias. Há um efeito perverso do lançamento sistemático desses planos: eles aumentam a sonegação fiscal no longo prazo.

Um estudo da União Nacional dos Auditores Fiscais mostra que o governo federal perde 50 bilhões de reais por ano com a expectativa criada nos empresários de que novos planos – com condições mais vantajosas de pagamento – virão.

O cálculo foi feito com base em um estudo do economista Nelson Leitão Paes, da Universidade de Pernambuco, que mostra que historicamente no Brasil as empresas pagam apenas 67% de seus tributos. Com os parcelamentos sistemáticos, a proporção caiu para 62%.

4- A sonegação é assustadora

O Brasil arrecada mais de 1 trilhão de reais em impostos, mas a sonegação chega a 3 trilhões. Há, portanto, dois PIBs não recolhidos em tributos todos os anos. Apenas as cerca de 600 empresas listadas no mercado de capitais, têm, juntas, 900 bilhões de reais não pagos em litígios.

“Temos um sistema tributário que penaliza quem paga e penaliza os pobres”, diz Rezende, da USP. “O Refis não é um problema isolado. É só mais um aspecto de todo um modelo de tributação errado”. “O incentivo é para que empresas atrasem o pagamento de impostos, ainda que sejam capazes de honrá-los”, diz Monica de Bolle.

5- As grandes ganham; as pequenas, não

Um estudo da Receita Federal mostra que há 2.000 empresas no Brasil que vivem do Refis, ou seja, que participam de todos os Refis que já tivemos. Elas, basicamente, sabem que vão poder renegociar.

Segundo especialistas ouvidos por EXAME, em geral são empresas que têm boa assistência jurídica, o que permite que, quando não têm como provar que são inocentes, protelem as pendências judicialmente. No Brasil, um processo tributário pode demorar 18 anos para ser julgado. As pequenas empresas não têm como arcar com os custos e acabam pagando mais do que as grandes.

Elas também têm menos acesso a crédito subsidiado, já que 60% dos recursos do BNDES, historicamente, vão para as grandes empresas. Um dos dois vetos do presidente no Refis sancionado nesta terça-feira mira justamente as pequenas empresas: permitia adesão ao parcelamento e descontos de dívidas para as optantes pelo Simples, que acabaram ficando de fora.

6- Os congressistas se beneficiam

Os deputados e senadores que aprovaram o texto do novo Refis em outubro devem à União, segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, 532,9 milhões de reais, num conflito de interesses que já não surpreende mais ninguém no Brasil.

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