Economia

Risco Trump é maior ameaça para 2018, diz Barry Eichengreen

Professor da Universidade da California também manda recado pessimista para os investidores do bitcoin: "Aproveite seus milhões enquanto durarem"

Barry Eichengreen, professor da Universidade da California em Berkeley (University of California/Divulgação)

Barry Eichengreen, professor da Universidade da California em Berkeley (University of California/Divulgação)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 19 de janeiro de 2018 às 06h00.

Última atualização em 19 de janeiro de 2018 às 09h32.

São Paulo - Os mercados estão eufóricos e o vigor da economia global supera as expectativas como não acontecia há muito tempo, mas isso não significa que 2018 será calmo.

O presidente americano Donald Trump é o risco número 1, de acordo com Barry Eichengreen, professor de Economia Política na Universidade da Califórnia em Berkeley.

Ele diz que os impostos americanos foram cortados no "pior momento possível", gerando risco de superaquecer a economia e queimando cartuchos que poderiam ser úteis em uma próxima recessão.

Além disso, há risco de guerra comercial, de um conflito com a Coreia do Norte e de um novo pânico do mercado se o Fed subir as taxas de juros mais rápido do que o projetado.

Uma das especialidades do americano é o sistema financeiro e monetário internacional, e seu recado para os investidores de bitcoin é claro:

"O lema deveria ser: 'o que vem fácil, vai fácil'. Aproveite seus milhões enquanto eles durarem". Veja a entrevista concedida pelo economista por e-mail para EXAME:

A previsão é que a economia global experimente um crescimento amplo e generalizado em 2018. Quais são os riscos e vulnerabilidades que devem ser considerados?

O número 1 na minha lista é o "Risco Trump". O presidente americano pode iniciar uma guerra comercial; vem por aí tarifas sobre importações de aço, alumínio, painéis solares e máquinas de lavar vindos da China. E ele pode começar uma guerra com a Coreia do Norte.

O risco número 2 é outro "Taper Tantrum" [pânico dos mercados em 2013 quando o Federal Reserve sinalizou que iria moderar sua compra de ativos] se o Fed subir as taxas de juros mais rápido do que os mercados esperam.

Os mercados emergentes dos "Cinco Frágeis" [países vulneráveis a crises de balanço de pagamentos] fortaleceram suas finanças, mas ainda estão fracos demais para ficar confortáveis; a Turquia em particular me preocupa.

E um aumento acentuado nas taxas do Fed poderia "afundar" os mercados americanos de títulos e ações, o que iria desmoralizar os consumidores americanos.

A globalização está em recuo? Qual é a forma que ela está tomando após a ascensão dos discursos nacionalistas e contra o establishment?

É evidente que a globalização está sob pressão. Mas a principal coisa que recuou, por enquanto, foram os empréstimos bancários transnacionais. E considerando os riscos que eles representam, como ficou evidente na crise financeira de 2008/2009, essa retração não é uma coisa ruim.

O investimento estrangeiro direto e outras formas de investimento de portfólio resistiram. O comércio global está crescendo novamente. Então eu não diria "em recuo", pelo menos não por enquanto.

Mas como acabei de notar, o Sr. Trump pode mudar tudo. Ele pode transformar um recuo organizado em uma confusão.

Os Estados Unidos aprovaram cortes de impostos que, de acordo com análises, vão aumentar o déficit e exacerbar a desigualdade, mas também podem impulsionar o crescimento no curto prazo. A Apple anunciou a maior repatriação de recursos da história do país. O acordo foi bom para o país?

Cortar impostos agora é cortar impostos no pior momento possível, quando a economia já está crescendo dentro da sua capacidade e o país está em pleno emprego ou muito perto disso.

Mesmo cortes de impostos que se traduzam em salários mais altos significarão inflação mais alta. Eles também vão se traduzir em um déficit comercial mais alto, o que pode provocar Trump a ter uma reação protecionista, a última coisa que a economia global precisa.

Finalmente, me preocupa que já ter cortado impostos significa que os EUA não terão espaço para fazer isso quando a próxima recessão chegar.

A China continua mostrando forte crescimento, essencial para a economia global, ao mesmo tempo em que segue acumulando dívidasOs mercados parecem calmos com isso: a complacência é perigosa? Ou há um novo ímpeto reformista no país com o fortalecimento do presidente Xi Jinping?

Não vejo aceleração no processo de reformas na China. A principal reforma construtiva que Xi está levando a cabo é sua iniciativa anti-corrupção.

É uma coisa boa, mas também torna os oficiais relutantes em fazer muita coisa, incluindo o que quer que seja na direção de reformas estruturais. No balanço, creio que o ritmo de reformas na China continua decepcionando.

Quais são os efeitos deste cenário internacional sobre países emergentes e o Brasil em particular?

No momento, a economia global está em um ponto ideal, com o crescimento se ampliando e acelerando. Este é um ambiente favorável para o Brasil.

O problema é que todos os riscos apontam para desvantagens: nos EUA, na China e nos "Cinco Frágeis".

O Brasil terá uma eleição em outubro. Que agenda pode fazer o país se destacar entre os emergentes e tornar seu retorno ao crescimento mais sustentável?

O problema do Brasil é estrutural: o país precisa investir mais ampla e efetivamente em educação, para criar uma força de trabalho melhor treinada e educada que possa impulsionar a produtividade.

Este não é um problema que possa ser resolvido em um dia, ou em um mandato presidencial.

Extirpar a corrupção e restabelecer a estabilidade política, limitando o ruído político, vai ajudar no curto prazo. Mas não acredito que existe alguma mudança na mistura de política fiscal e monetária que possa magicamente impulsionar a taxa de crescimento.

O preço do bitcoin decolou em 2017, apesar de agora estar caindo rapidamente. Foi uma bolha? Vem aí repressão dos governos?

O Bitcoin não tem nenhum valor intrínseco que eu possa ver. Não tem nenhuma garantia, e não é útil nem para pagamentos e transações. Então eu antecipei que o que subiu iria descer, com ou sem repressão governamental.

Agora, além de tudo isso, temos repressão na China, Coreia do Sul e outros lugares. Para os investidores do bitcoin, o lema deveria ser: "o que vem fácil, vai fácil". Aproveite seus milhões enquanto eles durarem.

As moedas virtuais ganharão um papel cada vez maior na economia ou perderão relevância?

Eu acho que o pagamento eletrônico, incluindo no esquema ponto-a-ponto, vai continuar se expandindo.

Devem ganhar participação de mercado uma grande variedade de pagamentos eletrônicos: alguns geridos por bancos centrais, outros por bancos comerciais, outros por empresas de cartão de crédito e outros por plataformas ponto-a-ponto como o Paypal.

Mas não vejo a necessidade, e falando nisso, nem o apelo de construir veículos do tipo moeda que vão além destas plataformas. Em outras palavras: sou cético em relação ao futuro tanto das criptomoedas com rótulo privado quanto das moedas digitais emitidas por bancos centrais.

O maior apelo das criptomoedas, em particular, é o anonimato - o que significa que tem utilidade para pessoas envolvidas em lavagem de dinheiro, evasão fiscal e financiamento de terrorismo. Você pode ver para onde estou indo.

Acompanhe tudo sobre:BitcoinChinaCriptomoedasDonald TrumpEstados Unidos (EUA)

Mais de Economia

Boletim Focus: mercado eleva estimativa de inflação para 2024 e 2025

Oi recebe proposta de empresa de tecnologia para venda de ativos de TV por assinatura

Em discurso de despedida, Pacheco diz não ter planos de ser ministro de Lula em 2025

Economia com pacote fiscal caiu até R$ 20 bilhões, estima Maílson da Nóbrega